DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
Cartas de Castro Laboreiro
13.ª - «Senhor Redactor: o
denunciante, aos nossos olhos, é quase um ladrão, porque abusa dos segredos
confiados, porque os aproveita, como desforra ou como defesa, porque é um mau
carácter, enfim, é indigno dos nossos aplausos e muito menos das nossas
simpatias. Desculpamos mais facilmente o ratoneiro que nos assalta a salgadeira
e arca para matar a fome e a dos filhos, do que o denunciante dum segredo e
muito mais quando a denúncia pode roubar o pão de uma família inteira. Mas
também não podemos consentir, sem reparo, que empregados da Guarda Fiscal,
abusando da sua posição (…), abdiquem de todo o respeito que devem às leis,
como todo o cidadão, para, em proveito próprio, se regalarem com o que só ao
Estado pertence. E, colocada a questão neste plano, vamos ao caso: uma das
testemunhas a depor na sindicância ao cabo Carvalho, comandante do posto fiscal
desta freguesia, acusou-o de receber, em vez dos direitos correspondentes a
cada touro ou touros contrabandeados, uma quota especial, por ele arbitrada, e
o grave é que a mesma testemunha havia sido a que, com o referido cabo,
prejudicara o Estado. Pronto: direitos e multa foram aplicados ao homem e
pagou, assim, o mau acto praticado e denunciado. Porém, permita-nos o Ex.mo
Chefe da Guarda Fiscal, neste concelho, estas breves considerações: o
denunciante do cabo Carvalho é, sem dúvida, um analfabeto, desconhecendo,
portanto, os mais rudimentares princípios dos deveres de todo o cidadão – e,
entre eles, o de que é tão ladrão (senão mais) quem rouba ao Estado, como quem
assalta numa encruzilhada. (…) É, sem dúvida, a carência de instrução que nos
coloca nesta miséria, instrução pela qual, em cartas sucessivas havemos pugnado
daqui a regalia que, talvez, nem daqui por um século fruirão nossos filhos, na
extensão precisa, reclamada e altamente desejada. Nem por isso nós nos
calaremos. Este homem, já devido à sua ignorância, já ao absoluto desconhecimento
das leis fiscais, entrou num pacto com o cabo, sem saber o que fazia, nem as
responsabilidades que lhe adviriam. Pagou-lhe o combinado, e foi forçado a
pagar ainda direitos e multa. Concordamos com aquelas como consequência da sua
denúncia; mas a multa deveria pagá-la o guarda prevaricador, por só ele ser
responsável pela transgressão; por ser devido a ele que esta se deu; por,
enfim, os encarregados dos postos da Guarda Fiscal que, como este, têm
responsabilidades, nos parece deverem ser cônscios do cumprimento dos seus
deveres. Desculpe-nos Sua Ex.ª estas referências, nascidas da alma, e esperamos,
no espírito de rectidão que o caracteriza, que obstará, quanto possível, aos
desmandos que semanalmente somos forçados a pôr em foco. // A visita pascal,
que entre nós dura três dias, foi feita com a maior regularidade, devido à
beleza dos mesmos dias. E… cá no Pedroso, ainda cheira a neve! Castro Laboreiro, 28/4/1916.»
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