POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
Geringonça
(III)
Geringonça continua,
Altiva, ligeira, forte;
Atrai a si sol e lua,
Afasta de si a morte.
Veste fraque, veste opa,
Conforme a circunstância;
Por vezes farda da tropa,
Com laivos de militância.
Sonha com vida eterna,
Neste país de almas crentes;
E não precisa de lanterna
Pra iludir nossas mentes.
Geringonça é matreira,
Diz-se social e democrata,
Dá beijinhos à peixeira,
Abraços ao tecnocrata.
Se convém, é socialista,
“Socialismo de gaveta”;
É mansa, tal levandisca,
Ruidosa como a lambreta.
Atira-nos com areia aos olhos,
Diz-nos que tudo vai bem;
«Não há obstáculos,
abrolhos,
Nem uísque de Sacavém.»
Tudo é champanhe francês,
Alvarinho de Melgaço,
Roupas feitas pra inglês,
Um cafezinho e bagaço.
Nós cremos na geringonça,
Pois é estrela do céu;
Mais sagaz do que a onça,
Mais santa do que Nereu.
Mas que ganho eu com isso,
Operário sem tostão?
Ando vestido de tisso,
Pé descalço como Adão.
Durmo em lençóis remendados,
Em colchão de palha dura;
Como em pratos emprestados,
Couves velhas, serradura.
Geringonça, geringonça,
Porque me queres gizar?
Tratas-me como mastronça,
Como uma pota do mar!
Não me queres no teu seio,
Por ser rebelde, do contra;
De mim não tenhas receio,
Sou mais manso do que a lontra.
Eu não tenho aspirações,
Só quero um lugar ao sol;
Não vivo só de ilusões,
Nem do bafo de espanhol.
Gostava de comer carne,
E peixe dos oceanos;
Beber bom vinho de Marne,
E queijos açorianos.
Ter um barquinho dos bons,
Um carro grande, bonito;
Ter chocolates, bombons,
Um palacete catito.
Ter tudo isso, algo mais,
Uma saúde de aço;
Viver longe de hospitais,
E dormir em teu regaço.
Queremos um país ideal,
Sem corruptos e ladrões;
Onde o bem ganha ao mal,
Com escolas, sem prisões.
Ó geringonça engraçada,
Dá-me tudo que eu desejo:
Uma justiça honrada,
Sem música de realejo.
Foge da fera mentira,
Do fingimento, ilusão;
Nunca tomes por safira
Rude pedra d’Anamão.
Não esqueças que o Estado
É apenas uma estrutura;
Precisa de ser tratado
Como se fora escultura.
Tens a força, tens a lei,
A faca, queijo na mão;
Mas não condenes a grei,
A mendigar o seu pão.
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