ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
MELGAÇO E O SEU FERIADO CONCELHIO
«É decorrido cerca de um ano após o
feriado concelhio de Melgaço, que se verifica a 5 de Maio de cada ano. Em todas
as terras da província os feriados concelhios coincidem com festas religiosas e
pagãs que todas as cidades e vilas promovem em benefício do seu turismo, do seu
comércio, das suas indústrias, numa palavra, de tudo quanto contribua para o
progresso material e moral de um povo que tenta progredir e quase sempre o
consegue, porque o querer é uma força. Quem inicia uma viagem, vindo do Porto,
através deste jardim sempre florido e encantador que é o Minho, constata esse
facto animador. Famalicão, onde se realizam todos os anos grandiosas festas e
feiras francas, que dá (?) o cartaz berrante de um povo cheio de vitalidade.
Braga, com o seu São João, agora à porta, festas magníficas e pomposas, com a
sua reputação feita por milhares e milhares de forasteiros que aproveitam essa
excelente oportunidade para visitarem a cidade dos arcebispos, sempre velha e
sempre nova. Barcelos, da minha particular afeição, móvel e ridente cidade que
o Cávado banha com carícias de apaixonado… Festas das Cruzes. Garridice e
bulício – todo um povo de noventa e cinco freguesias (salvo erro) a deslocar-se,
nesses três dias de coração à larga, para a sua linda cidade, a gozar, a
divertir, e – o que é melhor – a gastar. Barcelos! Terra formosa entre as
formosas. E perdoem-me, se o elogio em boca própria é vitupério, como alguém já
afirmou. Depois começa a subida para o Alto Minho. Viana do Castelo – a cidade
feiticeira pelos encantos com que a natureza, sempre pródiga, a dotou. A
Senhora da Agonia, a lembrar ao povo que nem tudo são tristezas nesta vida.
Festas, também, de reputação feita. “Lindos frisos” de mulheres bonitas (que os
trajes regionais mais fazem ressaltar aos olhos de um mundo fascinado por tanta
beleza e harmonia…) Um pouco mais para cima, Caminha, toda fresca e lavadinha,
ali às portas de Espanha, como que a mostrar a estranhos que em Portugal é tudo
assim – a recender frescura. Santa Rita, festa grande do concelho. Um pouco de
vida movimentada na monotonia provinciana. Depois, mais para cima ainda,
Cerveira, Valença, Monção, todas à porfia a ver qual delas faz melhor de ano
para ano. Nos tempos que vão correndo, a concorrência é tudo. Até nas festas!
Chega-se a Melgaço e pronto, senhores: somos duchados por um jacto de água fria
que nos enregela a sensibilidade! Peço mil desculpas aos melgacenses que sempre
me têm acolhido com a maior benevolência. Mas a verdade é só uma, e a verdade é
esta: em Melgaço dorme-se em demasia. Vive-se como que numa ilha deserta,
desprovida de T.S.F. que nos ligue (peço
licença para falar no plural) com o mundo
actual, a vida que passa – uma vida toda feita de saltos bruscos, rápidos e
contínuos, mexida e febricitante, a estimular os nervos, as energias e as
vontades de quem não deseja ficar pelo caminho… No dia 5 de Maio concedeu-se
feriado no concelho. Melhor fora que o não tivessem concedido. O trabalho, ao
menos, distrai. Uma banda de música e uma procissão é pouco, mesmo muito pouco,
para que tal regalia seja concedida, onde [dela] alguém se aproveite. Qualquer
coisa que se parecesse com uma festa, sim; e isso não era difícil, mesmo nestes
tempos calamitosos de crise. O ponto era que todas as pessoas da terra, e até
estranhos que nela vivem, com responsabilidades morais, acordassem do sono
letárgico em que permanecem. A Câmara Municipal, comércio, indústria e povo,
tudo devia congregar-se para um mesmo fim. Atrair o forasteiro por todas as
formas ao seu alcance. Não deviam desprezar a data do feriado concelhio,
realizando as festas do concelho. Não eram precisas pompas desmedidas. Bastava
que os brios da terra não fossem apoucados. E isto, repetimos, não representa
nenhum bicho-de-sete-cabeças. A menos que, para propagandear a terra, julguem
mais do que suficiente a acção benéfica e miraculosa das Águas do Peso,
deixando à sua reputação esse trabalho que a todos, sem excepção, pertencia.»
Baltazar Benfeito (Notícias
de Melgaço n.º 152, de 5/6/1932).
«Em
Melgaço dorme-se em demasia.» Frase terrível, mas verdadeira naquela época.
Estávamos em 1932, é certo; mas esse período durou até à década de oitenta do
século XX. Aconteceu a queda do regime corporativista, no dia 25/4/1974, nasceu
depois a democracia, as Câmaras Municipais começaram a ter algum dinheiro, e as
obras surgiram em todo o país. Fizeram-se estradas, hospitais, escolas, etc. Os
melgacenses na década de sessenta do século XX, devido sobretudo à guerra
colonial, emigraram para França, Suíça, Alemanha, Luxemburgo, etc., a fim de
fugirem à guerra e também com o objetivo de melhorarem a sua pobre vida.
Uma
das figuras cimeiras do desenvolvimento do concelho de Melgaço foi o militante
do Partido Socialista, Rui Solheiro, um jovem cheio de energia. A sua vontade,
o seu querer, com dinheiros conseguidos no país e no estrangeiro, transformou o
Melgaço adormecido num concelho dinâmico e conhecido. Hoje, no século XXI, esta
terra já não é a mesma de outrora. É, a bem dizer, uma pequena cidade. Contudo,
tem um enorme problema por resolver: a população. À medida que os idosos vão desaparecendo,
não nascem crianças para os substituir. Sem gente, um concelho vai, pouco a
pouco, sucumbindo. Podia-se trazer casais jovens de outras terras, até de
outros países; mas onde estão os postos de trabalho, os ordenados atrativos, apetecíveis?
Alojamento não falta. Construiu-se imenso em Melgaço nos últimos quarenta anos;
no entanto, segundo se diz, a maior parte das casas estão vazias. O Dr. Augusto
César Esteves sublinhava nos seus escritos que em Melgaço poder-se-ia criar
mais empregos na pastorícia, em soutos e nogueirais bem cuidados, na indústria
do palito, cuja madeira existe em abundância em terrenos concelhios, no
turismo, etc. Contudo, isso não se verifica, sobretudo por falta de iniciativa
e de algum capital. Carece-se de empresas cooperativas no concelho. Cada um dos cooperantes
entraria com o dinheiro que tivesse disponível, e tudo somado dava o
suficiente, pois todos sabemos que em nossos dias o dinheiro depositado nos bancos nada dá em juros, em alguns casos paga-se para lá ter o dinheiro! Até alguns melgacenses que residem fora adeririam a esse projeto. Todos
lucrariam, e o concelho voltaria a ter população jovem e ativa. Os transportes
dentro e fora de Melgaço estão uma lástima, segundo consta. A Câmara Municipal
poderia ter aqui um papel importante. Seria possível, quanto a mim, fazer uma
parceria com os taxistas e com a Câmara Municipal de Monção; compravam-se três ou quatro camionetas de 30 a 40
lugares, as quais circulariam entre todas as freguesias dos dois concelhos, e também
entre Melgaço, Monção, e o comboio de Valença. Enfim, há sempre soluções, desde que haja
vontade e dinheiro.
Joaquim A. Rocha
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