POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
peleja entre Inês Negra e a Arrenegada |
FESTA DO ALVARINHO
Há tanta gente a gostar
Da festa do alvarinho,
Presunto pra degustar,
Chouriçada, muito vinho.
Todos de copo ao peito,
Fazem fila pra beber;
Tudo com muito respeito,
Até motor aquecer.
À mesa queijos de cabra,
Curados e meia cura;
Com sabor a serra brava,
E canto de partitura.
Rija luta a boca trava
Pra comer salpicão cru;
É dente que já só crava
Bolinhos de jerimu.
Pataniscas de lampreia
- Meu petisco preferido -
Lembra-me a última ceia,
A partida do ungido.
Quem me dera ter lá estado,
Beber dois copos bem cheios;
Esquecer o meu costado,
Perder todos os receios.
Com música aligeirada,
As bailarinas gordinhas,
Cantigas à desgarrada,
Um palco todo gracinhas.
Não há padres nesta festa,
Já o beberam na missa;
Não há fisga, não há besta (bésta),
Já o beberam na missa;
Não há fisga, não há besta (bésta),
Só há fumeiro na liça.
O alvarinho escorre
Pelas gargantas abaixo…
É vinho que nunca morre
Nos tubos dum contrabaixo.
Que festança meus senhores,
A melhor da nossa aldeia…
Bebam, bebam, bebedores,
Ouvindo a terna sereia.
As senhoras também ajudam
A esvaziar uma pipa…
Como os tempos tanto mudam:
Já o dizia a velha Agripa!
Vem gente de todo o lado:
De Roma e de Paris…
Da batalha do Salado,
Da corte de Dom Diniz.
Vem malta de todo o mundo,
Cheia de fome e cansaço…
Com cara de rato Edmundo,
Matar a sede em Melgaço.
Vêm da pequena Suíça,
Da França e Luxemburgo;
Em busca da tal linguiça,
Da melhor que há no burgo.
Consomem-se dez mil litros,
Há quem diga, muito mais;
Desprezam-se pirolitos,
E as águas minerais.
Come-se, bebe-se à rica,
Baila-se, canta-se, enfim…
Por divertir ninguém fica:
Marta, Carlos, Serafim…
Eu a beber litros d’água!
Mas que injustiça, Carmelo…
Nada apaga esta mágoa,
Esta sede de camelo.
Vou a Castro num instante,
Comprar um presunto belo;
Pão de centeio, espumante,
As mourinhas do castelo.
Vou contar-lhes a estória,
Estória d’encantar;
Que me restou na memória
Depois do sonho findar.
A lenda da negra Inês,
Portuguesa de nação;
Pastora de muita rês,
Mulher de bom coração.
Dom João veio a Melgaço
Pra reaver o castelo,
Mas o castelhano, d’aço,
Mostrou-lhe longo cutelo.
A luta foi longa e dura,
Parecia nunca ter fim;
Já pesava a armadura,
O futuro era ruim.
Inês, jovem e mui bela,
Filha amada do deus Marte,
Disse: «pra vencer Castela
É
preciso manha e arte.»
Propôs ao rei uma luta,
Entre Inês e a de dentro;
S’ela perdesse a disputa
Partiriam com o vento.
Entre murros, pontapés,
Os cabelos arrancados,
Altos e baixos, marés,
Tecidos todos rasgados.
Quase por puro milagre,
Inês levanta o seu braço,
E numa voz de vinagre,
Grita: Melgaço, Melgaço!
E assim termina a lenda,
Daquela que vence o mal.
Dom João levanta a tenda…
Aqui nasce Portugal.
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