Há
livros cuja leitura nos deixa indiferente, às vezes até um pouco irritados por
termos perdido algum do nosso tempo com eles. O livro «Salto – História e
Tradições» prende a nossa atenção desde a primeira à última página, sobretudo
pela variedade de temas que ele contém. É uma pequena enciclopédia, ou roteiro,
dessa freguesia do concelho de Montalegre, com uma área total de 78,6 km2 (2001), e uma população residente de 1867 pessoas (2001), tendo como orago a Senhora do Pranto. É
óbvio que agora (2018) já não
terá tanta gente. Depois do encerramento das minas da Borralha os mais novos, e
não só, deslocaram-se para as cidades portuguesas ou emigraram. A criação de
gado: bovino, porcino (ou suíno)
caprino e merino (ou ovino), além
de aves de capoeira, a caça, etc., permitia ao habitante da freguesia e vila de
Salto viver desafogadamente. No entanto, o volfrâmio foi rei e senhor durante
vários anos, sobretudo quando era vendido a alemães e ingleses. Alguns naturais
de Salto aproveitaram esse negócio para engordarem as suas contas bancárias.
Com o fim da segunda guerra mundial (1939-1945) a
produção baixou, os estrangeiros desinteressaram-se das minas e o negócio
acabou. Era necessário agora cuidar dos gados, dos rebanhos, da vida agrícola.
Contudo, adquiriram-se novos hábitos, muitas famílias mandaram estudar os
filhos para a cidade, e eles próprios, devido à idade e a outros fatores,
desistiram da agricultura. Nada é eterno, por isso, o fim de um ciclo dá origem
a um ciclo novo. Os naturais de Salto compreenderam bem a nova situação. A
partir desse momento quem se dedicar ao cultivo da terra não o fará como
outrora: comprar-se-ão máquinas, alfaias agrícolas modernas, mais rápidas e
eficazes do que a força do homem e do animal. Adquirir-se-ão técnicas mais
condicentes com os novos tempos, o agricultor deixará doravante de ser escravo
da terra, a tecnologia fará o seu trabalho com mais rapidez e mais perfeição.
Claro que tudo isto é verdade, mas também alberga em si contradições e perigos.
A designação de agricultor, lavrador, camponês, já não se adequa aos novos
tempos. Agora fala-se de empresário. No mundo rural já há empresas,
contabilidade, computadores, etc. As comunicações fazem-se de maneira idêntica
às da cidade – é o telemóvel, o telefone, o e-mail, etc.; o mundo rural já não
é um mundo fechado, onde se nascia e morria quase sem conhecer o meio urbano, em
alguns casos sem sequer entrar num automóvel. Hoje existem casas na vila rural,
na aldeia, como se estivéssemos a vê-las na cidade, excluindo, é claro, esses
prédios de vários andares. Fazem-se estradas, dá-se número à habitação, etc. Há
freguesias que parecem cidades em ponto pequeno.
O
autor do livro, Júlio Fernandes Vaz de Barros, natural da freguesia de Salto,
brindou-nos com esta excelente obra, na qual nos explica, de uma maneira
simples e agradável, a geografia, os monumentos, as lendas, as chegas de bois (luta
entre dois machos possantes), o
jogo do pau, os homens que se destacaram, sobretudo D. Nuno Álvares Pereira
(1360-1431), por ter casado em 1376, com apenas dezasseis anos de idade, com D.
Leonor de Alvim, mais velha do que ele cerca de quatro anos, viúva, sem filhos,
natural de Reboreda, Salto; a história das referidas minas de volfrâmio, e além
disso faz um apelo aos seus conterrâneos para não desistirem de cultivar a
terra, pois é ela que fornece os alimentos (biológicos) ao ser
humano e aos outros seres vivos da natureza. O bom presunto de Montalegre, o
fumeiro, não nasce espontaneamente, é necessário criar os porcos, engorda-los,
a fim de se aproveitar a sua carne. A caça era também uma das riquezas de
Salto; os baldios, agora transformados em pinhais, para o fogo os devorar,
forneciam pasto para os animais.
A
poesia, da autoria de Júlio Barros, tem um lugar de destaque no livro. Com
palavras simples, do nosso dia-a-dia, numa linguagem límpida, ele consegue
versos maravilhosos. Estes poemas são verdadeiros hinos ao seu torrão natal,
homenagens sinceras à terra que o viu nascer. Salto é a musa que o inspira, a
dama que adora sem quaisquer reservas nem preconceitos. Na prosa, as suas
frases são curtas, sem rendilhados, só nelas cabem as palavras necessárias,
úteis; na poesia alarga-se mais, dá mais liberdade à palavra, é pássaro a voar
depois de ter fugido da gaiola, embora a sinceridade esteja patente nos dois
registos. Evita propositadamente as frases complexas e misteriosas, ideias que
apenas vagueiam nos labirintos mal iluminados de cérebros algo confusos.
Cultiva a simplicidade, a harmonia, caminha por terrenos planos e seguros, dando
ao texto uma leveza e transparência inigualáveis. Pode servir de exemplo a
seguinte estrofe (página 185):
«Esta grande freguesia
Terra de Santa Maria
Airosa e cheia de graça
De teus filhos adorada
Foste sempre a minha amada
Encantas quem por cá passa.»
Joaquim
A. Rocha
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