quinta-feira, 30 de agosto de 2018


A GERINGONÇA

(I)

 

Lembra-me a torre de Pisa

Inclinada, a vergar;

O bacalhau à Narcisa,

Servido no alto mar.

 

Não ganhou as eleições,

O nauta que deu à costa;

Tinha lama nos calções,

E na cara uma lagosta.

 

Ninguém nele apostava,

Nem os companheiros do jogo;

Mas o homem acreditava

Que o canhão fazia fogo.

 

Disparou contra a direita,

A esquerda aplaudiu;

A margem era estreita,

Mesmo assim não desistiu.

 

Pôs-se à frente do partido,

À cabeça do governo;

Ficou forte, destemido,

Enfrentou céu e inferno.

 

Chamaram-lhe geringonça

À coisa que ele formou;

Pesa menos do que a onça,

Mas nem o vento a levou.

 

Passou um ano a tremer,

Cai não cai, mas não caiu;

Apesar dela gemer,

A coitada resistiu.

 

Vai passar mais um anito,

Vinte, até um centénio;

Este luso é um grito,

É português, é um génio.

 

É um verdadeiro artista,

Aplaudido de pé;

Inspirou já um fadista,

De seu nome Chama Né.

 

Ele ama a coisa pública,

Faz tudo prà melhorar;

Quer ser chefe da república,

Todos nele vão votar.

 

Ele engonça, desengonça,

Anda prà frente e pra trás;

E assim vai geringonça

Nas mãos deste capataz.

 

Um dia dá ao artelho,

Foge prò médio oriente;

Leva com ele o coelho,

A geringonça da gente.

 

 

Deixa este povo a chorar,

Perdidinho de saudades;

O país vai soçobrar,

Estilhaços pelo ar

Já se veem pelas herdades.

 

Talvez Dom Sebastião,

Volte do seu cativeiro;

Traga de novo a ilusão

A este povo fagueiro.

 

Corra com os candongueiros,

Turistas de meia tigela;

Com vinte ou trinta dinheiros,

Comem-nos como gazela.

 

Devolva as casas aos velhos

Que moravam em mil bairros;

Pobrezinhos, quais fedelhos,

Cobertos de grossos sairros.

 
 
*

 

GERINGONÇA

(II)
 

 

Geringonça fez dois anos,

Fez dois anos geringonça;

Os benefícios e danos

Já pesam mais do que a onça.

 

São já vinte e quatro meses

À espera de milagres,

Mil discursos, entremezes,

De Melgaço até Sagres.

 

Caiu dinheiro do céu,

Melhoraram as pensões,

Ao Afonso e ao Abreu

Aumentaram dez tostões!

 

O ordenado cresceu

Tal como a erva daninha,

Aventuras de Teseu,

A fortuna da tainha.


 

À sombra do orçamento

Viu-se o “mínimo” trepar;

Mas não chegou ao seis cento,

O patrão vai adorar.

 

À sede vamos morrer

Neste Portugal hodierno;

Não há água pra beber,

Isto parece o inferno!

 

Só vejo gente a chorar,

Pedir chuvinha ao céu;

Só nos resta implorar:

«Venha a nós o escarcéu

 

Não há vento não há chuva

Só calor e mais calor;

Seca azeitona, a uva,

As nozes mirram de dor.

 

A castanha não cresceu

Diz-se, por causa da água;

A água-pé esmoreceu,

Cheia de tristeza e mágoa.

 

Incêndios na floresta

Crescem cem todos os anos;

Para uns é uma festa,

Para outros são mil danos.

 

A culpa morre solteira,

Foi fulano ou sicrano;

Parece mais brincadeira

Do maganão zé beltrano.

 

Acusa-se a natureza,

Acusam incendiários;

Não se sabe com certeza,

Devem ser os mercenários.

 

A polícia judiciária

Vai prendendo os suspeitos,

Mas a canalha alimária

Para tudo tem seus jeitos.

 

A culpa é de São Pedro

Que nos fechou a torneira;

Foi iludido por Fedro

Num dia de borracheira.

 

Vamos esperar outro ano,

Esquecer este verão,

Pedir ao bom deus Vulcano

Que não queime o lusitano,

Leve o fogo prò vulcão.

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