MELGAÇO E AS INVASÕOES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
// continuação...
Administrando
justiça de terra em terra, D. Sancho I, logo no princípio do seu reinado, aqui
chegou certo dia para se entreter com os frades de Fiães. As testemunhas
ouvidas nesta Vila pelos inquiridores de Afonso III, em 1258, dizendo-lhes a
verdade sabida para apurarem os bens da coroa abusivamente extorquidos à
matéria tributável pelos nobres, disso guardaram memória e os documentos
conservados, em cópia, no Cartulário de Fiães não destroem, não ilidem e antes
confirmam o facto. Se bem os interpreto, a sua síntese é esta: D. Afonso
Henriques doou aos frades de Fiães o Reguengo da Senhora da Orada em 1173,
sendo tenente da terra de Valadares D. Suerio Airas. // Este era um militar
destemido e um homem de soberbia e truculento. Um dia, apoderou-se da vila de
Figueiredo, na terra de Valadares, em São Miguel de Messegães, espoliando-a aos
frades galegos de Celanova. Conservada muito tempo em seu poder, a granja
acabou por diluir-se, aniquilar-se como unidade patrimonial privada e entrou no
património da Coroa como reguengo d’el-rei. Outra vez, possivelmente nos fins
do reinado daquele monarca, prendeu, agarrou um homem mesmo no mosteiro de
Fiães, e enforcou-o! O desaparecimento desta vila arredondou os seus haveres,
porque lhe permitiu apropriar-se daquele reguengo da Orada. Ora em certa
ocasião, antes de 1189, veio cá D. Sancho I e ao ter conhecimento dos factos
não repôs as coisas no seu lugar; antes as complicou, tirando aos frades e
dando aos habitantes de Melgaço esta herdade e, havendo a granja de Figueiredo
por sua, doou-a ao convento de Fiães. Posteriormente, por causa destas doações,
o mosteiro de Fiães e os burgueses de Melgaço envolveram-se em questões e no
tribunal pleitearam também Fiães e Celanova. Reivindicaram os fenalenses a vila
da Senhora da Orada e vários outros prédios e negaram-lhos os habitantes de
Melgaço. Quanto tempo assim andaram não se sabe, mas trinta anos depois,
reinando já em Portugal Afonso II, fizeram uma transacção em Ourense reduzida a
escrito na era de M.CC.L.VIII. IIII kalendas marcii.
As questões entre o convento de Fiães e o
de Celanova só mais tarde foram solucionadas e da maneira como se lê a folhas 102.º
do Livro
das Datas. E de um silhar se desprendem memórias do exilado de Toledo
e de seu irmão. Os documentos falam disso e até o nosso foral manuelino
ligeiramente a este alude. Mas, Alexandre Herculano, na “História de Portugal”,
embora não deixe entrever a parcialidade de Melgaço a favor de Sancho nas lutas
intestinas do país, sintetiza este período assim: [Melgaço oferece-nos a este respeito um exemplo curioso. São
aí claros os indícios de que, apesar de ser uma povoação assaz importante para
se organizar em 1258 pelo tipo de Salamanca, dando-se-lhe o foral de Monção,
que pertencia a esta fórmula, nem por isso deixara de continuar a ser um grémio
imperfeito composto inteiramente de tributários ou peões, como vimos que era na
sua origem. Numa época anterior os vilãos de Melgaço tinham obtido de Sancho II
o reduzir-lhes os direitos reais a uma renda certa, transferindo-se, além
disso, para eles a apresentação do alcaide. Ainda em 1256 Afonso III confirmava
esse contrato, e lhes dizia: «Mandai-me imediatamente um cavaleiro português que me faça
menagem do castelo de Melgaço, tal que possa ter e defender o dito castelo e
fazer dele direito»; ou porque os vilãos não houvessem cumprido a ordem de
el-rei, ou porque abandonassem essa prerrogativa a troco de outras vantagens,
dois anos depois, quando recebem o foral de Salamanca aparece inserida neste
uma nova condição acerca do alcaide: «Devo eu nomear o alcaide que me faça
menagem do castelo, e o dito alcaide deve guardá-lo sem vos fazer mal ou força
e nada terá que ver convosco em vossa Vila, nem no vosso concelho, senão
naquilo a que espontaneamente o chamardes.»]
Ninguém conhece o paradeiro da carta
escrita pelos juízes e concílio de Melgaço a Sancho I, nem o da resposta do
rei, mas a opinião de Herculano assenta no foral por ele citado e neste pequeno
documento de 1256, da Chancelaria de D. Afonso III:
«Confirmatio – Carte de Melgazo
Alphonsus dei gracia Rex Portugalie et
Comes Bolonie vobis judicibus et Concilio de Melgazo salutem. Vidi vestram
cartam quam vobis dedit boné memorie Rex domnus Sancius suo sigillo sigillatam
frater meus in qua carta continetur quod daretis sibi annuatim mille solidos legionensespro
rendis quas habebet in ipsa villa de Melgazo et quod daretis sibi unum militem
qui faceret menagium sibi de ipso castello de Melgazo. Et ego concedo vobis et
confirmo ipsam carta supra dictam quam vobis dedit Rex domnius Sancius frater
meus. Et mando vobis que tam cito mereatis mihi militem qui faciant mihi
menagium de ipso castelo de Melgazo et ipse miles sit meus natural et sit talis
qui possit ipsum castellum tenere et defendere et facere de illo directum. Unde
aliud non faciatis. Data in Colimbria Rege mandante per Petrus martini
petarinum viiii die Maij. Johannes Suerij fecit. Era M.CC.LX.iiij.»
// continua...
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