DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
cartas de um castrejo
24.ª - «Senhor Redactor: as nossas previsões, que não passaram além
de nós e do nosso quartinho de trabalho, vão-se realizando. O comportamento
incrível, de há muito, dos soldados da Guarda-Fiscal, fere a nossa dignidade de
povo trabalhador, pacífico e livre, e revolta-nos pelo seu atrevimento, pelos
actos mais condenáveis e que as autoridades competentes indubitavelmente condenarão,
pois já tais actos estão sob a sua alçada. Enquanto a nossa consciência de
castrejo puro, e de amante da terra que lhe foi berço, protesta com a veemência
mais alçapremada, contra o ignóbil atentado feito à dignidade incontestável e
incontestada de um venerável ancião, de um indefeso, de um bom, por fim, -
atentado praticado por um soldado ou soldados da referida corporação.
Revolta-nos, indigna-nos, esta violência; e este povo teve mais uma vez a
consciência dos seus deveres, não linchando o atrevido. Um guarda-fiscal é um
soldado da República e um cidadão, que deve estar convicto dos seus deveres
cívicos. O respeito aos velhos é sagrado, quer sejam mendigos quer ocupem um
lugar de destaque na sociedade, são sempre velhos, são sempre alvo de atenções
dos homens cônscios dos seus deveres. O guarda-fiscal, que esbofeteou um velho
venerando, não deve continuar a usar a farda de uma corporação a todos os
respeitos digna, porque a enxovalha. Eis os nossos brados mal contidos. E se,
como creio, forem urdidas acusações baixas e calúnias forem alevantadas contra
o povo castrejo pelos (…) soldados da Guarda-Fiscal (…) as autoridades
competentes chamem os aposentados que passaram por aqui (…) digam o quanto os
estimávamos e respeitávamos. – Quem se transformaria? Nós ou a Guarda-Fiscal
destacada aqui e nos postos circunvizinhos? Senhor Chefe desta secção e demais
superiores hierárquicos da Guarda-Fiscal até ao Ministro das Finanças: é
indispensável, reclama-o a dignidade de um povo ofendido, na pessoa veneranda e
querida do seu pastor espiritual, que o soldado ultrajador receba um castigo à
altura da sua façanha; e, até, uma casa de correcção o habilite a ser bom
soldado, pois os anais da história que compulsamos só nos indicam inúmeros
actos de heroísmo praticados pelo soldado português, desde Ourique a Naulila –
e é indigna de sê-lo por envergonhar a farda, quem esbofeteia um velho
venerando! // As últimas chuvas prejudicaram extremamente a colheita dos fenos,
recompensando-nos, por outro lado, no bem que fizeram aos batatais, que têm um
aspecto excelente. // Começam as segadas… / Castro Laboreiro,
27/7/1916.»
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