MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
desenho, ou pintura, de Manuel Igrejas |
Atirados,
assim, para o VI ou V século antes de Cristo, não deixam os mesmos de ser
trabalho afadigado de celtas, fundo étnico sempre poupado pelos invasores da
península. Inexplorados porém, a fundo, todos eles, os objectos que nos mesmos
possam ainda estar soterrados, não têm agora ocasião de vir pugnar por uma
maior ou menor antiguidade da Vila de Melgaço e do seu pequeno alfoz nos tempos
proto-históricos. Mas a verdade proto-histórica traduz-se e sobressai mais
nitidamente das referências feitas à etnologia da península ibérica nos trechos
literários mais antigos.
Um ligeiro apanhado de todos eles vem
feito em “Os
Povos Primitivos da Lusitânia”, do Dr. Mendes Correia, professor da
Universidade do Porto. Dele e de outros trabalhos me socorro para dizer que os
trechos posteriores ao século III antes de Cristo dão os celtas como vivendo na
actual Galiza, paredes meias com os Gróvios, separados daqueles pelas águas do
Minho, visto estes estanciarem aquém do rio.
Pompónio Mela, escritor romano do primeiro
século da era cristã, numa passagem muito citada da sua “Corografia”,
afirma viverem ao norte do Douro os Celtici, os Grovii, os Praesamarchi, etc….
Ora os Gróvios, que se espalharam e se fixaram desde o rio Douro até ao rio Ulla,
nos limites das actuais províncias galegas de Ourense e Corunha, eram um ramo
secundário dos celtas e constituído por muitas tribos ou povos. Os que
habitavam as terras melgacenses, e na freguesia de Paços ainda hoje existe,
como sua reminiscência, o lugar da Grova, formaram uma civitas, quero dizer,
eram um povo com organização política autónoma, como explicou a palavra Alberto
Sampaio, constituíam um território-comunidade, como ensina o Dr. Mendes
Correia, quando os romanos o conquistaram cento e trinta e sete anos antes de
Cristo.
Plínio fala também destes povos nortenhos
em “Naturalis
Historia”, mas nomeia somente «praeter ipsos Bracaros, Bibali, Coelerini, Galaeci,
Hequaeci, Limici et querquerni, citra fastidium nominantur.»
Um
bom discípulo de Cícero ou de Horácio, contudo, glosando a passagem, teria
interpolado sem receio de errar e antes de indicar o último: - et Melgaci. // Lendo
a lição do sábio D. Aureliano Fernandes Guerra y Orbe, da Real Académia
Española e da Real Académia de la Historia “Las Diez Ciudades Bracarenses Nombradas em la Inscripcion de
Chaves” – mesmo no resumo feito pelo General Ribeiro de Carvalho
em “Chaves
Antiga”, sobre a localização dos povos mencionados na coluna vial
encontrada naquela cidade portuguesa, ressalta à vista melgacense esta
passagem: «os querquernios…
/ Habitava
este povo as margens do rio Lima, desde San Lorenzo de Cañon (ao sul de Cela
Nova) até à serra do Larouco, e desde Moimenta à Ponte Pedrinha. Os povos com
quem os querquernios confinavam eram aobrigenses ao norte, os limicos ao
oriente, os naebaseos ao sul e os melgaceos ao ocidente.»
Os aobrigenses transformaram-se no povo de
Ourense e os limicos da lagoa da Antela, tão estudados por D. Marcelo Macias,
representa-os Ginzo, hoje a povoação mais importante de toda a sua velha área. Quando,
pois, os romanos conquistaram a península, Melgaço, a ocidente dos querquernios
e bem perto dos aobrigenses, não foi riscado do mapa da antiga Gallaecia e
porque manteve a sua integridade, quando os conquistadores ajustaram a divisão
administrativa das Espanhas, criando a Província Tarraconense, ficou uma das
vinte e quatro civitates ou povos do Convento jurídico de Braga. Simplesmente o
nome deste povo, a palavra Melgaci, não esmalta as páginas do livro de Plínio,
porque, como ele próprio confessou, pareceu-lhe fastidiosa a enumeração total
desses povos.
Ora o chefe dos melgaceos, o celta
Melgacus que os batizou, batizou também este querido torrão natal, porque
escolheu o planalto, onde hoje assenta a Vila, para aí erguer o seu oppidum, que lhe serviu,
ao mesmo tempo, de centro de governo da sua civitas, de defesa e de habitação:
uma fortaleza com duas ou três ordens de muralhas, à semelhança de Briteiros,
Sabroso ou Santa Luzia, com casas redondas ou rectangulares para o chefe e
servos, estábulos para gados, etc.
Os romanos levaram anos a arrancar os
melgaceos para a civilização e se até hoje não apareceram lápides ou outras
memórias a provar terem arrasado ou conservado o oppidum, deles ficou memória
nas villa, propriedades rústicas cuja cultura ensinaram a fazer, disseminadas
por estas redondezas, como Erada, Cavaleiros, Colanes, Prado, Cristóval, com
parte urbana e parte rústica, exploradas directamente quando pequenas e repartidas
em casais e trabalhadas pelos colonos sob as ordens do vilicus, representante
do Senhor, se grandes.
Quando vieram os germanos para a
Península, os suevos acamparam na Gallaecia e tendo massacrado apenas os donos
das vilas estanciaram em Melgaço desde 411 a 585. Absorveram-nos depois os
visigodos que ficaram na região até 712 e como nenhum destes povos destruiu a
organização agrária herdada, nem se desfez dos aborígenes, o nome das vilas
romanas persistiu e um deles foi Melgaço. E como não se importaram também com a
religião dos vencidos na Galiza, que ia do mar Cantábrico até ao rio Douro e em
cujos limites se incluía Melgaço, fundaram-se durante o domínio dos visigodos
muitos conventos: mas, procurando os sítios assinalados no mapa monástico e eclesiástico
da Espanha visigoda, publicado por Fray Justo Peres de Urbel em “Los Monjes Españoles
en la Edad Media” os olhos não encontram nem Fiães, nem
São Paio, nem Paderne; lendo, porém, o livro, no capítulo referente à
restauração em Leão e Castela, encontra as fundações galegas no século VIII e,
a propósito delas, estas palavras: «… el (monasterio) de Sobrado erigido em 952 por los condes
Hermenegildo y Paterna y la abadessa Elvira para albergar una comunidad dúplice…»,
precisamente a memoração das três nobres figuras da Galiza transformadas em
macróbias pelas rivalidades das ordens monásticas à busca de preeminências para
as suas respectivas fundações a fim de as poderem apresentar como fundadoras do
Convento de Paderne, honra de que desde 1934 se encontram apeadas em virtude
dos estudos daquele sábio frade beneditino. // continua...
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