quinta-feira, 20 de outubro de 2016

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
 
Por Augusto César Esteves




desenho, ou pintura, de Manuel Igrejas


     Atirados, assim, para o VI ou V século antes de Cristo, não deixam os mesmos de ser trabalho afadigado de celtas, fundo étnico sempre poupado pelos invasores da península. Inexplorados porém, a fundo, todos eles, os objectos que nos mesmos possam ainda estar soterrados, não têm agora ocasião de vir pugnar por uma maior ou menor antiguidade da Vila de Melgaço e do seu pequeno alfoz nos tempos proto-históricos. Mas a verdade proto-histórica traduz-se e sobressai mais nitidamente das referências feitas à etnologia da península ibérica nos trechos literários mais antigos.

     Um ligeiro apanhado de todos eles vem feito em “Os Povos Primitivos da Lusitânia”, do Dr. Mendes Correia, professor da Universidade do Porto. Dele e de outros trabalhos me socorro para dizer que os trechos posteriores ao século III antes de Cristo dão os celtas como vivendo na actual Galiza, paredes meias com os Gróvios, separados daqueles pelas águas do Minho, visto estes estanciarem aquém do rio.

     Pompónio Mela, escritor romano do primeiro século da era cristã, numa passagem muito citada da sua “Corografia”, afirma viverem ao norte do Douro os Celtici, os Grovii, os Praesamarchi, etc…. Ora os Gróvios, que se espalharam e se fixaram desde o rio Douro até ao rio Ulla, nos limites das actuais províncias galegas de Ourense e Corunha, eram um ramo secundário dos celtas e constituído por muitas tribos ou povos. Os que habitavam as terras melgacenses, e na freguesia de Paços ainda hoje existe, como sua reminiscência, o lugar da Grova, formaram uma civitas, quero dizer, eram um povo com organização política autónoma, como explicou a palavra Alberto Sampaio, constituíam um território-comunidade, como ensina o Dr. Mendes Correia, quando os romanos o conquistaram cento e trinta e sete anos antes de Cristo.

     Plínio fala também destes povos nortenhos em “Naturalis Historia”, mas nomeia somente «praeter ipsos Bracaros, Bibali, Coelerini, Galaeci, Hequaeci, Limici et querquerni, citra fastidium nominantur                

     Um bom discípulo de Cícero ou de Horácio, contudo, glosando a passagem, teria interpolado sem receio de errar e antes de indicar o último: - et Melgaci. // Lendo a lição do sábio D. Aureliano Fernandes Guerra y Orbe, da Real Académia Española e da Real Académia de la Historia “Las Diez Ciudades Bracarenses Nombradas em la Inscripcion de Chaves” – mesmo no resumo feito pelo General Ribeiro de Carvalho em “Chaves Antiga”, sobre a localização dos povos mencionados na coluna vial encontrada naquela cidade portuguesa, ressalta à vista melgacense esta passagem: «os querquernios… / Habitava este povo as margens do rio Lima, desde San Lorenzo de Cañon (ao sul de Cela Nova) até à serra do Larouco, e desde Moimenta à Ponte Pedrinha. Os povos com quem os querquernios confinavam eram aobrigenses ao norte, os limicos ao oriente, os naebaseos ao sul e os melgaceos ao ocidente

     Os aobrigenses transformaram-se no povo de Ourense e os limicos da lagoa da Antela, tão estudados por D. Marcelo Macias, representa-os Ginzo, hoje a povoação mais importante de toda a sua velha área. Quando, pois, os romanos conquistaram a península, Melgaço, a ocidente dos querquernios e bem perto dos aobrigenses, não foi riscado do mapa da antiga Gallaecia e porque manteve a sua integridade, quando os conquistadores ajustaram a divisão administrativa das Espanhas, criando a Província Tarraconense, ficou uma das vinte e quatro civitates ou povos do Convento jurídico de Braga. Simplesmente o nome deste povo, a palavra Melgaci, não esmalta as páginas do livro de Plínio, porque, como ele próprio confessou, pareceu-lhe fastidiosa a enumeração total desses povos.

     Ora o chefe dos melgaceos, o celta Melgacus que os batizou, batizou também este querido torrão natal, porque escolheu o planalto, onde hoje assenta a Vila, para aí erguer o seu oppidum, que lhe serviu, ao mesmo tempo, de centro de governo da sua civitas, de defesa e de habitação: uma fortaleza com duas ou três ordens de muralhas, à semelhança de Briteiros, Sabroso ou Santa Luzia, com casas redondas ou rectangulares para o chefe e servos, estábulos para gados, etc.

     Os romanos levaram anos a arrancar os melgaceos para a civilização e se até hoje não apareceram lápides ou outras memórias a provar terem arrasado ou conservado o oppidum, deles ficou memória nas villa, propriedades rústicas cuja cultura ensinaram a fazer, disseminadas por estas redondezas, como Erada, Cavaleiros, Colanes, Prado, Cristóval, com parte urbana e parte rústica, exploradas directamente quando pequenas e repartidas em casais e trabalhadas pelos colonos sob as ordens do vilicus, representante do Senhor, se grandes.

     Quando vieram os germanos para a Península, os suevos acamparam na Gallaecia e tendo massacrado apenas os donos das vilas estanciaram em Melgaço desde 411 a 585. Absorveram-nos depois os visigodos que ficaram na região até 712 e como nenhum destes povos destruiu a organização agrária herdada, nem se desfez dos aborígenes, o nome das vilas romanas persistiu e um deles foi Melgaço. E como não se importaram também com a religião dos vencidos na Galiza, que ia do mar Cantábrico até ao rio Douro e em cujos limites se incluía Melgaço, fundaram-se durante o domínio dos visigodos muitos conventos: mas, procurando os sítios assinalados no mapa monástico e eclesiástico da Espanha visigoda, publicado por Fray Justo Peres de Urbel em “Los Monjes Españoles en la Edad Media” os olhos não encontram nem Fiães, nem São Paio, nem Paderne; lendo, porém, o livro, no capítulo referente à restauração em Leão e Castela, encontra as fundações galegas no século VIII e, a propósito delas, estas palavras: «… el (monasterio) de Sobrado erigido em 952 por los condes Hermenegildo y Paterna y la abadessa Elvira para albergar una comunidad dúplice…», precisamente a memoração das três nobres figuras da Galiza transformadas em macróbias pelas rivalidades das ordens monásticas à busca de preeminências para as suas respectivas fundações a fim de as poderem apresentar como fundadoras do Convento de Paderne, honra de que desde 1934 se encontram apeadas em virtude dos estudos daquele sábio frade beneditino. // continua...

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