ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
FESTA DA CULTURA 1994
Este ano
correu-se o risco de não haver festa. As chuvas apareceram inesperadamente no
dia 8, segunda-feira, e só resolveram abandonar o concelho de Melgaço no dia
anterior ao início da mesma, ou seja, no dia 11. As temperaturas, ao contrário
do que é habitual em anos anteriores, baixaram até aos dez graus! As
manifestações festivas duraram quatro dias: 12 a 15 de Agosto. No primeiro dia,
logo pelas nove horas da manhã, apareceram os gaiteiros de Parada do Monte;
percorreram as ruas da vila, alegrando e contangiando com a sua música
caraterística toda a gente. Às dez horas procedeu-se à abertura das exposições
no edifício dos Paços do Concelho e Largo Hermenegildo Solheiro. O que mais
chamava a atenção era a obra artística de Óscar Marinho, miniaturas em latão e
bronze de vários monumentos de Melgaço: igreja da Misericórdia, igreja matriz,
antiga praça do peixe, etc. O nosso conterrâneo atingiu uma perfeição quase
inultrapassável, só visto!
O jovem Carlos de
Oliveira vêm-nos surpreendendo, ano após ano, com a sua pintura sobre cerâmica.
Os temas são diversos, mas privilegia sobretudo a mitologia e a vegetação. A
matéria-prima utilizada é a goma-laca, fio de linho, apliques de madeira,
pimentos naturais, etc. Os objetos: vasos, cântaros, jarras, bilhas, ânforas,
etc., depois de acabados são verdadeiras maravilhas. A seu lado, expuseram as
irmãs «De Lima’s»; os seus trabalhos artísticos sobre vidro impressionam pela
sua fragilidade e beleza.
Uma exposição de arte-sacra, suponho que
da responsabilidade de Eunice Afonso, com a colaboração da Santa Casa da
Misericórdia de Melgaço, brilhava pela sua singeleza e recatamento. Num
folheto, que se encontrava dentro dum cacifo ali perto, podia ler-se: «Encontram-se (as peças) num estado de conservação muito aceitável, o
que permitirá às gerações futuras admirá-las como as admiramos nós durante
estes dias.»
O que eu mais
gostei de ver foi a velha matraca da Misericórdia; quando era rapaz, juntamente
com outros moços, percorria com ela as ruas, matraqueando sem cessar. Isto
acontecia nos três últimos dias da Semana Santa. Apesar de pesada para a nossa
idade, lá íamos aguentando!
A Palestra
Cultural, no salão da Biblioteca Municipal, estava prevista para as dez horas e
trinta minutos mas só começou por volta das onze horas. A primeira pessoa a falar
foi a Dr.ª Alexandra Lima. Dissertou sobre as verandas e inverneiras em Castro
Laboreiro. Trata-se de um assunto já bastante estudado, mas que não cansa,
embora a oradora se sinta mais à vontade a investigar do que a discursar. Em
segundo lugar ouviu-se o Dr. António Batista. Escolheu o tema «Arqueologia no
Planalto de Castro Laboreiro – Uma Arqueologia da Paisagem». Tem o dom da
palavra, este senhor! Elucidou-nos sobre todos os achados arqueológicos e a sua
importância no panorama nacional e ibérico; mostrou slides, explicou,
convenceu. Falou-nos de arte rupestre, figuras megalíticas, de um futuro museu.
Ficamos todos mais ricos culturalmente depois de escutá-lo. A seguir foi a vez
do padre Aníbal Rodrigues: mimoseou o auditório com uma belíssima lição –
narrou-nos a história do castelo de Castro Laboreiro, a sua fundação por São
Rosendo, a fim do povo se poder defender dos mulçulmanos; a tomada do castelo
por Afonso Henriques e um punhado de homens em 1141; as suas diversas reedificações
ao longo do tempo; a sua destruição prematura no século XVII devido a uma
faísca que caiu no paiol da pólvora. Segundo o orador, ainda em 1640 esse
castelo teve um papel importante, ajudando o país a ver-se livre da dinastia
filipina. Por último, de forma simples mas erudita, discursou o Dr. Alberto de
Abreu, versando o tema «Melgaço na Idade
Média – a importância das feiras medievais no contexto sócio-económico da época.»
A feira de Melgaço é das mais antigas do país, pois já no tempo do nosso
primeiro rei Melgaço era um burgo, isto é, uma povoação importante, na qual se
movimentavam muitos mercadores de fora do concelho. Aí se vendia toda a espécie
de produtos: gado, tecidos, alfaias agrícolas, etc.
Quando Portugal
surge como nação, já a idade média levava uns bons seiscentos anos de vida,
contudo ainda iria durar mais quatro séculos! Melgaço nesse período cresceu,
decaiu e voltou a crescer. Depois veio o Brasil, a África, a Ásia, e a nossa
terra mergulhou na obscuridade. Até aos nossos dias tem dormido o seu sono
letárgico, do qual parece querer finalmente acordar!
Esta festa anual
tem como principal objetivo dar a conhecer ao país a nossa cultura; quem somos,
como somos; dar também a conhecer a nossa história. Desejamos que toda a nação
nos respeite, nos reconheça, que nos admire, se possível. Para que isso
aconteça é forçoso que os melgacenses, sem exceção, se empenhem mais, se
comprometam com a sua terra natal. Observei, nas minhas andanças pelo concelho,
que muitos conterrâneos estão de costas voltadas para Melgaço! Num território
com tão pouca gente é muito mau que assim seja.
Após a palestra
seguiu-se a entrega dos prémios dos VI Jogos Florais. Foram quatro as
modalidades a concurso: desenho, poesia, fotografia e prosa. À modalidade de
desenho concorreram crianças até aos treze anos de idade. As escolas do ensino
básico orientaram a participação. Este ano ganharam as escolas de Paderne e de
Chaviães (primeiros prémios); Chaviães e Paderne (segundos prémios); e Vila
(terceiros prémios). Em poesia houve três vencedores: Raul Coentro (1.º
prémio), José Domingos (2.º prémio), e Joaquim A. Rocha (3.º prémio). Todos os
concorrentes vivem fora de Melgaço! Quanto à fotografia o júri atribuiu três
prémios e duas menções honrosas, por esta ordem: Isaura Abreu, Celeste
Barreiros, João Pinto, Vítor Abreu, e Elisa Igrejas. Na modalidade de texto
(prosa) não foi atribuído o 1.º prémio «… por
falta de qualidade dos trabalhos apresentados», segundo nos informou o
júri. O 2.º prémio contemplou M.ª Julieta Silva, e o 3.º prémio foi atribuído a
Francisco Martins. Ambos residem fora do concelho!
Não pondo em
causa a idoneidade do júri (três professores do ensino básico e um do ensino
secundário) quero apenas dizer que a escolha é exclusivamente sua, pois nós limitamo-nos
a ler os textos vencedores. Por outro lado, com prémios tão pequenos (o 1.º é
de trinta e cinco contos de réis) não se pode esperar que surjam Eças ou
Camilos. Esse dinheiro não paga as horas que se gastam na investigação, na
máquina de escrever, nem o papel que se consome. Dir-me-ão que quem corre por
gosto não cansa. Isso é verdade, mas é bom não abusar da generosidade de quem
concorre. Podiam ter sido mais diplomáticos, mais elegantes. Que lhes custava
ter dito e escrito: «os trabalhos apresentados
a concurso não corresponderam ao exigido, assim não foi possível atribuir o 1.º
prémio».
Quero novamente
apelar aos residentes que participem, que lutem pelos primeiros lugares. Leiam
a história de Melgaço: Fernão Lopes, Alexandre Herculano, Augusto César
Esteves, padre Bernardo Pintor, padre Júlio Vaz, padre Aníbal Rodrigues, Prof. Dr.
José Marques, etc., e os jornais da terra. Leiam e escrevam poemas. Excetuando
o livro do poeta popular Augusto Igrejas, nada se publicou até hoje em poesia! Aos
mais jovens peço-lhes que deixem de frequentar tão assiduamente as discotecas,
onde desperdiçam tempo, dinheiro e saúde, e dediquem parte do seu ócio às
musas.
Vem-se
verificando ao longo dos anos que os premiados não residentes não aparecem em
Melgaço para levantar os prémios. Talvez fosse melhor acrescentar ao
regulamento do concurso uma alínea nestes termos: a) Os prémios não levantados no ato da sua entrega reverterão a favor dos
Bombeiros Voluntários de Melgaço. Desse modo, evitar-se-ia o espetáculo
degradante deste ano: dos cinco premiados em prosa e poesia só apareceu um – eu
próprio!
Aqueles que
escrevem não são, não devem ser, mercenários. Escrever é uma arte e esta não
tem fins lucrativos. Os prémios são apenas estímulos, não pagamento. Por isso,
eu acho que os vencedores deverão estar presentes, fazem parte da cerimónia.
A terminar, os
organizadores brindaram-nos com um belo filme sobre Castro Laboreiro. Eu fiquei
deslumbrado. Quem pode resistir a tantos encantos? Que pena a cassete não estar
à venda!
Ainda no dia
treze, às dezasseis horas, procedeu-se ao XII concurso de vinho alvarinho. O
senhor presidente da Câmara, não sei por que razão, não pôde estar presente. A
sala de cinema de Miguel Pereira não encheu, devido talvez ao pouco interesse
que este tipo de concurso desperta nas pessoas não ligadas à vinicultura. Eu
fui lá pela primeira vez e confesso: não gostei. Três especialistas: enólogos e
escanções, dois da Direção Regional da Agricultura de Entre Douro e Minho e um
da Associação dos Produtores de Alvarinho, provaram o néctar. Muito mais tarde,
anunciaram os três vencedores, entre nove concorrentes. Foram eles: 1.º Prémio
– Carlos Codesso (Paderne). 2.º Prémio – Alberto Esteves (Prado e Paderne). 3.º
Prémio – Carrolo (Penso). Terminada a entrega das taças, o presidente do júri,
engenheiro da DRAEDM, dissertou sobre a qualidade dos vinhos apresentados a
concurso, fustigando severamente todos aqueles que estão a prejudicar o bom
nome desta deliciosa bebida. Disse que havia uma grande diferença de qualidade
intrínseca entre os primeiros e os últimos; que produzir alvarinho exige
conhecimentos e sensibilidade; se Melgaço quer rivalizar com Monção terá de
fazer ainda melhor. Lembrou também que o nosso concelho pode e deve produzir
bons vinhos, sobretudo tintos, pois temos bons locais para esse efeito. Quanto
a mim, só a Adega Cooperativa, quando ela estiver a laborar, poderá concretizar
estas sugestões.
À noite, depois
das vinte e uma horas e trinta minutos, houve música – muita e sofrível. A
Escola de Música Lá, Mi, Ré (Monção e Arcos de Valdevez), por cortesia,
ofereceu-nos a Marcha de Melgaço, com letra de Libório Rodrigues Branco e
música de António Branco Pedreira: «Com
sua graça singela/Cheia de encanto e beleza/Melgaço, terra tão bela,/É jóia bem
portuguesa.» Tem mais três quadras e o refrão.
No sábado, treze
de Agosto, a festa começou com provas desportivas. Como me deitei tarde, não
pude a elas assistir, daí nada poder escrever sobre as mesmas. De tarde atuou a
Escola de Música dos Bombeiros Voluntários de Melgaço e realizou-se um encontro
de futebol, tendo o Sport Club Melgacense perdido por 1-2. Segundo a opinião
dos entendidos, a nossa equipa não mereceu a derrota. A noite foi preenchida
outra vez com música: Banda Plástica de Barcelos e Conjunto de Música Ligeira
«Alegretto», de Braga. Foi agradável ouvi-los. O Largo Hermenegildo Solheiro
começa a ser pequeno para estas manifestações. E para agravar a situação, o
número de pavilhões aumentou e ali ao lado está agora o quartel dos bombeiros!
Domingo, dia 14,
trouxe-nos a ideia mais bonita da festa: a feira medieval, na zona histórica.
Desde a igreja matriz até às portas da vila, ao longo da rua Direita, dezoito
pequenos pavilhões mostravam aos olhares surpreendidos e ávidos de novidades,
os seus produtos e a maneira como confecioná-los. Os feirantes vestiram trajes
medievais e figurantes (nobres, religiosos e plebeus) passeavam pelo centro do
burgo, uns a cavalo, outros a pé, cumprimentando cerimoniosamente. Até se fez
um casamento (a fingir) e um julgamento (também a fingir). No pavilhão n.º 8
(boticário), encontrava-se o «Tio Gú», chamando a atenção do público para a
excelência da sua mercadoria; no pavilhão XIV estava seu filho Adolfo
«fabricando» os produtos que seu pai vendia. Havia mel puro à venda, tecia-se e
trabalhava-se o linho; bebiam-se uns copos na taberna (por não ter esplanada não
lhe podiam cassar a licença), e belas peças saíam das mãos do oleiro; havia
também o carpinteiro, o ferreiro, o cambista/penhorista, o latoeiro. Enfim,
quase todas as profissões medievais ali estavam representadas. A organização
foi da responsabilidade da Câmara Municipal e da Escola Profissional do Alto
Minho Interior – pólo de Melgaço. Estão ambas de parabéns. A ideia não deve
morrer; pelo contrário, deverá ser desenvolvida. A Idade Média é fonte
inesgotável de recursos lúdicos e históricos. Poder-se-á simular a tomada do
castelo por D. João I, a luta entre Inês Negra e a Arrenegada, etc. Uma pequena
peça de teatro sobre um tema medieval poderá surgir entretanto – quem sabe? Que
o espírito de Gil Vicente inspire os nossos criadores, são os meus votos.
De tarde houve um
verdadeiro festival de ranchos folclóricos, portugueses e estrangeiros. Dizer
que este ou aquele é melhor do que os outros será cometer uma grande injustiça;
todos eles fizeram o possível por agradar e conseguiram-no. Penso que os
apreciadores deste tipo de música e dança não ficaram defraudados. Já pela
noite dentro tocou o grupo de música popular «Ná Lua», de Espanha, e a seguir o
conjunto melgacense «Contacto». Este último tem valor mas, quanto a mim, não
sabe tirar partido disso. Atuando num espaço tão reduzido (Largo Hermenegildo
Solheiro), não tinham necessidade de pôr o som tão alto, afugentando muita
gente. Por outro lado, com artistas de categoria, quer instrumentistas quer vocalistas,
só executam peças de outros, ou seja, não têm (pelo menos que eu saiba)
produção própria. Acho que deviam ser ambiciosos, ir mais longe – era bom para
o conjunto e para a terra melgacense.
O último dia da
festa, segunda-feira, teve um programa dividido em duas partes: de tarde,
futebol junior; à noite, música com o conjunto «Sétima Legião», no mercado
municipal. A música deste grupo português é original, bonita, embora não seja a
minha preferida. Tal como todos os conjuntos modernos apoiam-se muito nas novas
tecnologias, utilizando sem quaisquer peias os chamados «efeitos especiais». Um palco adequado e um espaço amplo ajudaram
bastante. Dizia-me um amigo: - «se
Melgaço tivesse todos os dias tanta gente era uma autêntica cidade».
Infelizmente não tem, nem terá tão cedo.
Os custos da
festa devem ter sido elevados – só a «Sétima Legião» recebeu, a crer na voz do
povo, mil e setecentos contos de réis! Mas sem dinheiro nada se consegue. A
Expo-98 vai custar quantos milhões de contos de réis?! E vai deixar de se
fazer? Não!
Este ano
eliminou-se o cortejo etnográfico, já muito visto. Se aparecer de três em três
anos, com algumas inovações, tudo bem. Tive pena que o escultor Acácio Dias não
expusesse as suas obras – oxalá que em 1995 não falte.
Parece que este
ano não existiram problemas com a alimentação. Há pouco tempo abriu as suas
portas o belíssimo «Restaurante Miradouro». Das suas largas varandas pode
admirar-se a vila e toda a paisagem circundante, e um pôr-de-sol espetacular.
Integrado num complexo turístico, com uma sala muito espaçosa e com uma bonita
decoração e um serviço de cozinha exemplar, diz bem do gosto de quem o
idealizou. O seu “bacalhau à miradouro” é de se lhe tirar o chapéu. Assim, sim!
No Peso existe o já famoso restaurante da «Pensão Boavista», e ali perto a
«Adega do Sossego», que segundo dizem serve um cozido à portuguesa do melhor
que há. Na vila temos bons restaurantes, embora mais modestos do que os
mencionados.
A festa correu
bem, sem zaragatas, à exceção do primeiro dia, em que a GNR teve de intervir.
Os emigrantes lesados pelo ex-bancário Carlos Esteves não deixaram abrir a
agência da União de Bancos Portugueses. Segundo parece, estão dispostos a tudo
para recuperar os milhares de contos que entregaram para depósitos e que esse funcionário
desviou para proveito próprio, de acordo com notícias divulgadas por vários
órgãos de comunicação social. O banco e o tribunal terão a última palavra,
aguardemos. Quase a atingirmos o século XXI, parece mentira o que se está a
passar no nosso concelho – entregar nas mãos de uma pessoa tanto dinheiro!
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1013, de 1/9/1994.
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