ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
MELGAÇO E O FUTURO
Um texto sobre o
futuro económico de Melgaço foi publicado em A Voz de Melgaço n.º 993, de
1/10/1993, por Francisco M. Cunha. Não pondo em causa os conhecimentos
técnico-científicos do articulista, quero apenas lembrar-lhe que Melgaço se
encontra em Portugal e não em França, país com grande desenvolvimento na
agricultura e na pecuária. Por outro lado, o Estado português tem vindo a
receber dinheiro da União Europeia a fim de indemnizar os agricultores que
acedam a deixar de produzir certos bens do solo, produtos excedentários na
Europa. Assim sendo, a Melgaço não resta outro caminho se não o do turismo e o
da produção de bom alvarinho que, ao contrário do que sugere Francisco Cunha,
somente é produzido na região demarcada de Monção e Melgaço, não tendo,
portanto, rival em nenhuma outra parte do mundo. Tal como o Sancerre, o
alvarinho tem mercado internacional – pena é que a quantidade produzida agora
(muito pequena) onere de tal modo os custos de produção que no consumidor esse
precioso vinho aparece a preços proibitivos.
Francisco M.
Cunha fala de «agricultura biológica»;
esquece-se, porém, que o nosso país anda geralmente a reboque da ciência e
técnica alheias! Não vai ser certamente um concelho no Alto Minho, secularmente
esquecido pelos sucessivos governos, a introduzir métodos e técnicas
revolucionárias! A não ser que se refira ao estrume produzido pelos animais –
mas esse, que eu saiba, nunca deixou de ser usado! Os países com agricultura
desenvolvida têm sido pressionados por grupos como o Green Peace no sentido de
abandonarem adubos artificiais que são altamente poluentes e fazem mal ao
organismo humano, além de destruírem várias espécies de animais e plantas.
Francisco M.
Cunha confunde turismo com emigração! Diz-nos no seu artigo: «A época forte do turismo, que gastava sem
contar tanto, já faz parte do passado...» Deve estar a referir-se aos
emigrantes que chegavam nos meses de Agosto e Dezembro, com os bolsos cheios de
francos e marcos, e gastavam a bom gastar. Isso não era, não é turismo, na
verdadeira acepção da palavra. É certo que os melgacenses espalhados por esse
mundo fora, e até noutras vilas e cidades de Portugal, podiam escolher outro
sítio para gozarem as suas férias; não o fazem, e isso é bom para o comércio
local. Para que haja turismo é necessário haver promoção, divulgação, das
belezas naturais da nossa terra, das suas caraterísticas próprias, da
hospitalidade do seu povo, da sua cultura, dos seus monumentos, do seu clima,
enfim, de tudo o que a distingue de outras terras, especialmente da sua
culinária. É necessário também que existam infra-estruturas adequadas a esse
fim: unidades hoteleiras, ótimos profissionais, tudo que proporcione ao turista
bem-estar e sobretudo vontade de regressar no ano seguinte.
Pessoalmente
privilegio o turismo, não um turismo caro, para ricos, mas sim médio, para
empregados e operários, para gente simples. É provável que o planeta terra
tenha sítios tão bonitos como Melgaço: na Europa, Ásia, África, Oceania,
América; mas tão pacíficos, tão naturais, tão singulares, talvez não haja!
Francisco Cunha
pensa que os investimentos em Melgaço, quaisquer que eles sejam, redundarão num
colossal fracasso, num atirar dinheiro fora. Se os japoneses pensassem assim o
Japão não seria hoje um dos países mais industrializados do mundo. Faça-se o
que se fizer, nunca será a curto prazo, mas sim a médio ou longo prazo. Nós,
«os líricos», não investimos pela simples razão de não sermos capitalistas; os
capitalistas, esses, só investirão o seu dinheiro se acharem que vale a pena,
isto é, se os estudos previamente efetuados lhes garantirem lucros
compensadores.
O citado senhor
fala com ênfase do vinho tinto de Melgaço. Esquece-se certamente de que a
produção sem comercialização é pura utopia (vejam-se os casos da maçã e da
laranja). O vinho da nossa terra, exceção para o alvarinho, é vendido à
candonga, tal como o bagaço. Sem empresas devidamente organizadas, sem técnicos
competentes, sem escoamento dos produtos, Melgaço ficará para sempre na cauda
do mundo. Nós, «os conselheiros», não desejamos isso; apenas queremos ver o
nosso concelho progredir, ombrear com os demais concelhos de Portugal. A nossa
«missão» é apelar aos eventuais interessados, aos órgãos do poder local e
regional, para que tomem medidas acertadas, para que não deixem dormir eternamente
um dos mais belos recantos do nosso país. O nosso saudável lirismo não nos
esconde a realidade. Apesar de grande aparato, de grandes promessas eleitorais,
de piscinas municipais e Casa da Cultura, disto e daquilo, sabemos que Melgaço
continua a ser a princesa adormecida por séculos de indiferença e desleixo.
Não sei se o
atual presidente da Câmara Municipal é o príncipe que acordará a princesa; não
sei se a espada encantada cortará cerce o silvedo que cerca o palácio real; não
sei se o seu beijo tirará do sono secular a esbelta menina; sei, isso sim, que algo
tem feito nesse sentido; mas, tal como Dom Quixote, a sua valorosa espada poderá
estar travando batalhas contra moinhos de vento. Não sejamos, contudo,
pessimistas e esperemos que Francisco M. Cunha possa um dia ver avenidas junto
ao rio, bem iluminadas, com jovens pares namorando, e os mais idosos recordando
toda a sua juventude; quiosques vendendo recordações e os pescadores da enguia
e da truta «matando» o seu inócuo vício; turistas, de máquinas a tiracolo,
tirando sucessivas fotografias das belíssimas paisagens melgacenses;
restaurantes servindo bifes de presunto, sável frito, arroz de lampreia, e
lampreia seca, truta na brasa; as Termas do Peso com ocupação a cem por cento
(diabéticos, seus familiares e amigos). Nessa altura talvez o futuro económico
de Melgaço seja diferente, para melhor, do que é hoje.
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1003, de 15/3/1994.
Sem comentários:
Enviar um comentário