GENTES DE MELGAÇO
(micro-biografias)
Por Joaquim A. Rocha
ROUÇAS
FERNANDES,
Ana. Filha de Manuel Maria Fernandes, natural de Desteriz (São Miguel), Galiza, e de
Maria Teresa Gonçalves (Dias), natural de Rouças, Melgaço, rurais, moradores no lugar de Cavaleiros. Neta
paterna de Rosa Fernandes, solteira, camponesa, de Desteriz; neta materna de
Maria Antónia Fernandes, solteira, camponesa, roucense. Nasceu em Cavaleiros, Rouças, a 23/2/1873, e
foi batizada na igreja católica local no dia seguinte. Padrinhos: Manuel José Cardoso
e Maria José Cardoso, casados, lavradores, naturais de Rouças. // Por volta de
1890 foi viver com seus pais e irmãs para o lugar da Pigarra, Santa Maria da Porta, devido a terem
aceitado ficarem como caseiros numa quinta desse lugar da Vila. // Faleceu na
Vila de Melgaço a 5/4/1947. // Ficou conhecida por “Ana Home”; tinha fama de hermafrodita, por ser virago, mulher de pulso
rijo. Conta-se que em certa ocasião, num monte da Galiza, desarmou um
carabineiro que dia antes lhe tirara o contrabando, uns míseros gramas de
tabaco e duas barras de sabão, e com a própria carabina lhe deu uma tremenda
sova, deixando-o ficar ali estendido como um morto. Depois enviou a espingarda
para o posto onde o ferrabrás estava afecto (*). O caso deu brado! E não foi só
aquele que experimentou a “lenha” com que ela se aquecia, mas muitos outros
homens pseudo valentes. Era tesa! Fazia todos os trabalhos normalmente atribuídos
ao sexo masculino: podar, sulfatar, lavrar…, enfim, todos os trabalhos
agrícolas. Segundo consta, fumava, vício que nessa altura em Portugal só os
homens tinham. Em o “Notícias de Melgaço” n.º 1, de 6/3/1924, na secção DIZ-SE,
alguém escreveu «que a Ana Home no
domingo último, numa entrudada que neste dia se fez em Cristóval, vestiu-se com
trajo masculino, caracterizando-se com pêra e bigode; que a certa altura do
divertimento montou num cavalo como qualquer homem, fazendo algumas evoluções
para afastar o povo, o qual a elogiou.» // Apesar dessa aparente
agressividade, apaixonou-se e foi mãe solteira de dois filhos: de António
Maria, conhecido por “Olharapo”, jornaleiro, que morreu na Vila de Melgaço,
tuberculoso, a 27/3/1951; e de José, que depois da tropa ingressou na GNR,
atingindo o posto de cabo. // Carlos Afonso escreveu acerca da valentona: «… embora não tendo “barba rija” tinha força e
coragem para enfrentar quem a quisesse importunar. Poderia até equiparar-se à
lendária Inês Negra, isto se os tempos fossem semelhantes e as oportunidades
fossem as mesmas.» E mais à frente continua: «Eu conheci a “Ana Home”; … um irmão dela foi meu tio por afinidade.
Mulher forte, de meia estatura, e de voz grave. Trajava roupa de tecido grosso,
como antigamente se usava em Castro Laboreiro, e dizia-se que por lá viveu
algum tempo. Creio ter sido, talvez, da segunda geração de uma família galega,
de Desteriz, ali junto a São Gregório, que aí por volta de 1850 veio para
Melgaço, trabalhar para a Quinta chamada de Santo Preto. Em Melgaço os
descendentes dessa família tinham por alcunha “os noivos”… Andava sempre armada
com um varapau da sua altura e, dizia-se, não sei se com alguma ou total
verdade, que usava “faca na liga”. Creio que a alcunha… lhe foi dada por ter a voz
grossa, ou mais pelo facto de ela fumar, tal como os homens. Uma mulher a
fumar, há mais de 70 anos atrás, era mesmo coisa de outro mundo…» (A
Voz de Melgaço n.º 1116, de 15/5/1999).
/// (*) O seu sobrinho-neto, Augusto, nascido na Vila em 1925 e falecido
em Golães, Paderne, em 2015, conheceu-a muito bem e diz que ela nunca bateu em
nenhum carabineiro; atirou-lhe, isso sim, com sal para os olhos quando ele a
queria levar presa para o posto por contrabando, pondo-se em fuga. Faz sentido;
mas será que alguém presenciou a cena?
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