sábado, 12 de dezembro de 2015

GENTES DE MELGAÇO
(micro-biografias)

Por Joaquim A. Rocha



ROUÇAS

FERNANDES, Ana. Filha de Manuel Maria Fernandes, natural de Desteriz (São Miguel), Galiza, e de Maria Teresa Gonçalves (Dias), natural de Rouças, Melgaço, rurais, moradores no lugar de Cavaleiros. Neta paterna de Rosa Fernandes, solteira, camponesa, de Desteriz; neta materna de Maria Antónia Fernandes, solteira, camponesa, roucense. Nasceu em Cavaleiros, Rouças, a 23/2/1873, e foi batizada na igreja católica local no dia seguinte. Padrinhos: Manuel José Cardoso e Maria José Cardoso, casados, lavradores, naturais de Rouças. // Por volta de 1890 foi viver com seus pais e irmãs para o lugar da Pigarra, Santa Maria da Porta, devido a terem aceitado ficarem como caseiros numa quinta desse lugar da Vila. // Faleceu na Vila de Melgaço a 5/4/1947. // Ficou conhecida por “Ana Home”; tinha fama de hermafrodita, por ser virago, mulher de pulso rijo. Conta-se que em certa ocasião, num monte da Galiza, desarmou um carabineiro que dia antes lhe tirara o contrabando, uns míseros gramas de tabaco e duas barras de sabão, e com a própria carabina lhe deu uma tremenda sova, deixando-o ficar ali estendido como um morto. Depois enviou a espingarda para o posto onde o ferrabrás estava afecto (*). O caso deu brado! E não foi só aquele que experimentou a “lenha” com que ela se aquecia, mas muitos outros homens pseudo valentes. Era tesa! Fazia todos os trabalhos normalmente atribuídos ao sexo masculino: podar, sulfatar, lavrar…, enfim, todos os trabalhos agrícolas. Segundo consta, fumava, vício que nessa altura em Portugal só os homens tinham. Em o “Notícias de Melgaço” n.º 1, de 6/3/1924, na secção DIZ-SE, alguém escreveu «que a Ana Home no domingo último, numa entrudada que neste dia se fez em Cristóval, vestiu-se com trajo masculino, caracterizando-se com pêra e bigode; que a certa altura do divertimento montou num cavalo como qualquer homem, fazendo algumas evoluções para afastar o povo, o qual a elogiou.» // Apesar dessa aparente agressividade, apaixonou-se e foi mãe solteira de dois filhos: de António Maria, conhecido por “Olharapo”, jornaleiro, que morreu na Vila de Melgaço, tuberculoso, a 27/3/1951; e de José, que depois da tropa ingressou na GNR, atingindo o posto de cabo. // Carlos Afonso escreveu acerca da valentona: «… embora não tendo “barba rija” tinha força e coragem para enfrentar quem a quisesse importunar. Poderia até equiparar-se à lendária Inês Negra, isto se os tempos fossem semelhantes e as oportunidades fossem as mesmas.» E mais à frente continua: «Eu conheci a “Ana Home”; … um irmão dela foi meu tio por afinidade. Mulher forte, de meia estatura, e de voz grave. Trajava roupa de tecido grosso, como antigamente se usava em Castro Laboreiro, e dizia-se que por lá viveu algum tempo. Creio ter sido, talvez, da segunda geração de uma família galega, de Desteriz, ali junto a São Gregório, que aí por volta de 1850 veio para Melgaço, trabalhar para a Quinta chamada de Santo Preto. Em Melgaço os descendentes dessa família tinham por alcunha “os noivos”… Andava sempre armada com um varapau da sua altura e, dizia-se, não sei se com alguma ou total verdade, que usava “faca na liga”. Creio que a alcunha… lhe foi dada por ter a voz grossa, ou mais pelo facto de ela fumar, tal como os homens. Uma mulher a fumar, há mais de 70 anos atrás, era mesmo coisa de outro mundo…» (A Voz de Melgaço n.º 1116, de 15/5/1999).

     /// (*) O seu sobrinho-neto, Augusto, nascido na Vila em 1925 e falecido em Golães, Paderne, em 2015, conheceu-a muito bem e diz que ela nunca bateu em nenhum carabineiro; atirou-lhe, isso sim, com sal para os olhos quando ele a queria levar presa para o posto por contrabando, pondo-se em fuga. Faz sentido; mas será que alguém presenciou a cena?           

Sem comentários:

Enviar um comentário