DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
Cartas de um castrejo
12.ª -
«Senhor Redactor: escrevo da
branda, para onde vim com a família estremecida, o cão amigo, as vacas
auxiliares, a rês incómoda, mas produtiva, as galinhas, o gato, com pequerruchos,
parte da copa (pois cá também usamos), o carro, a charrua duma aiveca, a
agulhada, o bengalório, as polainas e as mantas de burel. Só nos faltou trazer
um tonel das águas da inverneira (…). Que a fonte límpida que rumoreja vizinha
não oiça da preferência (…)! E, como ainda estou pondo em ordem a minha nova
habitação, só posso dizer-lhe (…) que aqui a vida é outra: - ar mais oxigenado
(…); as cumeadas, como as encostas das serranias e cerros, apresentam um
aspecto encantador – ora o amarelo dos tojais, ora o verde-negro das tapadas,
entremeados do branco de jaspe das florinhas de giesta. E a urze e a carqueja?
E os nossos prados, onde a flor silvestre viceja, qual princesa em luxuoso
alcáçar? Alongo-me, simplesmente, para lhe dizer que estou cá em cima, bem,
graças ao Eterno, que passei na vila, onde toda a gente – sem excepção (mesmo a
Guarda-Fiscal) – me mostrou a cara das festas; que a feira de 15 foi
relativamente concorrida – sem nenhuma [querela], como uma ou outra vez se dá;
que os amigos Alves continuam no fabrico do mais puro chocolate que se fabrica
em Portugal, a despeito de Carvalho e outros que tal; que o senhor professor
continua melhor do seu reumatismo e de qualquer susto… (não é homem para
sustos); que o amigo Ventura está no seu posto, prontinho à menor reclamação;
que a Guarda-Fiscal, apesar das escopetas, tem receio de novas denúncias para o
seu Chefe; que a primavera entrou com todas as honras de guerra; que o cuco já
canta por estas bandas (viria de Bande?); que, por último, o criado muito grato
a V. está com um sono de mil demónios e vai para entre as mantas – que cá são
bem precisas!... Castro Laboreiro, 20/4/1916.»
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