quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha



Cartas de um castrejo

12.ª - «Senhor Redactor: escrevo da branda, para onde vim com a família estremecida, o cão amigo, as vacas auxiliares, a rês incómoda, mas produtiva, as galinhas, o gato, com pequerruchos, parte da copa (pois cá também usamos), o carro, a charrua duma aiveca, a agulhada, o bengalório, as polainas e as mantas de burel. Só nos faltou trazer um tonel das águas da inverneira (…). Que a fonte límpida que rumoreja vizinha não oiça da preferência (…)! E, como ainda estou pondo em ordem a minha nova habitação, só posso dizer-lhe (…) que aqui a vida é outra: - ar mais oxigenado (…); as cumeadas, como as encostas das serranias e cerros, apresentam um aspecto encantador – ora o amarelo dos tojais, ora o verde-negro das tapadas, entremeados do branco de jaspe das florinhas de giesta. E a urze e a carqueja? E os nossos prados, onde a flor silvestre viceja, qual princesa em luxuoso alcáçar? Alongo-me, simplesmente, para lhe dizer que estou cá em cima, bem, graças ao Eterno, que passei na vila, onde toda a gente – sem excepção (mesmo a Guarda-Fiscal) – me mostrou a cara das festas; que a feira de 15 foi relativamente concorrida – sem nenhuma [querela], como uma ou outra vez se dá; que os amigos Alves continuam no fabrico do mais puro chocolate que se fabrica em Portugal, a despeito de Carvalho e outros que tal; que o senhor professor continua melhor do seu reumatismo e de qualquer susto… (não é homem para sustos); que o amigo Ventura está no seu posto, prontinho à menor reclamação; que a Guarda-Fiscal, apesar das escopetas, tem receio de novas denúncias para o seu Chefe; que a primavera entrou com todas as honras de guerra; que o cuco já canta por estas bandas (viria de Bande?); que, por último, o criado muito grato a V. está com um sono de mil demónios e vai para entre as mantas – que cá são bem precisas!... Castro Laboreiro, 20/4/1916.»      

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