POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
desenho de Rui Nunes
PERCURSO
Nasci em Melgaço
concelho do Minho;
fonte do bagaço
e do verde vinho.
Nasci em Cevide,
de Cristóval lugar;
num berço de vide
aprendi a sonhar.
Dois rios à beira:
Trancoso e o Minho;
formavam fronteira
c’o país vizinho.
Nasci numa casa
com muros de pedra;
onde o sol abrasa
e o frio medra.
No telhado antigo
a chuva passava;
mas o astro amigo
depressa a secava.
Num grosseiro leito
dormíamos três;
e no parapeito
um gato maltês.
Sem chave, uma porta
de madeira-pinho;
já bichada e torta
como um velhinho.
Um porco na corte
grunhia com fome;
esperava a morte,
a faca de Cosme.
Pintos e galinha
viviam connosco;
corriam asinha
pelo monte tosco.
Um rafeiro cão
ladrava contente;
tinha um coração
igual ao da gente.
Seguiu a mamã
da vizinha aldeia;
chamavam-lhe Pã
por ter cara feia.
Estive seis anos
nesse “paraíso”;
com nossos hermanos
trocando sorrisos.
Depois fui prà Vila
- civilização –
ser macho de lila
numa geração.
Lá fiz a primária,
e mais qualquer coisa;
a pele-alimária
deixei-a na loisa.
Aprendi ofício,
foi de sapateiro;
grande sacrifício,
preso o dia inteiro.
Inda me empreguei
no Grémio da terra;
onde só ganhei
uma chica perra!
Aos vinte pràs matas
da Guiné-Bissau;
ouvindo balatas
das armas do mau.
Voltei certa vez
da guerra do régulo;
soldado de Fez,
cansado e incrédulo.
Restei-me perdido
pela capital;
do mundo esquecido,
do bem e do mal.
À noite estudei,
qual manga d’alpaca;
pra vir a ser rei
de Goa ou Malaca.
Contínuo primeiro,
depois aspirante;
a lugar cimeiro
cheguei num instante.
Curso superior,
professor de línguas;
cheguei a doutor,
olvidei as mínguas.
Recordo Melgaço,
cheio de emoção;
é ele o regaço,
da minha ilusão.
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