ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
desenho de Luís Filipe G. P. Rodrigues (melgacense)
O PROBLEMA DA TERCEIRA IDADE
A dimensão do
problema da terceira idade é tão grande que os nossos sentidos, tão habituados
a coisas mesquinhas, dele não se apercebem! E não só é grande, como também é complexo.
Tanto, que se pusessem ao dispor de qualquer governo milhões não o resolveria,
pelo menos a curto prazo! E as razões são óbvias, ou quase. As pessoas de idade
não querem, por não estarem preparadas para isso, separar-se dos seus
familiares. Os novos não desejam os seus velhos em casa. Dizem: «eles não se separavam de seus pais depois do
casamento? Que condições tenho eu para os ter comigo?» Outros dizem: «São um perigo; não sabem lidar com o gás e
qualquer dia dá-se um desastre lá em casa.» Enfim, os velhos existem, têm
direito à existência e ao bem-estar. Trabalharam uma vida, contribuindo para o
progresso que hoje se verifica, e que os novos desfrutam. Não podem ser
escorraçados, marginalizados. Não o devem ser. Mas, pergunta-se: «e os novos? Terão de suportar em sua casa,
exígua quase sempre, pessoas de idade (embora não sejam quaisquer pessoas, pois
trata-se de seus avós ou seus pais), que terão de tratar, e delas ouvir, após
um dia de trabalho extenuante, as mesmas lamúrias do dia anterior, as mesmas
lembranças, as «histórias» mil vezes contadas?» A solução passa, quanto a
mim, pelo equacionamento do problema. O que será melhor para a sociedade? Ter
os seus idosos em lares ou em casa dos seus parentes? Os lares são passíveis de
serem melhorados. Para isso é preciso que sejam profissionais competentes todos
aqueles que neles trabalham; que tenham assistência médica; enfermagem permanente;
etc. Os edifícios destinados a esse fim deverão possuir uma arquitetura
adequada; jardins, piscina, salões de jogo (mesas de bilhar, damas, cartas, etc.),
biblioteca, televisão, rádio, todos os confortos do nosso tempo, pois bem o
mereceram. Adotando a segunda hipótese, isto é, ficando os idosos em casa dos
seus familiares, isso só se tornaria possível se um dos membros do agregado
ficasse também; ou em alternativa admitissem ao seu serviço uma empregada
doméstica polivalente, com vocação para enfermeira. O que lhes ficaria muitíssimo
dispendioso e em muitos casos correndo o risco de não conseguirem essa
empregada. Quer dizer: o membro da família que ficasse em casa teria de cuidar
do parente de idade avançada. Neste caso o Estado, como compensação, dar-lhe-ia
um subsídio mensal, equivalente ao ordenado que vinha recebendo, sendo o mesmo
atualizado anualmente, de acordo com a inflação. Em termos materiais esta
segunda hipótese ficaria muito mais cara à sociedade e implicaria a frustração
profissional de algumas pessoas jovens, as quais gastariam boa parte do seu
tempo a cuidar de idosos, gente com outra mentalidade, outra maneira de encarar
a vida, e, sobretudo, com interesses diversos dos seus. A amizade e o amor
diluir-se-iam com o tempo e, na maior parte dos casos, o conflito surgiria
quase naturalmente. Todos nós temos obrigação de nos debruçarmos sobre este
melindroso assunto, pois ele é também nosso. Hoje somos novos, amanhã seremos
velhos. Não nos devemos portanto alhear, sacudir a água do capote, dizendo que
isso é um problema do Estado e que este o deverá resolver. O Estado é apenas
uma super-estrutura e a sua grandiosidade ou pequenez dependerá sempre de quem
a utiliza, de quem dela se serve. Não deveremos esperar grandes coisas de quem
busca prestígio e, sobretudo, poder. Poder esse que exercerá com maior ou menor
benevolência. Os dinheiros públicos, como toda a gente sabe, nem sempre são bem
gastos; a corrupção atinge, muitas vezes, pessoas bem colocadas – o dinheiro
atrai. O lar para idosos é, segundo a minha opinião, a solução quase ideal para
a resolução deste humanitário problema. Espalhados por toda a parte, com espaço,
higiene, bons profissionais a eles adstritos, o lar garantirá uma velhice descuidada
e digna. Sem abdicar do estatuto de jovens, pensemos um pouco nessa terceira
idade, que está ali, mesmo a dois passos de todos nós!
Os lares que
existem, quase todos na cidade, são muito maus – nalguns casos… péssimos!
Muitos velhos das vilas e das aldeias portuguesas não têm, mesmo que o desejem,
acesso a este tipo de instituição. Será que terão de ir para a cidade, após
longos anos na terra que os viu nascer e crescer? Seria desumana essa atitude.
Nas gerações anteriores apelava-se para a generosidade dos novos, para a sua
piedade e espírito de sacrifício. Hoje, são sentimentos incompatíveis com o
ritmo da vida e até com a dignidade humana. O idoso não tem que pedir nada.
Deve é exigir que o tratem com respeito e carinho, pois ele, durante décadas,
contribuiu com o seu esforço, com a sua inteligência, para a criação de
riqueza: quer no campo material, quer no campo cultural. O que os jovens têm,
bom ou mau, foi herdado. Jamais se deveriam esquecer disso. Melgaço pode
orgulhar-se, no entanto, de possuir um Lar para Idosos que suscitará a inveja
de muitos concelhos do país. Com capacidade para cerca de cinquenta internos, o
Lar ainda poderá receber mais algumas pessoas que aí irão tomar as refeições e
conviver durante o dia com outros indivíduos da sua geração. Estão de parabéns
todas as pessoas que contribuíram para que esta obra se concretizasse. Pelo que
tenho ouvido, os empregados têm sido exemplares. Ainda bem, pois o carinho
alimenta tanto ou mais do que a própria comida. Assim, também os emigrantes
melgacenses, quando aposentados, poderão regressar ao seu concelho, sem receio
de viverem sozinhos os últimos anos da sua vida. Os seus filhos e netos, esses
ficarão nos países de acolhimento, ou nascimento – não quererão, penso,
mudar-se para uma terra que só conhecem por a terem visitado algumas vezes; a
sua ligação a ela é ténue. Alguns deles, infelizmente, nem a língua portuguesa
falam!
Nas últimas
férias, tendo como guia o senhor Paulino Calheiros, visitei o Lar e fiquei
deveras sensibilizado: bons alojamentos, convívio simpático, higiene. Chamou-me
a atenção o facto de já não ser somente o pobre a procurar o Lar: pessoas de
posses e também de outros concelhos ali se encontram. Isso significa que este
tipo de estabelecimento deixou de ser visto como uma Casa onde se vai morrer,
passando a ser olhado como uma Casa para os últimos anos da vida: sem preocupações,
em paz, em segurança, em amizade fraterna.
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 965, de 15/6/1992.
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