MELGAÇO: PADRES, MONGES E FRADES.
Por Joaquim A. Rocha
desenho de Luís Filipe Pinto Rodrigues |
// continuação...
Justiniano Ribeiro, natural de Prado, no
Notícias de Melgaço n.º 163, de 4/9/1932, comenta um artigo publicado no dito
jornal por pessoa que não assinou. Diz-nos ele: «Em Prado de Melgaço fez-se festa a São Lourenço nos
dias 9 e 10/8/1932, como se costumava fazer nos anos antecedentes. Não houve
missa nem procissão, pois o pastor encarregado do culto – porque tem ordens do
senhor arcebispo – não quis levar a efeito estes atos por haver arraial noturno
na véspera. Em Monção fez-se a festa à Senhora das Dores: houve missa,
procissão, acompanhada de padres, e também houve iluminação noturna na véspera.
Aqui não se podia fazer nada disso, a não ser que se fechasse a igreja de
noite; em Monção houve tudo, com a capela da Misericórdia aberta toda a noite.
De quem é a culpa? Será do pároco? Será do arcebispo? É do arcipreste? O que é
facto é que a igreja ficou interdita, as sagradas partículas foram consumidas
dois dias antes da festa, parece que já a preparar o terreno para a
desmoralização do povo de Prado: pacato, ordeiro e respeitador. A igreja
continua só aberta para os fiéis adorarem a Deus e venerarem os santos, mas os
fiéis limpos do coração, não hipócritas, e que não como aqueles que Cristo
alcunhou de raça de víbora.» Prado, 1/9/1932.
O
tal anónimo respondeu-lhe: «O Sr. Justiniano
Ribeiro, de Prado, em artigo com este título, “Festividades e Arraiais”,
elogia, em parte, o que um cronista anónimo, com o mesmo título, tem publicado,
sobre dislates praticados por padres católicos acerca de festividades no nosso
concelho. Ao Sr. J. Ribeiro não lhe agrada o protestantismo. Em política,
religião e mulheres, o cronista não mantém controvérsia, pois a primeira
depende de promessas, a segunda de crença ou fé, e a terceira do gosto, e este
não se discute. Porém, como o Sr. J. Ribeiro merece ao cronista bastante
consideração releve-o de uma pergunta que lhe faz. No globo há milhares de
religiões. Remontando à Europa, que é o continente mais velho do globo, segundo
uma estatística, a sua população é de 449 milhões, dividida pelas seguintes
religiões: católicos, 194; evangelistas, 121; anglicanos, 28; luteranos (…),
etc., 83; gregos ortodoxos, 6; os restantes dezassete estão divididos por
judeus, maometanos, igreja tcheco eslovaca, e outras pequenas seitas. Portanto,
Sr. J. Ribeiro, numa divisão destas qual é a verdadeira religião? Se seguirmos
Renan, deve ser aquela em que se seguem os evangelhos de Jesus Cristo, notando
que João Calvino e Martinho Lutero eram dois filósofos e cientistas religiosos.
Portanto, não mantendo, como dissemos atrás, controvérsia em matéria religiosa,
sempre diremos ao Sr. J. Ribeiro que o protestantismo não é um anátema. É a
expressão da vida de Jesus Cristo e das suas doutrinas. Não tem a
espetaculosidade do catolicismo, que por todos os lados apregoa milagres,
exibindo figuras, melhor ou pior esculturadas, como sendo elas as milagreiras.
E para maior verdade, o protestantismo segue a máxima de Cristo: - “crescei e
multiplicai-vos” – podendo os seus pastores legar um nome honrado aos seus
descendentes.» // Notícias de Melgaço n.º
165, de 18/9/1932.
*
«A PROPÓSITO – Transcrevemos do jornal O Século, de
28/9/1932, que nos deixa radiante, o seguinte: “Festas e Romarias” – Uma festa
que se realizou civilmente por o povo não ter contribuído com quatrocentos
escudos. VILA VELHA DE RÓDÃO, 25. – No lugar de Perdigão, deste concelho,
realizou-se a festa anual a São João. Não foram celebradas solenidades
religiosas pelo facto do povo não ter querido contribuir com 400$00 que o clero
lhe exigia. Apesar da festa se efetuar civicamente, a capela, contra os
preceitos eclesiásticos, esteve aberta à veneração dos fiéis durante o dia. O
público folgou a valer, não dando pela falta das cerimónias religiosas. A
atitude do clero foi comentada. // Lembra-nos que na festa de São Lourenço, em
Prado, deste concelho de Melgaço, o pároco não consentia que se fizesse a festa
com arraial, dando origem a que o povo se manifestasse contra o mesmo, não
necessitando dos seus serviços. Porém, a festa fez-se com grande pompa e o
povo, satisfeito, divertiu-se três noites em vez de uma! Isto vem a propósito
de: enquanto o abade de Perdigão exigia 400$00 para fazer a festa, o da Vila de
Melgaço, que também acumula a freguesia de Prado, não consentia que se fizesse o
arraial, não se lembrando o primeiro que Cristo pregou de graça, e o segundo,
que a igreja é do povo, e nela quem manda é o povo; e se o clero continuar na
mesma, o povo o que quer é divertir-se e, a pouco, e pouco, vai odiando a
religião eclesiástica dos padres.» // NM 167, de
2/10/1932.
*
A
HISTÓRIA REPETE-SE
Nos
gloriosos tempos de el-rei D. Manuel I a riqueza e as fortunas particulares
regurgitavam em Portugal, porque os nossos navegadores descobriram novos
horizontes, e esses horizontes inundavam de oiro a pobre e humilde terra
portuguesa. // O português engrandeceu-se: um, em glória; outro em soberba; e
um e outro em vícios. O português, morigerado pela Igreja, começou a levantar a
cerviz, a sacudir o jugo da mesma Igreja, e a proclamar-se um português maior,
um português pensante. A ambição da riqueza começou a dominá-lo e Portugal era
pequeno para os portugueses. Esta ambição desmedida, junta aos sonhos dourados
do valor do eu de cada um, veio a produzir um caos desordenado que, sensível e
gradualmente, se foi sentindo na economia da sociedade portuguesa. // O
português, depois de estancada a corrente do oiro que das descobertas vinha
para Portugal, viu-se irremediavelmente perdido e aniquilado; porém, como a
Igreja era ouvida, as doutrinas de Cristo ainda frutificavam, o português
conformou-se com a vontade de Deus e encontrou a felicidade na sua terra e na
sua família, constituindo-a moralmente, educando-a religiosamente, rasgando o
seio da terra e procurando no seu seio os recursos necessários para a
conservação da sua vida material como preparação para a vida eterna e
espiritual. // Repete-se a história. Sim, repete-se a história portuguesa,
porque há bem poucos anos o Brasil despejava ouro em Portugal. Não havia
aldeia, por mais remota nas quebradas dos montes e nos mais profundos vales,
onde o dinheiro do Brasil não quebrasse penedos e construísse prédios. // O
português ensoberbeceu-se e quis proclamar-se independente de Deus e da sua
Igreja. O “brasileiro” boçal julgou-se um super-homem, despregou a doutrina que
em criança engoliu com o leite e viciou-se. Teve quem louvasse o seu
procedimento e julgou-se invencível e dominador dos seus pobres e humildes
conterrâneos. // Contudo, esta fonte, e com ela todas as outras, estancou, mas
como os vícios continuam, e com eles a desmoralização e a destruição da
sociedade, porque a palavra de Deus não é ouvida e a Igreja é desrespeitada, a
terra não produz, porque é suficientemente (*) remexida e a fome e a miséria
assolam a terra portuguesa. // Remédios: - haja mais amor ao torrão pátrio,
mais amor ao trabalho, mais dedicação à instrução, e sobretudo à educação, mais
respeito pelos direitos dos outros, mais consideração pelas autoridades, mais
respeito pelas leis, e principalmente menos vícios, menos soberba, menos
dedicação ao eu de cada um, e tudo se remediará num pequeno período de tempo.
// Manolo. // Notícias de Melgaço n.º 174, de
27/11/1932. /// (*) Suponho que quis dizer exageradamente.
festa de São Bento - Fiães - século XX |
Essas obras foram concluídas a 5/7/1942. A
imagem da Senhora de Fátima foi oferecida por Virgínia Antunes Martins e
entronizada a 13/10/1954.
*
Nota: lê-se no Notícias de Melgaço n.º 823, de 6/7/1947: «A falta de padres na estância do Peso obriga
os hóspedes cumpridores dos deveres religiosos a irem à missa a Remoães. Era
conveniente que os reverendos sacerdotes viessem sem demora fazer a sua cura, e
mesmo porque há por aqui muita consciência que precisa de limpeza, mas de uma
limpeza radical.»
*
Lê-se
no Notícias de Melgaço n.º 859, de 30/5/1948, página 2, escrito por A.
Freixinho: «Os Beneditinos no Alto Minho.
Vinte e um anos antes do concílio de Lugo, 569, havia
nascido em Núrsia, ducado de Espoleto, Itália, um homem digno da gratidão dos
séculos… homem que salvou os monumentos do génio e conservou perfeito o
precioso clarão da ciência antiga. A Europa, já material, já intelectualmente
falando, pode dizer-se filha dos beneditinos. A Inglaterra, a Frísia, e a
própria Alemanha, devem a luz da sua fé à Ordem Beneditina. À Península
Hispânica aportou uma caravana destes obreiros da vinha do Senhor, procurando o
ermo solitário; e - depois de percorrerem várias terras pela Galiza -, chegaram
a uma planície na encosta da serra de Pernidelo na antiga Melgaçus dos romanos.
O próprio cronista da Ordem Beneditina não se atreve, apesar de todas as suas
curiosas investigações, a dizer-nos o ano em que o monge beneditino sulcou a
terra inculta da serra de Fiães pela primeira vez. // Estes anacoretas do
deserto traziam como vestuário um hábito branco de lã com um escapulário preto.
A sua mobília consistia, além do hábito, em um lenço, uma agulha, uma faca, e
um ponteiro com uma tábua para escrever. A sua cama constava de um enxergão com
um lençol de lã, uma manta, e uma travesseira, onde dormiam vestidos para
estarem mais lestos para o ofício. Levantavam-se às duas horas da manhã para o
ofício, empregando o tempo de matinas e meditação, para trabalharem
seguidamente das seis até às dez horas do dia. Enquanto trabalhavam, vestiam o
escapulário por cima da túnica; acabado o trabalho, despiam o escapulário e
vestiam o cucolo, ou capuz, com que cobriam a cabeça. // Estes agricultores,
uma vez chegados ao deserto de Fiães, coberto de espesso mato, e arvoredo
silvestre, qual outro Monte Cassino, tomaram, juntamente com a prece e a cruz,
o machado, a picareta, a pá e o camartelo; arroteando a terra virgem, onde
edificavam a sua primeira capela, da invocação de São Cristóvão, conseguindo
adorar pela primeira vez a Jesus-Hóstia no centro daquela selva, onde outrora
os povos pré-históricos haviam sacrificado as suas vítimas a Endovélico, sua
divindade predileta. O beneditino, agricultor e colonizador, transformou esta
vasta selva em um verdadeiro Monte Cassino, onde o aroma fétido da giesta foi
substituído pelo perfume do incenso, e aos pios sinistros das aves agoureiras,
sucederam o som plangente do órgão e o canto melodioso do ofício de matinas,
tornando este recanto solitário em refúgio predileto daqueles que no mundo
sofriam atribulações. Ali iam (atraídos pela fama das virtudes destes seres que aspiravam à
perfeição; se a tradição nos não engana os primeiros cristãos destas terras com
muitas léguas de distância) assistir aos atos de culto católico,
exercícios de piedade e instrução religiosa. É a eles que se deve a colonização
de algumas freguesias que compunham o antigo concelho de Melgaço. Pode dizer-se
que é ao monge beneditino que o nosso Alto Minho deve a luz da sua fé. // O mar
da vida nem sempre foi bonançoso e sorridente para este mosteiro. Sofreu as
invasões dos povos bárbaros vindos lá do centro da Europa, da Escandinávia e da
Germânia; sofreu as invasões dos sectários do Alcorão, comandados pelo califa
de Córdova, que no ano 815 o arrasaram completamente; sofreu ainda a devastação
de incêndio, onde os arquivos e documentos de tantos séculos se extinguiram na
ação devastadora das cinzas. E, por último, veio o século XIX com as suas luzes
de petróleo descarregar o último golpe sobre o vetusto mosteiro, levado a
efeito pelos enciclopedistas liberais, que o puseram em hasta pública. Foi
então que o mosteiro de Fiães, depois de ter resistido à ação corrosiva do
tempo, ao inimigo estrangeiro sanguinário e implacável, sucumbiu placidamente
aos golpes do indiferentismo e da descrença liberal, que o reduziram a uma simples
matriz de freguesia, terminando assim este farol de luz, que durante tantos
séculos havia iluminado os povos destas terras e saciado a fome a tantos
famintos que de todas as partes afluíam a este mosteiro.»
Fonte do Jordão - Vila de Melgaço |
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