ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
desenho de Manuel Igrejas |
INÊS NEGRA
escultura de Acácio Dias |
Tenho na minha frente o livro do conde de Sabugosa (António Maria José de Melo Silva César e Meneses, nascido em Lisboa a 13/2/1854 e falecido a 21/5/1923) cujo título é «Neves de Antanho», 3.ª edição da Livraria Bertrand, escrito na segunda década do século XX, no qual se pode ler a lenda da Inês Negra «a heroína de Melgaço». Vai da página 18 à página 46! Segundo ele a “Arrenegada” «saiu pelo postigo da fortaleza, para vir defrontar-se com a sua competidora Inês Negra, todos, de um lado e outro, se dispuseram a presenciar o espectáculo desta pugna de nova espécie, a que deram foros de combate, e que a crónica regista com a designação honrosa de escarumuça entre duas mulheres bravas.»
Como escritor ficcional que era, podia
dar-se ao luxo de criar personagens, dar-lhes vida e nome; isso não autoriza
ninguém a transpor a ficção para a realidade.
escultura de mestre Rodrigues, sita na Alameda Inês Negra. |
Penso
que o artigo em questão, isto é, o escrito do Dr. Ricardo, serviu sobretudo
para esclarecer aqueles melgacenses que tinham uma ideia deturpada sobre essa
figura secular. Se lerem algumas páginas de história medieval ficarão a saber
que nesses tempos as guerras eram feitas exclusivamente por homens, e somente
nas mitologias (a grega, por exemplo) nos aparecem deuses e deusas a lutar ao lado dos humanos.
As famosas amazonas também fazem parte de lendas antigas e pouco ou nada têm a
ver com a realidade. A história de Melgaço é bastante rica, cheia de figuras e
acontecimentos históricos, e não precisamos de inventar seja o que for para
ombrear com esta ou aquela terra da República. Fomos durante séculos uma praça
de guerra e hoje somos uma linda vila pacífica, a caminho do progresso e do
bem-estar, embora não tão rapidamente como outras. Se queremos homenagear
alguém, por que não lembrarmos os nossos heróis de carne e osso, ou seja, os
que estiveram dispostos a enfrentar os franceses aquando das invasões do primeiro
quartel do século XIX, os que lutaram em França, tendo alguns deles aí perdido
a vida e muitos a saúde, na designada Primeira Grande Guerra (1914-1918), os
nossos emigrantes que, onde quer que estejam, têm sempre Melgaço no coração, e
também os que lutaram na guerra colonial e, acima de todos, esses abnegados
bombeiros voluntários que ao longo dos anos têm dado todo o seu empenho e valentia
na defesa de pessoas e bens.
“Inês Negra” não passa de uma lenda –
cheia de encanto, sem dúvida, mas lenda. Sendo assim, e porque as palavras
devem ser seguidas de atos, vou dedicar-lhe um modesto soneto, inspirado
precisamente no artigo do Dr. Ricardo Gonçalves, e cuja contradição com o que
acima escrevi é apenas aparente, pois trata-se, como é óbvio, da transição para
um texto poético.
Estavas, linda Inês, tão repousada,
Saboreando a árdua e sã vitória,
Sobre a traidora vil de má memória,
Que chamam por desdém d’Arrenegada!
Eis senão quando, mente arrebatada,
Não temendo ferir honra e glória,
Apaga, com um só golpe, da História,
Tua figura de heroína abençoada!
Querem metamorfosear-te em lenda,
Levar-te prò museu das velharias;
Roubar-te o nobre troféu cobiçado.
Regressa, bela virago, à contenda,
Desenterra as armas das armarias,
Reconquista teu renome ameaçado!
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1079, de 15/9/1997.
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