UM HOMEM DE CARÁTER
(Um perfeito cavalheiro)
Por Joaquim A. Rocha
SOLHEIRO, Hermenegildo José. Filho de Hermenegildo Solheiro
e de Adelaide Joaquina Alves. Neto paterno de António Bernardo Solheiro e de
Maria Joaquina Ribeiro; neto materno de Domingos José Alves, ferreiro, e de
Maria Caetana Gaioso, moradores na Calçada. Nasceu na Vila a 19/4/1868 e foi
batizado a 26 desse mês e ano. Padrinhos: Manuel José Esteves “Melgaço”,
casado, do lugar de Eiró, Rouças, e tocou por madrinha José Manuel Nunes de
Almeida, solteiro, morador na Vila. // Aos catorze anos de idade (1882) embarcou para o Brasil, para junto de seu pai, negociante
nessa parte do planeta. Nunca esqueceu Melgaço. Logo que podia visitava a sua
terra natal. A 22/4/1900 cá estava ele. Regressou ao Brasil, mas em 1907
voltava, em companhia de Artur Pires Teixeira. Numa dessas visitas conheceu a
sua futura esposa. // Morava em Prado, era solteiro, proprietário, quando casou
na igreja de SMP a 17/9/1906 com Maria Leonor, de vinte e dois anos de idade,
nascida em Miragaia, Porto, a 17/9/1884, filha de Manuel José da Mota, industrial
portuense, e de Maria das Dores Gonçalves, neta materna de Manuel Caetano
Gonçalves e de Marcelina da Glória da Rocha, e irmã de Julieta La Salete da
Mota, casada com o Dr. Henrique Pinto Albuquerque Stockler. // A 9/6/1912,
juntamente com seu cunhado, António Francisco de Oliveira, e outros, fundou o
jornal «Correio de Melgaço», que termina no número 251, de 27/5/1917, e do qual
foi proprietário e diretor. // Em 1913, aquando do recenseamento eleitoral, foi
excluído, não podendo votar, devido a uma reclamação feita por António
Evangelista Pereira. O visado recorreu para o tribunal superior, o qual
considerou ter havido lapso, considerando-o apto a votar (Correio de Melgaço n.º 68, de 28/9/1913). Logo a seguir encabeça a lista de candidatos à Câmara (Correio de Melgaço n.º 76, de 23/11/1913). // A 6/2/1914 embarca no vapor Hilary com destino a Pará
(Correio de Melgaço n.º 85, de 1/2/1914). // Nesse ano de 1914 foi eleito, por grande maioria dos
votos, para o Conselho Fiscal da Companhia de Seguros Lloyd Paraense (Correio de Melgaço n.º 104, de 23/6/1914). // Em 1915 pertencia ao Conselho Fiscal da firma B.
Antunes & C.ª - Companhia Aviadora da Amazónia (Correio de Melgaço n.º 175, de 21/11/1915). // Chegou a Lisboa, vindo de Pará, a 30/4/1916. // Entre
os anos de 1915 e 1919 mandou erguer, nos Esparizes, Galvão, uma linda vivenda,
mais tarde conhecida por “Vila Solheiro”, que ainda no século XXI se pode
admirar. // Deu um salto a Portugal em Abril de 1916 (CM 196, de 23/4/1916);
chegou à Barronda, Prado, a 20/5/1916, sábado; de Lisboa vinha acompanhado pela
mãe, pela esposa, e filhos – Marieta e Hermenegildo. Parte novamente para Belém
de Pará a 17 de Julho desse ano; chega ao Brasil com a esposa e filhos a
3/8/1916 (ver CM 207, de 16/7/1916, e CM 210). Logo a seguir toma conta da gerência do “Lloyd Paraense”;
e por impedimento de António Alves da Silva é ele nomeado diretor do Banco de
Crédito Popular (Correio de Melgaço n.º 220, de
15/10/1916). // Em 1922 estava em Melgaço, pois
nesse ano, a 20 de Janeiro, foi padrinho de Maria de Lurdes Silva, nascida em
Galvão de Baixo a 12/10/1921. // A 21/2/1926, com Ernesto Viriato Ferreira da
Silva, Dr. José Joaquim Durães e professor Abel Nogueira Dantas, lançou o
semanário político e noticioso «Melgacense». Ferreira da Silva era o diretor,
Nogueira Dantas o editor, ele o redator. Durou até 1929 (surgindo
nesse ano o «Notícias de Melgaço» - 2.ª versão).
// Foi provedor da SCMM a partir de 1927 (nesse ano fez aprovar os seus
estatutos, os quais vigoraram até 1981!) // Foi
administrador do concelho e presidente da Comissão Administrativa (equivalente
a presidente da Câmara) entre 1926 e 1931. Nesse período
construiu-se o Mercado Municipal, o edifício dos Paços do Concelho,
repavimentaram-se as Ruas da Calçada e do Rio do Porto, deu-se início à
eletrificação da Vila. Tentou concretizar o projeto da construção da Avenida (Alameda
Inês Negra) mas a vida não lhe deu mais tempo.
Lutou pela vinda do comboio até Melgaço, mas nada conseguiu. // Não era pessoa
de meias medidas: em 1929, juntamente com os outros membros da Comissão
Administrativa da CMM, padre Artur da Ascensão Almeida, Hilário Alves Gonçalves
e José Caetano Gomes, obrigou o editor do “Notícias de Melgaço” a divulgar o
autor de um artigo, designado «Por Melgaço», publicado nesse jornal a
21/4/1929, o qual punha em causa, segundo a Comissão, algumas medidas tomadas
por esta. O autor da “local” era o médico Dr. António Cândido Esteves, irmão do
Dr. Augusto César Esteves, republicanos convictos. O clínico deu a cara, declarando
que não era sua intenção melindrar ninguém, apenas quis chamar a atenção dos
leitores para alguns atos da administração, sobretudo aqueles que diziam
respeito a gastos com viagens dos membros da dita Comissão, concretamente a
Sevilha, cuja Exposição nada tinha a ver com os interesses de Melgaço. A
resposta tem a data de 27/5/1929. Não sei como as coisas ficaram, só sei que o médico
Dr. Esteves fez parte da lista negra do designado Estado Novo, embora a sua
hostilidade fosse pacífica. // Hermenegildo José Solheiro morreu em Galvão a
21/8/1931, sexta-feira; os seus restos mortais jazem no cemitério municipal de
Melgaço. // Alguém escreveu depois da sua morte: «era, como se costuma dizer, o homem certo no lugar certo; era,
sobretudo, um sólido carácter e o expoente máximo da correcção e honestidade.»
Lê-se no Notícias
de Melgaço n.º 122, de 23/8/1931: «Morreu Hermenegildo Solheiro. Embora soubéssemos
que há oito dias as parcas andavam dançando em torno dos fios da sua existência
e que sob o seu nome no livro dos vivos jazia uma esponja sempre pronta para o
apagar, longe de nós esvoaçava o pensamento do seu tão rápido desenlace. // A
triste notícia, correndo veloz às primeiras horas de sexta-feira, deixou-nos
surpreso, dolorosamente emocionado. Ainda na véspera o tínhamos visto a caminho
dos Paços do Concelho, sorridente, sonhando, talvez, com um Melgaço maior,
passeou nas ruas da nossa Vila e ninguém viu nele o homem, cansado pelos anos
ou abatido pelos desgostos, que andasse dizendo o eterno adeus à sua terra ou
dirigindo as últimas saudações aos seus amigos. // O seu ânimo viril enganou-o,
decerto, quando mediu as suas forças físicas, porque não meteu (*) em linha de
conta as energias desbaratadas em uma tenaz luta pela existência na cidade do
Pará, e o seu arcaboiço rijo ludribiou também os nossos olhos, porque ninguém
se lembrou que os fortes baqueiam, como os fracos, quando a morte surge. //
H.S. morreu! Perante o seu falecimento curvem-se os melgacenses, agora, porque
perante a majestade da morte a ninguém fica mal manifestar respeito. //
Provedor da SCMM, Administrador e Presidente da Comissão Administrativa da
Câmara Municipal de Melgaço durante o último período político (**), H.S. deixa
uma obra que a História há-de classificar serena e imparcialmente (***). Mas
seja qual for o veredictum do futuro, o concelho deve reconhecer H.S. como um
melgacense que dedicou os últimos anos da sua vida ao engrandecimento da sua [e
nossa] terra. // É cedo, sem dúvida, para se fazer a história política dos
últimos anos, porque as paixões ainda se entrechocam e os ódios refervem
(****); mas quando aquelas acalmarem e estes arrefecerem, quando a paz voltar
aos espíritos e o bom senso de novo os iluminar, talvez todos reconheçamos que
H.S. combateu por um Melgaço maior, sacrificando-se pelo seu engrandecimento e,
quiçá, por causa deste abreviou os últimos dias da sua vida. // Conforme tinha
sido marcado, chegou às dez horas o Excelentíssimo Senhor Governador Civil do
distrito, acompanhado dos Excelentíssimos Senhores major António Ramos e
capitão Licínio Presa. À entrada na câmara funerária havia olhos marejados de
lágrimas na vasta assistência e aos ilustres recém-chegados, comovidos,
viu-se-lhes borbulhar nos olhos as lágrimas sentidas da perda irreparável. De
seguida organizou-se o funeral, com um acompanhamento numerosíssimo, dia pardo
e de neblina – que, como crepes, rodeava a Vila enlutada, e uma chuva miudinha
caía, chorando por ele, e representando-nos a todos. Até a atmosfera estava
triste, pesada – bem a par de todos os corações a repercutir-se toda no
sentimento geral. Agora, na carreta dos nossos bombeiros, que o acompanharam na
sua máxima força, segue o cortejo fúnebre ao som de uma marcha que contagia e
faz vibrar tristemente a sensibilidade. A chave da urna é conduzida por Sua
Excelência, o Senhor Governador Civil. Foram organizados, até à igreja matriz
da Vila, os seguintes turnos: 1.º - major Dr. António Ramos, capitão Licínio
Presa, capitão Luís Augusto de Carvalho, alferes Manuel Joaquim. // 2.º -
Conselheiro Dr. Manuel Fernandes Pinto, Dr. Augusto César Ribeiro Lima, Dr.
Sérgio Saavedra, Frederico Augusto dos Santos Lima, João Pires Teixeira, João
Barros Durães. // 3.º - Dr. José Joaquim da Rocha, João Eugénio da Costa
Lucena, José Caetano Gomes, José Luís Lopes, António José de Barros, Bento
Fernandes Pinto. // 4.º - Francisco A. Guimarães, António Joaquim de Sousa,
Mário Ranhada, Gaspar de Figueiredo, Raul Vilarinho, António Rocha. // E da
igreja para o cemitério: 1.º - capitão Augusto de Carvalho, alferes Manuel
Joaquim, João Lucena, Luís Manuel de Vasconcelos. // 2.º - Sargento Eleutério
P. Mendonça, Cândido Augusto Esteves, Hilário Alves Gonçalves, José Maria
Pereira. // 3.º - Angel Valverde, Jesus Valverde, José Reina, Manuel Gonçalves
da Costa. // 4.º - Ricardo Cordeiro Junior, António Mendes, Domingos Alves
Silva, António José Alves. // Os senhores Dr. Henrique Fernandes Pinto,
residente em Lisboa, e Eng.º Júlio José de Brito, do Porto, fizeram-se
representar pelo senhor Duarte de Magalhães, e o senhor António José de Pinho,
presidente da Câmara Municipal de Monção, pelo senhor Dr. Augusto Lima. À missa
e ofício de corpo presente assistiram catorze eclesiásticos, os quais se
encorporaram também no funeral. A ornamentação da igreja, a cargo do senhor
Aurélio de Azevedo, nada deixou a desejar. Sobre o féretro, coberto com o
estandarte da Câmara Municipal de Melgaço, foram depostas muitas coroas e
bouquês, oferecidas pela família do ilustre extinto e de pessoas das suas
relações e amizade. Desde que foi conhecida a sua morte, o comércio da Vila e
de Prado, em sinal de sentimento, ficaram com meias portas abertas e à passagem
do funeral encerraram totalmente. Nos edifícios públicos viu-se a bandeira
nacional a meia adriça. // Nesta hora de profundo luto para todo o concelho o
Notícias de Melgaço apresenta à ilustre família do finado a expressão bem
sincera e muito sentida da sua condolência.»
(*)
/// Leia-se: «porque não teve, ou levou,
em linha de conta...» /// (**) Foi presidente da Comissão Administrativa da CMM,
de 1926 (após a queda da I República) até à sua morte, em Agosto de 1931. ///
(***) Fez muito, comparando com o que outros antes dele fizeram, e sem dinheiro
nos cofres da Câmara; no entanto, pouco deixou feito, tendo em conta o muito
que havia para fazer. Quando aconteceu o 25 de Abril de 1974, Melgaço podia
considerar-se uma vila medieval: ruas sujas, empedradas, várias casas em
ruínas, pouca gente, muita pobreza, analfabetismo, etc. Felizmente surgiu em
cena o seu neto, Rui Solheiro, que – embora muito criticado pela oposição –
continuou a obra de seu avô paterno. /// (****) Não nos esqueçamos que ele, ao
aceitar aquele cargo político, acabou por se tornar inimigo declarado dos
republicanos da 1.ª República.
Escreveu J. Ribeiro no Notícias de Melgaço
n.º 122, de 23/8/1931
(Prado,
23/8/1931):
«Melgaço está de luto! O principal baluarte da sua fortaleza
financial ruiu por terra ao sopro devastador da morte. Todos os melgacenses
cobrem crepes nesta ocasião, pois um filho da terra de Melgaço tombou sob a
fria lousa do sepulcro: Hermenegildo Solheiro. Querido ente melgacense: adeus!
// Quem não admira a obra financial deste verdadeiro homem público? Quem,
conhecendo de perto o seu amor acrisolado pela sua terra natal lhe regateará os
méritos a que fez jus? Ninguém; posso afirmá-lo sem pejo. Desde que, em terras
de Santa Cruz, começou a exercer a sua atividade como verdadeiro financeiro, já
como diretor do Banco de Crédito Popular no Pará, já como diretor da Companhia de
Seguros Lloyd Paraense, já como chefe gerente da Casa Comercial Solheiro &
Companhia, era de prever que ao tomar conta do espinhoso cargo de administrador
do erário público de Melgaço se havia de impor pelo engrandecimento desta terra
que lhe serviu de berço, pois amava a sua terra como um filho ama a sua mãe. //
Tudo revela bairrismo em Hermenegildo Solheiro. Não é preciso enumerar os seus
serviços pelo engrandecimento da sua terra durante a sua gestão governamental.
São coisas palpáveis que o afirmam e que ficam legadas às gerações vindouras
como relíquias do passado, engrandecimento cada vez maior do nome do seu
augusto filho. // Melgaço está de luto, digo eu, pois o coração de todo o
melgacense que se preze deve estar altamente sensibilizado com o prejuízo que
acaba de sofrer. // A obra iniciada por Hermenegil Solheiro deve ter um
continuador e Deus queira que com qualidades bairristas e elevadas como as do
que hoje todo Melgaço pranteia. A política posta de parte, o amor concentrado
por esta terra que principiou, embora tarde, a entrar na senda do progresso,
são os principais factores para a realização do ressurgimento regional de
Melgaço. Assim eu cheguei a compreender o gigante que caiu! // Assim é que
devem ser os continuadores da sua obra. // Uma prece a Deus pela sua alma! Uma
recordação constante dos seus feitos é a que todo o filho de Melgaço deve
sentir para maior engrandecimento dos seus méritos, perante Deus e perante os
homens.»
Lê-se no Notícias
de Melgaço n.º 123, de 6/9/1931: «Das
poucas vezes que leio jornais diários apresso-me sempre a ver se encontro
notícias da minha terra. Em correspondência de Melgaço, o Comércio do Porto, de
22, transmitia a todos os meus patrícios, ausentes em terras estranhas, a
triste notícia do falecimento, no dia 21, do conterrâneo ilustre, que em vida
se chamou HJS. // A morte, em sua garra adunca, acaba de levar para o além a
alma daquele que entranhadamente amava a sua terra natal. Esta compungidora
notícia veio enlutar o meu coração de melgacense, porque a esta hora também se
encontra de luto a terra que me viu nascer. Os crepes lutuosos da tristeza
adejam por sobre as rotas muralhas do velho burgo, que o pulso férreo do que
agora jaz por terra, se a morte o não prosta, teria conseguido fazer (do mesmo) uma terra progressiva e uma das mais
encantadoras do nosso Minho. // A obra de embelezamento de Melgaço, começada
por HJS, sobre o impulso da sua vontade, seria grandiosa (*), se a morte, com o
seu brusco repelão, a não vem interromper. // Fica órfã, e eternamente vaga, a
sua cadeira no município de Melgaço, porque homens da envergadura de HS são,
nos tempos que correm, de um egoísmo utilitário como os meteoros que só de
séculos a séculos passam por sobre a terra, deixando da sua passagem um rasto
de luz, que o tempo apaga, mas de quem a recordação fica a perpetuar-lhe a
memória. // Eu, como melgacense, que ama enternecidamente a sua terra, daqui,
deste cantinho que se debruça sobre as águas do Lethes, ou Lima, rio saudoso,
que foi cantado por Bernardes e Feijó, associo-me à dor que o povo da minha
terra neste transe amargurado sente pela perda irreparável do eminente cidadão
que tão devotadamente se empenhava pelo seu caminhar progressivo. // Que a
terra-mãe o receba amorosamente em seu seio; e que as lágrimas de saudade de
todo o povo do concelho lhe vão orvalhar a sepultura com o pranto da sua
gratidão; gratidão bem merecida, por aquele que somente mantinha a ambição de
fazer alguma coisa verdadeiramente grande e que deixa uma lacuna, que não sei
quando se preencherá. // Terra minha, querida, por que desejas guardar em teu
seio um corpo, que continha em si os mais amplos projetos do teu embelezamento?
// Guarda-o com os (…) afetos que ele te tributava e que os vindouros lhe
reverenciem a sua memória, digna da vossa eterna gratidão.» L. A. Rodrigues. Ponte de Lima, 22/8/1931.
No dito jornal,
Noticias de Melgaço n.º 123, lê-se: «Para presidir aos destinos do nosso
município foi escolhido o nosso estimado amigo senhor João de Barros Durães,
farmacêutico pela Universidade de Coimbra. // Acertada escolha, tanto mais que
o recém-nomeado, privando de perto com o saudoso HS, sabia bem o programa
traçado para o engrandecimento de Melgaço. Parabéns aos melgacenses.»
«HJS – Missa do
30.º dia – Convite. A CMM convida todas as pessoas a assistir a uma missa que,
no dia 21 do corrente, pelas nove horas, mandará rezar na igreja matriz desta
Vila, sufragando a alma do seu saudoso presidente, senhor Hermenegildo José Solheiro.
Desde já agradece. Melgaço, 10/9/1931.» NM 124, de 13/9/1931.
Lê-se no Notícias
de Melgaço n.º 135, de 10/1/1932: «Homenagem:
verdadeira, perfeita, significante, foi a de hoje. Inauguração dos Paços do
Concelho, discursos, romagem ao cemitério da Vila; tudo o que necessário era
para pôr à evidência, altissonante, o mérito de alguém. Que beleza em tudo!
Agora, é o valor intrínseco, desse alguém, que é apresentado tal qual o
merecia; logo, o respeito que todos os melgacenses, que prezam esse nome, lhe
tributaram; finalmente para Hermenegildo (…) Que beleza em tudo! Beleza, porque
esta palavra significa o que é belo no seu sentimento, no coração. E houve
alguém que não tivesse sentimentos belos na homenagem [que se fez no] cemitério
no dia de hoje? Foi um preito de homenagem a HS. // Não é preciso dizer mais
nada. O nome deste homem encerra em si o valor do presente que todos devemos e
temos obrigação de admirar; e (quiçá?) o futuro, a que igualmente todos nós, os
melgacenses, temos obrigação de aspirar. Eis o motivo por que eu digo que foi
bela a manifestação de hoje. O concelho de Melgaço sabe corresponder ao
respeito que merecia o inesquecível HS, presidente da Câmara Municipal de Melgaço,
afluindo na sua maior parte, ao tributo que lhe foi prestado e que representou
uma verdadeira apoteose.» Prado, 6/1/1932. J. Ribeiro.
Lê-se no Notícias
de Melgaço n.º 150, de 22/5/1932, um artigo escrito pelo capitão Luís A. de
Carvalho, onde se fala de H.J.S.: «Finalizando, diremos ao correspondente a
razão por que invocamos e invocaremos o nome do saudoso Solheiro. Era homem de
carácter, e pelos factos que vamos contar é que o apreciamos. Dias depois de
aqui chegarmos fomos às Águas do Peso. Ali encontramos o Governador Civil e o
hoje falecido Solheiro. Cumprimentamos, e como com ambos mantínhamos boas
relações pessoais, juntando, às do primeiro, boa camaradagem que tínhamos tido,
pedimos melhoramentos para a nossa terra e, ao primeiro, o seu valioso concurso
de Magistrado Administrativo. Tempos depois, ainda não conhecíamos o meio,
falando com alguém da conversa havida, foi-nos dito: “o Solheiro é impolítico;
se tivesse larguezas políticas tinha nomeado o Dr. António Cândido Esteves, e
com isto conquistava as amizades políticas deste e da sua família.” Mais
adiante, em uma conversa, depreciava-se a acção da sua obra… Dizia-se: “fê-lo
devido à situação excepcional, e mesmo assim deixa o povo carregado de impostos
e de encargos [sobretudo de juros à CGD] por
largos anos… etc.” Pois os autores dos ditos, eram, como presenciamos, alguns
bajuladores e que diante dele curvavam a espinha. E ele, sempre altivo,
sorridente, deixava-os… e passava adiante, e não vendera o seu carácter por uma
nomeação… Entendam-me bem. Por isso, ao ele passar à última jazida, nas nossas
sinceras palavras, exteriorizamos o que nos ia na alma.
Lê-se no Notícias
de Melgaço n.º 160, de 7/8/1932: «A Câmara Municipal deste concelho,
comemorando o 1.º aniversário da morte do seu saudoso presidente, Hermenegildo José
Solheiro, convida todas as pessoas a assistirem a três missas, que no dia vinte
e dois do corrente, pelas dez horas oficiais, manda rezar na igreja matriz
desta vila. Desde já, agradece.» Melgaço, 5/8/1932.
No Notícias de
Melgaço n.º 162, de 28/8/1932, José Augusto Alves diz-nos que já decorreu um
ano depois da sua morte: «Com
a devida vénia gostosamente transcrevemos do Diário do Minho de 21 do corrente
o que se diz acerca deste ilustre melgacense por ocasião do seu 1.º aniversário
fúnebre – “Ao galgar, na voragem que passa, a escarpada encosta do tempo, encontrei
lá em baixo, no vale do passado, junto dos nossos caros irmãos de além campa, o
frio túmulo do saudoso H.S. // As suas cinzas venerandas humecidas ainda pelas
lágrimas quentes dos amigos e orvalhadas pelo rocio suavíssimo das preces
ferverosas dos crentes, descansam à sombra reconfortante da cruz, em que Cristo
agonizou; daquela cruz que é a mais alta cátedra de ensino que o mundo viu e
que ainda na sua muda linguagem nos dá as lições eloquentes do maior mestre;
daquela cruz, leito augusto do salvador dos homens, lenho sagrado onde se
passou a maior e mais emocionante epopeia de amor: daquela cruz que é o símbolo
mais perfeito e completo da liberdade, igualdade e fraternidade. // É ali, na
região dos mortos, que descansa aquele que foi em vida o maior melgacense dos
últimos tempos. Franco, leal, sincero, justo, equitativo, H.S. passou como um
meteoro fulgurante, deixando um rasto luminoso a mostrar o caminho que deviam
seguir os seus sucessores e a vincar os princípios que os deviam orientar no
desempenho da sua missão. // Dificuldades, não deixou. Essas – tantas, e
tamanhas que eram – removeu-as ele. Dotado de uma grande força de vontade, de
uma coragem insuperável, e de uma dedicação extrema pelo nosso rincão querido,
tomou-o carinhosamente nos seus braços e colocou-o na vanguarda do progresso.
// Andava embrenhado nesta augusta missão quando a morte o veio [roubar] ao
convívio dos seus [parentes] e dos amigos. Intransigente com os princípios,
homem de ordem e de caráter, H.S. nunca atendeu pedidos que comprometessem a
sua autoridade ou que truncassem os princípios da equidade e da justiça. // A
maior das suas aspirações, aspiração palpitante, fascinadora, que bem o pode
colocar na vanguarda dos mais intrépidos paladinos que se tem batido por
Melgaço, era o engrandecimento de tudo que se ligasse com o interesse da sua
terra. - «O meu fim, o meu intento» -
escrevia-me ele antes
de morrer - «é trabalhar
sempre por bem servir a minha terra, removendo por completo a sua face.» E
quase a terminar: - «enquanto Melgaço
precisar de mim continuarei a servi-lo, a orientar os seus destinos, depois
entrego.» Não chegou a entregar. Esgotou-se, e sucumbiu vítima do seu amor,
do seu carinho por Melgaço. // Melgaço chorou amargamente a sua morte e vai-a
pagando bem caro. // Desfolhando sobre a fria campa de H.S. pétalas de saudade,
respeito e veneração, faço votos porque apareçam homens de igual envergadura,
de igual nobreza de caráter, firmeza e sinceridade, a continuarem a sua obra, ao mesmo tempo que peço preces pelo seu eterno
descanso.» JAA // Comentário: embora Hermenegildo José Solheiro mereça
alguns elogios, não se pode exagerar nessa oferta, tendo em conta que ele pouco
fez quando havia imenso para fazer no diz respeito a obras públicas. A obra
principal realizada pela sua equipa foi sem dúvida o Paço (ou Paços) do Concelho, pois aquele que havia
(mais tarde o Solar do Alvarinho) era exíguo e estava ultrapassado no tempo e
entalado entre ruas estreitas. Pediu dinheiro emprestado à CGD para esse fim,
expropiou um terreno de João Pires Teixeira, e o “palacete” tornou-se uma
realidade. Acontece, porém, que legou uma grande dívida aos que lhe sucederam
no governo da Câmara Municipal.
A sua viúva
finou-se em Galvão, na “Vila Solheiro”, a 20/2/1974, com oitenta e nove anos de
idade. // Pai de Armando, de Hermenegildo José, de Manuel, de Carlos, de
Marieta, de Clarisse e de Maria Leonor. // A lembrá-lo, há na Vila um Largo e
uma Rua com o seu ilustre nome. Quanto a mim, somente o Largo é que devia
ostentar o seu nome. Existiram pessoas que desde o século XII fizeram por
Melgaço tudo o que estava ao seu alcance, por exemplo José Cândido Gomes de
Abreu (a lembrá-lo
tem apenas uma pequeníssima rua), e jazem no esquecimento.
// O seu dinamismo deve ter surpreendido todos os melgacenses da altura, pois
estavam habituados ao marasmo, à doce sonolência, onde tudo se prometia nas
campanhas eleitorais, mas logo estas terminadas tudo se esquecia. Ele agiu e
obrigou outros a agirem em prol do concelho. O dinheiro era escasso, mas ele
recorreu à banca (o primeiro presidente da Câmara em
Melgaço a fazê-lo, segundo consta), e a
obra surgiu. Era um pragmático, mas se tivesse vivido mais uns anos, talvez
entrasse em choque com a política salazarista.
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