quarta-feira, 6 de novembro de 2019

CAPITÃO VALENTE - UMA POLÉMICA INTERMINÁVEL (II Parte)
 
Por Joaquim A. Rocha






     E o homem não se cala! No Notícias de Melgaço n.º 158, de 24/7/1932, volta ao ataque: «CAMINHO PÚBLICOS – está dito e redito, e sobre o assunto muito se tem falado e escrito, o que são os caminhos públicos do nosso concelho. Péssimos, ordinários, cheios de águas, dificultando o trânsito aos peões que não andem descalços e, em sítios com lamaçais, intransponíveis, a não ser que se transite montado em cavalgadura, e piores do que o inferno para a tração animal. // Não há adjetivos suficientes que os possam qualificar [pelo] que têm de ordinários. // Diz-se que a culpa é dos povos por onde eles atravessam. Será verdade, mas não é certo, porque o povo de uma freguesia não há de andar a consertar os seus caminhos, quando eles servem outras freguesias. // Portanto, pertencendo o caminho público também ao domínio público concelhio e nacional, [compete] aos corpos administrativos as providências para que os caminhos sejam aquilo que de facto devem ser: transitáveis para a tração própria e peões, com um mínimo de comodidades para as populações que são obrigadas a deles fazerem uso. Será o problema dos caminhos (…) insolúvel? Não é. // Cremos que se os corpos administrativos [agissem], o concelho não teria os ruins caminhos que ora [tem]; e se há pontos bons é porque ainda há uns carolas que se interessam pela sua boa conservação. E quer-nos parecer que se os vereadores e empregados do 1.º corpo administrativo por eles tivessem de transitar diariamente, há muito que teriam dado algum paliativo; mas como raras vezes por eles transitam, e essas o fazem geralmente montados, eles bem veem a ruína em alguns pontos, mas com isso pouco se importam. // Não é problema transcendente, nem de grande dispêndio, facílimo de resolver, mais ainda do que foi a quadratura do círculo, com pouco dinheiro e que talvez ainda dê alguma receita, tirada dos desleixados, negligentes e vândalos. Uma postura, e uns trabalhadores permanentes espalhados por várias zonas, são os remédios adequados. A postura indicando o que são caminhos que não podem ser obstruídos pelas águas, sapadas dos prédios confinantes, com regos limpos, bem como limpeza dos arbustos, silvas, e outras vegetações que impedem o trânsito. Aos desleixados que não cumprissem com o indispensável, na parte que lhes pertencesse, seriam aplicadas as sanções. // Aos trabalhadores na zona que lhes fosse distribuída, competiria fazer a polícia dos caminhos, avisando e intimando os que não cumprissem com a postura. Ser-lhes-ia distribuído material próprio para reparações, pequenos consertos e limpeza de regos que os acompanham ou atravessam. // Quando um caso fortuito determinasse uma maior reparação, solicitaria da Junta de Freguesia e do regedor que nomeasse o povo do lugar, ou lugares, que forneceriam gente e transporte de material para ajudarem nessa reparação. Dirão: e dinheiro para pagar a esses trabalhadores? No orçamento da Câmara sempre haveria onde meter uns 8.000$00 anuais para lhes pagar. No presente ano económico os impostos indiretos renderam mais do que essa quantia do que no ano findo. Esse aumento já chega. E para o próximo ano, se bem se vasculhar, há sempre onde arranjar verba para fins tão úteis, e incluí-los no orçamento ordinário. Diz a doutrina que os dotes do corpo humano são três: memória, entendimento, e vontade. Pois nos corpos administrativos, com três dotes nos seus componentes se resolvem muitos problemas de administração. São eles: boa vontade para trabalhar; bom senso para acertar; boa justiça, para distribuir os benefícios pelos povos seus administrados.» // L. A. de Carvalho, capitão.    
  

 



     Prossegue a sua batalha, a sua implacável luta, no Notícias de Melgaço número 159, de 31/7/1932, agora elevando a aposta. Da Câmara Municipal de Melgaço já vira que pouco, ou nada, conseguia; o poder, como sempre, estava em Lisboa: «Excelentíssimos Senhores Ministro das Obras Públicas e Comunicações, e Presidente da Junta Autónoma das Estradas: a Vossas Excelências se dirige um humilde melgacense que, sem tinta lustral, lhes vai impetrar o cumprimento de uma promessa feita em época remota e que até recente data dormiu o sono dos justos nas estantes de qualquer repartição a Vossas Excelências subordinada. // Aí pelos anos de 1884 a 1888, infância do cronista, via este passar homens com vários apetrechos e uns paus pintados e ouvia dizer que andavam a demarcar a estrada para a Peneda e Arcos de Valdevez. // Recorda com saudade o entusiasmo do povo, mormente o dos montes, pois ia ter para si um caminho por onde podiam andar carros e diligências puxados a burros. // Até 1894, em que se ausentou desta terra, ouvia dizer às pessoas daqui: “em A indo ao poder, temos a estrada de Castro Laboreiro”. Outras [pessoas diziam]: “quando for B é que é certo a estrada começar”. O cronista, por Lisboa e colónias portuguesas esteve ausente até Setembro de 1930, sendo de serviço, nestas últimas, vinte e cinco anos, até que, velho, veio assentar residência na sua terra natal, não encontrando já os tais A e B, que se revezaram no poder, nem os C da República que também, segundo ouviu dizer, prometeram a estrada, não para carros puxados a burros, mas sim para automóveis, camiões e camionetas, nem tão pouco uma pazada de terra removida para a estrada. // Acabava o cronista de pousar as malas no seu tugúrio, recebeu a visita de um antigo condiscípulo da escola primária e grande influente da União Nacional, que após os abraços de cumprimentos lhe disparou o seguinte: - a estrada para Castro Laboreiro vai converter-se em realidade, pois já foi dotada para começo em setecentos e cinquenta contos. É preciso que se faça uma variante para atravessar a freguesia de São Paio pelo meio, e entre os eflúvios dos cumprimentos lhe narrou o que havia acerca da estrada. // Regozijando-se com a boa notícia, retorquiu ao seu amigo: – pois venha a estrada que, mesmo pelo traçado antigo, é um melhoramento precioso, há tanto tempo prometido e de tanta necessidade, como o pão para a boca do esfomeado. // Apartamo-nos e dias depois, outubro de 1930, chamaram a sua atenção para umas pessoas que andavam pelos campos a tratar da estrada. Dirigiu-se para lá e foi apresentado ao senhor engenheiro Meireles. Breves palavras, trocou com esse senhor, sobre a estrada e a variante. No dia imediato, depois de falar com o seu condiscípulo e com o então presidente da Comissão Administrativa da Câmara, dirigiu um telegrama ao Excelentíssimo Presidente da Junta Autónoma. // Após o acima relatado, o cronista soube, por lho dizerem, que o senhor Meireles retirou; mais tarde veio o senhor Valença, e há pouco voltou o senhor Meireles. E ambos retiraram, sempre, na boa paz, sem se ter tirado uma pedra ao pé da estrada nacional 1-1.ª, de onde há de irradiar a malfadada via de comunicação projetada há meio século. // Pergunta o cronista a um marechal da União Nacional: - a estrada começa? Ouve, como resposta: - os estudos, problemas, cadernos de encargos, etc. // Vox populi: - um diz, a estrada vai começar, porque o afirmou…, outro marechal da União. Outro diz: - cicrano, influente unionista, disse que a estrada não ia, afirmando até a A que podia vender o campo (…) // E (neste vox populi e vox União Nacional), o cronista chega à conclusão de nada saber. // De concreto e positivo, neste meio século, tem sido o fisco ter cobrado inalteravelmente as pesadas contribuições, sem devolver àquele povo montenho um centavo em comodidades de transportes, e pouco e quase nulo o benefício espiritual da instrução. // Excelentíssimos Senhores Ministro e Presidente da Junta de Estradas: a estrada de Melgaço a Castro Laboreiro, Arcos de Valdevez ou Lindoso, é tão necessária (repito) como o pão para a boca do esfomeado. // Não é preciso vir in loco ver a sua necessidade. Basta estender-se um mapa corográfico, olhar para o cocuruto de Portugal e notar que ali falta uma via de comunicação com faixa de rodagem, muito precisa sob os pontos de vista turístico, económico e estratégico e de comodidade dos povos por ali residentes, havendo um ponto – senhora da Peneda – que se há meio século deitassem uma derrama sobre os rendimentos da santa, que ali veneram, para a construção da estrada, esta, há mais de cinco lustros que estaria concluída. // Há meio século reconheceram a necessidade da sua construção e, segundo creio, no próprio Diário do Governo, no mapa da rede de estradas, publicado pela Ditadura, ela continua a figurar. // O cronista, alheado daquilo a que chamam política, vê que é preciso dotar-se esta região com aquilo que há cinquenta anos já era necessário, e que já se teria feito numa larga descentralização administrativa. // Quando o cronista foi para a província de Moçambique em 1898, nesta colónia viajava-se em machila, às costas dos indígenas; em equídeos e bovinos de toda a espécie, e para atravessar os pântanos despia-se a gente e passava-se a nado. Nos rios imperava o dongo e a jangada de polas de palmeira. // Uma reforma administrativa descentralizadora, decretada para aquela colónia em 1907 por Aires de Ornelas e Vasconcelos, executada por Freire de Andrade e outros governadores-gerais, cujos nomes ali são venerados, transformaram naquela colónia as suas vias de comunicação. Hoje vai-se a Tete de automóvel! // Aqui, na metrópole, se a ciência, ou arte de governar os Estados, fosse outra, não seria precisa a lamúria do cronista, pedindo a V. Excelências o cumprimento de um estudo efetuado há tanto tempo. // Se Vossas Excelências, senhor Ministro e Presidente, ordenarem o começo da estrada de Melgaço a Castro Laboreiro dentro do corrente ano civil e numa distância de cinco mil metros o primeiro lanço, o cronista, apesar de velho e alquebrado do paludismo, irá a Lisboa agradecer e beijar-lhes as mãos em reconhecimento do povo melgacense.» LAC, capitão reformado das colónias.                      



 

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