CAPITÃO VALENTE - UMA POLÉMICA INTERMINÁVEL (II Parte)
Por Joaquim A. Rocha
E o
homem não se cala! No Notícias de Melgaço n.º 158, de 24/7/1932, volta ao
ataque: «CAMINHO PÚBLICOS – está dito e redito, e
sobre o assunto muito se tem falado e escrito, o que são os caminhos públicos
do nosso concelho. Péssimos, ordinários, cheios de águas, dificultando o
trânsito aos peões que não andem descalços e, em sítios com lamaçais,
intransponíveis, a não ser que se transite montado em cavalgadura, e piores do
que o inferno para a tração animal. // Não há adjetivos suficientes que os
possam qualificar [pelo] que têm de ordinários. // Diz-se que a culpa é dos
povos por onde eles atravessam. Será verdade, mas não é certo, porque o povo de
uma freguesia não há de andar a consertar os seus caminhos, quando eles servem
outras freguesias. // Portanto, pertencendo o caminho público também ao domínio
público concelhio e nacional, [compete] aos corpos administrativos as
providências para que os caminhos sejam aquilo que de facto devem ser:
transitáveis para a tração própria e peões, com um mínimo de comodidades para
as populações que são obrigadas a deles fazerem uso. Será o problema dos
caminhos (…) insolúvel? Não é. // Cremos que se os corpos administrativos
[agissem], o concelho não teria os ruins caminhos que ora [tem]; e se há pontos
bons é porque ainda há uns carolas que se interessam pela sua boa conservação. E
quer-nos parecer que se os vereadores e empregados do 1.º corpo administrativo
por eles tivessem de transitar diariamente, há muito que teriam dado algum
paliativo; mas como raras vezes por eles transitam, e essas o fazem geralmente
montados, eles bem veem a ruína em alguns pontos, mas com isso pouco se
importam. // Não é problema transcendente, nem de grande dispêndio, facílimo de
resolver, mais ainda do que foi a quadratura do círculo, com pouco dinheiro e
que talvez ainda dê alguma receita, tirada dos desleixados, negligentes e
vândalos. Uma postura, e uns trabalhadores permanentes espalhados por várias
zonas, são os remédios adequados. A postura indicando o que são caminhos que não
podem ser obstruídos pelas águas, sapadas dos prédios confinantes, com regos
limpos, bem como limpeza dos arbustos, silvas, e outras vegetações que impedem
o trânsito. Aos desleixados que não cumprissem com o indispensável, na parte
que lhes pertencesse, seriam aplicadas as sanções. // Aos trabalhadores na zona
que lhes fosse distribuída, competiria fazer a polícia dos caminhos, avisando e
intimando os que não cumprissem com a postura. Ser-lhes-ia distribuído material
próprio para reparações, pequenos consertos e limpeza de regos que os
acompanham ou atravessam. // Quando um caso fortuito determinasse uma maior
reparação, solicitaria da Junta de Freguesia e do regedor que nomeasse o povo
do lugar, ou lugares, que forneceriam gente e transporte de material para
ajudarem nessa reparação. Dirão: e dinheiro para pagar a esses trabalhadores?
No orçamento da Câmara sempre haveria onde meter uns 8.000$00 anuais para lhes
pagar. No presente ano económico os impostos indiretos renderam mais do que
essa quantia do que no ano findo. Esse aumento já chega. E para o próximo ano,
se bem se vasculhar, há sempre onde arranjar verba para fins tão úteis, e
incluí-los no orçamento ordinário. Diz a doutrina que os dotes do corpo humano
são três: memória, entendimento, e vontade. Pois nos corpos administrativos,
com três dotes nos seus componentes se resolvem muitos problemas de
administração. São eles: boa vontade para trabalhar; bom senso para acertar;
boa justiça, para distribuir os benefícios pelos povos seus administrados.»
// L. A. de
Carvalho, capitão.
Prossegue a sua batalha, a sua implacável luta, no Notícias de
Melgaço número 159, de 31/7/1932, agora elevando a aposta. Da Câmara Municipal de Melgaço já vira que pouco, ou nada, conseguia; o poder, como sempre, estava em Lisboa: «Excelentíssimos Senhores Ministro das
Obras Públicas e Comunicações, e Presidente da Junta Autónoma das Estradas: a
Vossas Excelências se dirige um humilde melgacense que, sem tinta lustral, lhes
vai impetrar o cumprimento de uma promessa feita em época remota e que até
recente data dormiu o sono dos justos nas estantes de qualquer repartição a Vossas
Excelências subordinada. // Aí pelos anos de 1884 a 1888, infância do cronista,
via este passar homens com vários apetrechos e uns paus pintados e ouvia dizer
que andavam a demarcar a estrada para a Peneda e Arcos de Valdevez. // Recorda
com saudade o entusiasmo do povo, mormente o dos montes, pois ia ter para si um
caminho por onde podiam andar carros e diligências puxados a burros. // Até
1894, em que se ausentou desta terra, ouvia dizer às pessoas daqui: “em A indo
ao poder, temos a estrada de Castro Laboreiro”. Outras [pessoas diziam]: “quando
for B é que é certo a estrada começar”. O cronista, por Lisboa e colónias
portuguesas esteve ausente até Setembro de 1930, sendo de serviço, nestas
últimas, vinte e cinco anos, até que, velho, veio assentar residência na sua terra natal,
não encontrando já os tais A e B, que se revezaram no poder, nem os C da
República que também, segundo ouviu dizer, prometeram a estrada, não para
carros puxados a burros, mas sim para automóveis, camiões e camionetas, nem tão
pouco uma pazada de terra removida para a estrada. // Acabava o cronista de
pousar as malas no seu tugúrio, recebeu a visita de um antigo condiscípulo da
escola primária e grande influente da União Nacional, que após os abraços de
cumprimentos lhe disparou o seguinte: - a estrada para Castro Laboreiro vai converter-se
em realidade, pois já foi dotada para começo em setecentos e cinquenta contos. É preciso que se
faça uma variante para atravessar a freguesia de São Paio pelo meio, e entre os
eflúvios dos cumprimentos lhe narrou o que havia acerca da estrada. //
Regozijando-se com a boa notícia, retorquiu ao seu amigo: – pois venha a
estrada que, mesmo pelo traçado antigo, é um melhoramento precioso, há tanto
tempo prometido e de tanta necessidade, como o pão para a boca do esfomeado. //
Apartamo-nos e dias depois, outubro de 1930, chamaram a sua atenção para umas
pessoas que andavam pelos campos a tratar da estrada. Dirigiu-se para lá e foi
apresentado ao senhor engenheiro Meireles. Breves palavras, trocou com esse
senhor, sobre a estrada e a variante. No dia imediato, depois de falar com o
seu condiscípulo e com o então presidente da Comissão Administrativa da Câmara,
dirigiu um telegrama ao Excelentíssimo Presidente da Junta Autónoma. // Após o
acima relatado, o cronista soube, por lho dizerem, que o senhor Meireles
retirou; mais tarde veio o senhor Valença, e há pouco voltou o senhor Meireles.
E ambos retiraram, sempre, na boa paz, sem se ter tirado uma pedra ao pé da
estrada nacional 1-1.ª, de onde há de irradiar a malfadada via de comunicação
projetada há meio século. // Pergunta o cronista a um marechal da União
Nacional: - a estrada começa? Ouve, como resposta: - os estudos, problemas,
cadernos de encargos, etc. // Vox populi: - um diz, a estrada vai começar,
porque o afirmou…, outro marechal da União. Outro diz: - cicrano, influente
unionista, disse que a estrada não ia, afirmando até a A que podia vender o
campo (…) // E (neste vox populi e vox União Nacional), o cronista chega à conclusão de nada saber. // De
concreto e positivo, neste meio século, tem sido o fisco ter cobrado
inalteravelmente as pesadas contribuições, sem devolver àquele povo montenho um
centavo em comodidades de transportes, e pouco e quase nulo o benefício
espiritual da instrução. // Excelentíssimos Senhores Ministro e Presidente da
Junta de Estradas: a estrada de Melgaço a Castro Laboreiro, Arcos de Valdevez
ou Lindoso, é tão necessária (repito) como o pão para a boca do
esfomeado. // Não é preciso vir in loco ver a sua necessidade. Basta
estender-se um mapa corográfico, olhar para o cocuruto de Portugal e notar que
ali falta uma via de comunicação com faixa de rodagem, muito precisa sob os
pontos de vista turístico, económico e estratégico e de comodidade dos povos
por ali residentes, havendo um ponto – senhora da Peneda – que se há meio século
deitassem uma derrama sobre os rendimentos da santa, que ali veneram, para a
construção da estrada, esta, há mais de cinco lustros que estaria concluída. //
Há meio século reconheceram a necessidade da sua construção e, segundo creio,
no próprio Diário do Governo, no mapa da rede de estradas, publicado pela
Ditadura, ela continua a figurar. // O cronista, alheado daquilo a que chamam
política, vê que é preciso dotar-se esta região com aquilo que há cinquenta
anos já era necessário, e que já se teria feito numa larga descentralização
administrativa. // Quando o cronista foi para a província de Moçambique em
1898, nesta colónia viajava-se em machila, às costas dos indígenas; em equídeos
e bovinos de toda a espécie, e para atravessar os pântanos despia-se a gente e
passava-se a nado. Nos rios imperava o dongo e a jangada de polas de palmeira.
// Uma reforma administrativa descentralizadora, decretada para aquela colónia
em 1907 por Aires de Ornelas e Vasconcelos, executada por Freire de Andrade e
outros governadores-gerais, cujos nomes ali são venerados, transformaram
naquela colónia as suas vias de comunicação. Hoje vai-se a Tete de automóvel!
// Aqui, na metrópole, se a ciência, ou arte de governar os Estados, fosse
outra, não seria precisa a lamúria do cronista, pedindo a V. Excelências o
cumprimento de um estudo efetuado há tanto tempo. // Se Vossas Excelências, senhor
Ministro e Presidente, ordenarem o começo da estrada de Melgaço a Castro
Laboreiro dentro do corrente ano civil e numa distância de cinco mil metros o
primeiro lanço, o cronista, apesar de velho e alquebrado do paludismo, irá a
Lisboa agradecer e beijar-lhes as mãos em reconhecimento do povo melgacense.» LAC, capitão
reformado das colónias.
Sem comentários:
Enviar um comentário