LINA - FILHA DE PÃ
(romance)
Por Joaquim A. Rocha
5.º capítulo (continuação)
A notícia correu célere. Tinha havido um acidente no
rio Minho. Um dos homens dos contrabandistas perdera a vida, ao cair da pequena
embarcação. Mal sabia nadar, a corrente era intensa, e não resistiu. Correu a
seguir outra versão: a batela ia demasiado cheia, a carga fora mal distribuída,
e por isso tombou; salvaram-se os mais fortes. Logo se soube que a vítima fora
o infeliz Mário. Pobre rapaz: fora enganado pela Lina e pelo Juiz, a irmã
pusera-o fora de casa, passara fome, e agora a morte por afogamento! Nascera
sem dúvida sob o signo da desgraça.
- E agora a criança?! – perguntavam os moradores da Vila.
- Coitadinha, o pai biológico abandonou-a e agora
morre o seu protector. Pobre criancinha, que irá ser dela?
A família do
defunto reuniu e decidiram levar a Lisete para casa da sua avó materna. Era
gente paupérrima, simples camponeses, mas de qualquer maneira estaria lá melhor
do que com a mãe, uma verdadeira galdéria, uma anarquista no mau sentido.
Ainda nesse
dia resolveram levar a catraia. A avó, relativamente nova em idade mas velha
fisicamente, alquebrada, quando viu a neta abriu os braços e disse:
- Minha netinha! Ficas aqui connosco, não te há-de
faltar uma malga de caldo para comeres.
Os da Vila
tinham-lhe contado toda a tragédia: a odisseia e morte do parente, o
desinteresse da Lina pela filha, enfim todo o drama daquela gente.
- A minha filha tem-me desiludido muito. Dizem-me que
em todas as casas onde tem servido arranja sempre problemas: amiga-se com o
patrão, diz mal da senhora, enfim, uma peste. Aqui já não vem há muito tempo;
não tem saudades nossas!
- Nós ficávamos com a Lisete – diz a irmã do Mário – mas também somos pobres, não podemos criá-la;
além disso, como sabe…
- Não é filha do seu defunto irmão, nós sabemos. E eu
que lhe pedira para respeitar o Senhor Doutor Juiz, a galdéria foi-se meter com
o patrão na cama, uma criança, apenas com dezasseis anos de idade. Que
esperava, a estouvada? Que o Senhor Doutor casasse com ela? Que a levasse com
ele para outra terra? Ela não sabia, a parva, que o Senhor Doutor Juiz é de
famílias distintas, ricas, e que só quis brincar com ela, aproveitar-se da sua
pouca idade e experiência? Pobre Lisete, nunca na vida dela verá o seu pai, e
por nós nunca saberá quem ele é, pois o seu nome não será pronunciado nesta
casa!
Os anos
foram caminhando paulatinamente. Acabada a guerra civil de Espanha, em 1939, uma
autêntica carnificina, irmãos contra irmãos, filhos contra pais, crimes
hediondos, tudo arrasado, por ordem de Franco, filho querido de Satanás, começara
logo a seguir a II Grande Guerra, iniciada pelo abominável carniceiro, chamado Adolfo
Hitler, que destruíra a Europa central. Milhões de pessoas morreram ingloriamente
e outras tantas ficaram feridas e inválidas. O ser humano ficou de rastos
psicologicamente. Como fora possível tamanha matança, tanta destruição, tanto
desprezo e indiferença pela vida humana?!
Portugal
desta vez não entrou na Guerra. O governo achou por bem não tomar partido
abertamente. Toda a gente sabia que Salazar, disfarçadamente, apoiava Hitler e
o seu modelo de sociedade; apoiava também Mussolini e o seu arquétipo fascista,
mas por outro lado não queria esquecer o tratado que o nosso país fizera há
séculos com a Inglaterra. Estavam em causa interesses nacionais, sobretudo os
territórios ultramarinos, cuja riqueza começava finalmente a dar nas vistas.
Os alemães
tinham espiões em Lisboa, tal como ingleses e outros. O ditador português
jogava o seu próprio jogo, ora negociando com uma parte, ora com a outra! No
final, aqueles que ganhassem a guerra, estar-lhe-iam gratos. E assim aconteceu.
Quando toda a gente esperava que os vencedores criassem uma democracia em Portugal,
eis que a política interfere e tudo fica na mesma. Salazar tinha razão: o pouco
que fizera pelos aliados chegara para salvar o seu lugar no poder. Podia
continuar a desenvolver o seu modelo corporativista, a aniquilar os seus
adversários, a coarctar a liberdade dos cidadãos.
Sem comentários:
Enviar um comentário