LINA - Filha de Pã
romance
Por Joaquim A. Rocha
4.º Capítulo
Os meses
foram fluindo. Lina já dominava todo o serviço, o magistrado contratara uma
jornaleira, a Jesufina, para cuidar da horta, que agora estava um primor, «um brinquinho», como ele gostava de
dizer. Tinha uma grande variedade hortícola. Quando as pessoas passeavam na
Avenida olhavam para a horta do juiz e comentavam: «Que linda está! Aquelas couves,
o tomate, os grelos, os pimentos verdes e vermelhos, as cebolas, até feijão verde
tem!» Toda a gente admirava a horta do juiz.
A Jesufina,
aparentemente débil, esguia, mas rija como uma rocha milenar, nos seus quarenta
e tal anos, tinha um orgulho tremendo naquela horta, tratava-a com esmero, com
carinho, como se fora o filho que lhe morrera anos atrás, mas havia um senão:
ganhara um medo colossal, danado, ao canzarrão. O bicho não simpatizava com ela
e por isso, quando a via, ladrava-lhe sempre, mostrando-lhe uns dentes enormes
e aguçados, prontos a morder, a estriçar aquele corpo. «Maldito cão» - resmungava ela.
**
Lina tinha quase
dezasseis anos. Os seus seios cresceram, as suas ancas já davam nas vistas. Os
rapazes da Vila já andavam atrás dela, mas ouviam sempre a mesma resposta:
- Se se meterem comigo, ou me fizerem mal, digo ao Senhor
Doutor Juiz.
Eles temiam
a autoridade. Julgavam que um juiz era uma espécie de rei em regime absolutista,
um déspota – podia fazer tudo aquilo que quisesse: prendê-los, torturá-los, até
matá-los! Afastavam-se dela, despeitados, dizendo-lhe:
- Pensas que és boa, que és importante, só por seres
criada dum Senhor Doutor Juiz, mas há melhor do que tu. A nós não faltam
raparigas. Adeus!
Ela ficava absorta,
afinal de contas era da mesma classe, gente pobre, que nunca teriam nada de sua
legítima. Alguns até eram rapazes bonitos, empregados de balcão, aprendizes nas
oficinas, e nos bailes sabiam dançar como ninguém. No entanto, ainda era nova
para namorar, embora vontade não lhe faltasse, apetecia-lhe ser beijada, às
escondidas, mas o patrão podia não querer que ela namoriscasse, até a podia
despedir, e por outro lado ainda não esquecera os conselhos da mãe. Aquelas
palavras sábias: «tem juízo, rapariga,
não te deixes seduzir por um peralta, um malandreco da Vila», ainda não as esquecera.
Nessa noite
o juiz andava agitado. A namorada estava doente, tuberculosa, bebera demasiado
vinagre para emagrecer, fizera dieta sem quaisquer regras, não aceitava ser
gordinha, nédia, e agora fora internada num Sanatório, com poucas esperanças de
melhoras. Já tinham tido contactos íntimos, embora irregulares, por causa dos
mexericos, dos preconceitos seculares, mas agora ficara desarmado. Quando é que
voltaria a vê-la? O mais certo era ela morrer. Teria de arranjar outra, mas
como aquela não seria fácil. Filha de gente fidalga, rica, filha única, futura
herdeira daqueles bens todos. Onde arranjaria outra igual? Faltava-lhe quase um
ano para deixar Melcarte, depois iria para o centro ou sul do país, encontraria
novas amizades, quem sabe, outros amores. Tinha 34 anos de idade, era saudável,
boa figura, não faltariam pretendentes. Devia esperar pacientemente. Não lhe
apetecia deitar-se. Foi até à sala, retirou um livro da estante, um romance de
Eça de Queirós, O Primo Basílio, e começou a ler. Lina saiu da cozinha e foi-se
despedir dele.
- Até amanhã, Senhor Doutor. Se precisar de alguma
coisa é só pedir. Estou sempre às ordens.
Ele
chamou-a, olhou para ela como antes nunca olhara, mirou-a dos pés à cabeça, e
diz-lhe:
- Tenho andado tão ocupado que nem reparo em ti. Estás
uma linda catraia. Deste um enorme pulo ultimamente.
- É bondade do Senhor Doutor. Eu não presto para nada.
Sou pequenina e feia.
- Não te menosprezes. Chega-te mais para aqui.
Pegou-lhe
nas mãos, branquinhas, suaves, levou-as aos lábios, e pediu-lhe, com doçura:
- Senta-te aqui, nas minhas pernas; estou a precisar
de carinhos. Tive um grande desgosto.
Ela ficou
muito corada, o sangue subiu-lhe ao cérebro, não sabia como reagir. Ele era o
seu patrão e agora queria ser o seu amante. Que futuro seria o dela? Avançou um
pouco, meteu-se entre aquelas pernas grandes, poderosas, e solicitou-lhe com meiguice:
- Não me magoe; eu nunca fui de ninguém, sou virgem.
Ele
estendeu os seus longos braços, abraçou-a com ternura, beijou-lhe os lábios,
mexeu-lhe nos seios, rijos, redondinhos, com uns bicos entre o roxo e o vermelho,
os chamados mamilos, quais cerejas em Maio, a explodirem de cor, depois
levanta-se lentamente, pega nela como se fosse uma pluma e leva-a para a cama.
Ela despiu-se, ficando completamente nua, e ele não resistiu àquele corpo
intacto, pequeno mas bem torneado. Nem sequer pensou nas consequências. Cada
coisa a seu tempo. Agora era um momento de gozo, de prazer infindo, de fantasias
incomensuráveis. Estiveram entrelaçados quase toda a noite. Beijos mil, ternuras
sem fim, palavras meigas.
- Meu amor: és a mais linda de todas as mulheres que
já possuí. És um botãozinho de rosa!
- Ai Senhor Doutor: nunca imaginara que fosse tão bom.
Serei sempre de vossemecê. Nunca hei-de querer outro homem na minha vida.
E beijava-o
ardentemente. Ardia em febre.
- Minha querida, jamais te deixarei. (E beijava-a com doçura, com meiguice, com paixão…)
E depois de
mil promessas, adormeceram profundamente.
**
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