ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
VIVA A REPÚBLICA
No dia 1/2/1908
teve lugar no Terreiro do Paço, Lisboa, o regicídio, que vitimou o rei Carlos I
e o príncipe herdeiro Luís Filipe. A monarquia agonizava. Manuel II, apenas com
19 anos de idade, e sem qualquer experiência política, nada podia fazer: a
monarquia, dois anos depois, era já um cadáver! Na manhã de 4/10/1910 os navios
de guerra Adamastor e São Rafael iniciavam o bombardeamento do Palácio das
Necessidades, onde se encontrava o jovem rei. Paiva Couceiro pelo regime
monárquico e Machado dos Santos, comandando os revolucionários na Rotunda, foram
os heróis. No dia 5 de Outubro, e já com a família real a caminho do exílio, os
republicanos formam um governo provisório, presidido pelo Dr. Teófilo Braga,
com atribuições de Chefe de Estado. Contra ventos e marés, e pelo meio a grande
guerra de 1914-1918, a 1.ª República lá se foi aguentando até 28/5/1926.
Melgaço, tão
longe das cidades, concelho rural, não possuía grandes tradições de lutas pela
mudança de regime: república ou monarquia tanto se lhe dava. A confirmar isso
mesmo está o fraco resultado das eleições de 1891: o partido republicano teve
somente 94 votos! O ultimato inglês não chegara aqui! Mas também, ao
fim-e-ao-cabo, quem mandava nesta terra era a fidalguia, os proprietários
ricos, os «dons», sempre os mesmos! O pobre cavador, os artesãos, os mal remunerados
funcionários públicos, os pastores das montanhas, limitavam-se a dobrar a
cerviz ao senhor, ao amo todo-poderoso. E tão flagrante e evidente isto era que
apenas no dia 8 de outubro o senhor Francisco, vice-presidente da Câmara Municipal,
pequeno comerciante, ao passar por um grupo de jovens folgazões, apanha com a
pergunta:
- «Senhor Francisco:
para onde vai fugido?! Para as Carvalhiças?»
- «Para a Câmara vou,
rapazes, proclamar a República. Não quereis vir?»
Como se nota, não
existe nenhuma emoção, nenhuma alegria; antes pelo contrário, é a indiferença e
a ironia que sobressaem deste pequeno diálogo. A ata elaborada após a sessão
desse dia é de uma enorme hipocrisia. Nela se regista: «Pelo meretíssimo presidente foi dito que o fim desta sessão já de todos
é conhecido – a proclamação da República Portuguesa…» E mais adiante: «Unanimamente foi dado um voto de louvor ao
governo provisório e aos promotores da implantação da Liberdade!» Assinam:
Francisco Pires, António Carlos Esteves, Francisco Caetano de Sousa, José
Augusto Pires, António Xavier Ribeiro de Figueiredo e Castro. Todos, ou quase
todos, monárquicos! Vira-casacas? Camaleões? Nem por isso, pois eles não
precisavam de camuflagens, de mudar de ideias políticas, para estarem ao leme
da governação concelhia. Só dois dias mais tarde, portanto em 10 de Outubro «… uma comissão improvisada de republicanos
subiu as escadas dos mesmos paços do concelho…», ou seja: os “republicanos
convictos” aguardaram uma porção de dias para se deslocarem à sede do município
a fim de tomarem posse daquilo que legalmente lhes pertencia – o poder
político! A ata saída dessa sessão extraordinária é por demais elucidativa: «… aberta a sessão pelo cidadão presidente foi
dito que propunha se telegrafasse ao Governo Provisório da República e ao
Governo do Distrito, dando-lhes conhecimento que a comissão republicana assumiu
desde hoje a gerência dos negócios municipais deste concelho, manifestando o
regozijo que o povo republicano do concelho manifestou, assistindo com grande
entusiasmo ao acto da posse…» Assinam: João Pires Teixeira, João Eugénio da
Costa Lucena, Justiniano António Esteves, Manuel José Domingues, António Xavier
Ribeiro de Figueiredo e Castro!
«Regozijo», «povo
republicano», «grande entusiamo»… Tanas e badanas! Verdade, verdade, é que a
mudança de regime não melhorou substancialmente a vida dos melgacenses pobres:
continuaram a servir os mesmíssimos senhores, a emigrar como antes o faziam, a
trabalhar de sol a sol por uma mancheia de nada. Em 1911, e com o objetivo de
mostrar que afinal de contas existiam alguns bons republicanos, organizou-se
uma «… luzidia marche aux flambeaux»,
presidida pelo Dr. José Joaquim de Abreu, integrada nos «… festejos da comemoração – cortejo entusiástico que, entre vivas e
cânticos, percorreu as ruas da vila e vitoriou, aclamou e consagrou os heróis
da revolução.» Levaram tempo a compreender que a monarquia tinha perecido;
levaram ainda mais tempo a entender que as revoluções ganham-se ou perdem-se em
momentos, tendo em conta, contudo, que elas vêm sendo preparadas com anos de
antecedência. Os republicanos melgacenses portaram-se como São Tomé: «ver para crer!»
Melgaço estava
verde, muito verde, para o republicanismo em 1910. Não obstante esta conclusão,
espíritos novos surgiram, cheios de fé num mundo diferente, desejosos de
construírem a utopia, ou seja, o mundo ideal, mundo onde todos caibam! Não fora
a guerra de 1914-1918, e as lutas partidárias fratricidas, e ter-se-ia sem
dúvida alguma realizado o sonho dos primeiros republicanos: no campo da saúde,
da educação, da habitação, dos transportes, da industrialização do país, etc.
De qualquer modo, devemos prestar-lhes homenagem porque o sonho é como a
semente: germina quando as condições lhe são favoráveis. Tal como aqueles
estudantes de Direito (mais tarde os famosos juristas doutores António Durães e
Augusto César Esteves) gritemos bem alto: glória a Melgaço! E viva a República!
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1026, de 1/4/1995.
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