ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
VISITAR MELGAÇO EM JUNHO
Hoje em dia é
facílimo ir de Lisboa a Melgaço. Entra-se na camioneta no Campo Pequeno e
depois de cinco, seis horas de estrada está-se a beber uns copos com os
familiares e amigos. O mês seis é ótimo para passear. Nem frio, nem calor
excessivo. Julho e Agosto são meses quentes e incomodativos. Eu só vou à terra
no verão por causa das festas da cultura e também para rever os companheiros de
infância que vêm de França e de outros países. Como num verdadeiro ritual
cíclico (graças ao meu irmão e minha cunhada, que nunca se cansam dessas
coisas) no domingo, dia 12, percorremos quase todo o concelho. Eu conto como
foi: saímos da vila logo a seguir ao almoço e fomos à Peneda (este povoado
administrativamente pertence aos Arcos de Valdevez e pelo coração pertence a
Melgaço). Ao longo do caminho paramos algumas vezes para admirar essas
paisagens únicas. Haverá, no mundo inteiro, paisagem mais linda? Quando lá
chegamos vimos pessoas a subir e a descer o íngreme escadório, talvez pagando
velhas promessas, talvez por curiosidade. (quem estiver interessado em conhecer
a história da Peneda leia o livro do padre Bernardo Pintor «Santuário da
Senhora da Peneda – uma joia do Alto Minho»; nele se descreve o aparecimento da
santa e a construção das capelas) (*). Aqueles enormes rochedos soltos,
sobranceiros à igreja e ao hotel, assustam. Como é possível estarem ali, há
séculos, sem cair? Voltamos para trás e rumamos a Castro Laboreiro. Nesse mesmo
dia abria ao público uma loja de artesanato, com artefactos castrejos em miniatura:
peças de vestuário (mantela, colete, peúgas, polainos de burel branco, mandil),
tamancos (alabardeiros), masseiras, arcaz (caixas para guardar roupas e
centeio), camboeira (onde se colocam as broas de pão), mochos (escabelos, ou
escanos), etc., e também presunto e fumeiro de Castro Laboreiro, além do famoso
pão de Castro, a mil escudos cada quilo! Cada broa pesava dois quilos, portanto
dois mil escudos! O dono da loja (natural de Castro Laboreiro mas construtor
civil em Viana do Castelo) explicou-nos que os preços altos se deviam sobretudo
à escassez de mão-de-obra e à falta de centeio. Dirigimo-nos depois ao lugar de
Alcobaça, Lamas de Mouro, e entramos numa estrada inacabada que vai dar a Fiães
e Cristóval; esta via ladeia sempre o rio Trancoso e oferece-nos também uma das
mais belas paisagens do Alto Minho. Do nosso lado esquerdo pastavam
tranquilamente ovelhas, cabras, e algumas vacas. Fica-se boquiaberto pela
maneira como estes animais se seguram, pois o rio fica lá em baixo, a uns bons
150 ou 200 metros. Trata-se de uma proeza, porque estamos perante um declive
bastante acentuado. O gado olha-nos com espanto, pois não está habituado a ver
automóveis por essas bandas.
Nas esplanadas
dos Cafés de São Gregório encontravam-se algumas pessoas cavaqueando e
saboreando bebidas refrescantes. Com a saída da Guarda-Fiscal, e o fim do contrabando,
este sítio, talvez o maior lugar da freguesia de Cristóval, pelo menos em
número de habitantes, ressentiu-se deveras. Terão de inventar novas atividades,
pois de outro modo ser-lhes-á muito difícil sobreviver.
Descemos a Cevide,
lugarejo onde outrora existiu um quartel da Guarda-Fiscal e vinte a trinta
fogos, mais ou menos cem habitantes (**), e extasiamo-nos com as suas belezas
naturais. É precisamente aí que o rio Trancoso desagua no rio Minho e este
penetra em território português. Cevide hoje praticamente não tem população!
Cinco ou seis idosos teimam em acabar os seus dias neste cantinho parasidíaco,
na terra onde nasceram e na qual viveram provavelmente os seus melhores anos. O
seu rendimento já não advém da agricultura, nem do pequeno contrabando, como
antigamente, mas sim de pensões de aposentação. Visitei o antigo moinho,
silencioso e em ruínas. Ali perto, sobre o Trancoso, aparece a nossos olhos uma
ponte metálica, ainda a cheirar a tinta. Não há muito tempo que eu apelava às
autoridades camarárias para reconstruírem a velha ponte que tanta falta fazia a
portugueses e galegos. Pois bem, ela aí está, mas pasmem: paga, segundo me
disseram, pelos espanhois!
Estava-se a fazer
tarde, apesar dos dias de Junho não terem fim, e embora contrariados – Cevide
não cansa – lá fomos a caminho da vila, pelos Casais, outra povoação maravilhosa,
mesmo juntinho ao rio. Subimos à Senhora de Lurdes e depois foi sempre a andar…
As muitas, e belas, fotografias que a gente foi tirando ao longo do trajeto
apenas se poderão ver no mês de Agosto próximo, pois a minha máquina fotográfica
ficou em Lisboa; é minha sina esquecer-me sempre de qualquer coisa!
Percorri também,
mas agora a pé, as ruas da sede do concelho e verifiquei, com pesar, que os
erros cometidos, no que diz respeito a nomes, persistem. Que pena! Parece que
ninguém se interessa. Aceitam as críticas mas não retificam. Assim, lá continua
o Largo Policano em vez de Largo do Cine Pelicano, Rua Fonte da Vila
em lugar de Rua da Fonte da Vila, etc. Por mais que procurasse, não consegui
encontrar nenhuma rua com o nome do Dr. Augusto César Esteves, o que muito me
espanta, visto que a sua obra historiográfica, acerca do nosso concelho, é
importante; além disso, foi fundador dos Bombeiros Voluntários de Melgaço,
Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, Presidente da Câmara
Municipal, e interveio, sempre que pôde fazê-lo, a favor do progresso da sua e
nossa terra.
Outro reparo:
colocaram uma placa informativa com a seguinte indicação: -> IGREJA DA
MATRIZ. Assim mesmo! Quanto eu sei, foi sempre conhecida por Igreja Matriz –
vai mudar de nome?! Em termos filológicos é grave, pois ficamos com a ideia de
que a igreja pertence à matriz, como a outra ali perto pertence à Misericórdia.
Ora o que acontece, salvo melhor opinião, é que essa igreja é a matriz, isto é,
a igreja principal. Se não sabem, porque não consultam o dicionário? Diz-nos
este: «Matriz – diz-se da igreja que tem
jurisdição em relação a outras igrejas ou a todas as capelas de uma dada
circunscrição.»
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1012, de 1 e
15/8/1994.
/// (*) Pode também ler (e
ver) o meu artigo sobre o santuário da Peneda, inserto no livro «Lugares
Sagrados de Portugal, I», páginas 198 a 203, inclusive, publicado em 2016 pelo
Círculo de Leitores.
/// (**) Em 2016 viviam ali
meia dúzia de pessoas! Mário Olímpio Máximo Monteiro tenta tornar conhecido
esse lugarzito, um mini paraíso terrestre, entalado entre dois rios, Trancoso e
Minho, sobretudo através do marco número 1, onde começa Portugal, mas hoje os
turistas preferem as cidades e as praias.
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