LINA - FILHA DE PÃ
(romance)
Por Joaquim A. Rocha
18.º Capítulo
deus Pã |
A festa de aniversário da Lina foi esplendorosa. Nada faltou. Especialistas neste tipo de eventos nada deixaram ao acaso. Os convidados contavam-se por dezenas e dezenas! Comeu-se, bebeu-se, cantou-se, dançou-se, até à noite. O momento mais emocionante decorreu às dezasseis horas. Lisete subiu a um palco improvisado e, dirigindo-se aos convidados, disse-lhes: - «Estamos hoje aqui a comemorar o aniversário da senhora que me trouxe a este mundo. A minha mãe merecia esta festa. Depois de um período agitado na sua e na nossa vida, a bonança felizmente irrompeu, e a partir de certa altura tornou-se uma mulher maravilhosa, terna, digna, boa mãe, boa sogra, boa avó. O passado é para esquecer. Temos à nossa frente o futuro, que espero seja de estreme felicidade. Tem vindo, ao longo do dia, a receber muitas prendas; no entanto há uma, muito especial, que ainda não recebeu. Chegou o mais belo momento do dia. Ao palco chamo os meus pais. Façam favor de se apresentar aqui.»
Ambos subiram a meia dúzia de degraus que
levava ao palco. Lina estava muito bonita. Levava um vestido de seda, feito por
uma grande costureira de Lisboa, o cabelo branco bem penteado, nos pés uns
sapatos adquiridos numa das melhores sapatarias da cidade. Usava óculos, o que lhe
dava um certo ar de intelectual.
O Senhor Doutor Juiz Conselheiro,
apresentava-se, como sempre, impecável. Apesar da sua idade, não deixara
crescer a pança, estava ainda elegante, parecia mais novo do que era. Sorria,
mas notava-se o seu nervosismo. «No
tribunal sentir-me-ia mais à vontade» - monologava ele.
Lisete colocou-se entre os progenitores e
pediu ao pai para anunciar aos convidados a grande surpresa. Ele olhou para
aquelas pessoas e comunicou-lhes:
- «Caríssimos convidados. Minhas senhoras e
meus senhores. Amigos: quando andava pelos tribunais, e tinha de tomar decisões
difíceis, sentia-me porventura mais à vontade do que neste instante; mas ao
contrário do que então acontecia, este momento é especial e único na minha
vida. Junto a mim tenho a minha filha Lisete e sua mãe, D. Lina. Nem sempre as
respeitei como devia e mereciam. Fui imprudente, menos corajoso, e afastei-me.
Fiz mal a ambas e a mim próprio. O tempo passou, advieram os remorsos, mas apesar
disso casei – estando hoje viúvo – e desse matrimónio nasceram dois querubins, os
quais amo profundamente. O destino levou-me um dia a Melcarte, às Termas, e lá
encontrei a minha adorada filha. A minha esposa não se opôs e então trouxe-a
comigo. Os seus irmãos aceitaram-na bem e a partir daí passou a fazer parte,
por direito próprio, da família. Faltava, porém, um elo: a mãe de Lisete.
Depois de tantos anos ausente eis que a ventura quis que nos voltássemos a
juntar. Para mim, creiam, foi uma enorme alegria. O meu coração rejuvenesceu.
Já desistira da ideia de voltar a vê-la, de reencontrá-la. Não vou, não quero,
perde-la de novo. Por isso, perante os convidados presentes, perante os meus
filhos e netos, e restante família, peço a mão de Lina, a mulher que amo e
amarei até ao fim de meus dias.»
Virou-se para a mãe de sua filha e
perguntou-lhe:
- Lina, meu amor, aceitas casar comigo?
Ela estremeceu. Desejara toda a vida este
momento, mas tinha praticamente a certeza de que isso jamais seria possível. No
entanto estava ali, naquele bendito palco, a ouvir da boca do homem que amava
desde os seus quinze anos, aquelas doces palavras. Olhou para o céu e não viu
quaisquer nuvens. «Bom agoiro» -
pensou. Pã, o deus do pânico, andava por outros lados, bosques longínquos, esquecera-a.
Ainda bem. Iria viver os últimos anos da sua vida ao lado do seu fofinho, como
lhe chamava na intimidade. - «Sim, aceito.»
E correu para ele, abraçando-o. Estiveram minutos abraçados. Toda aquela gente
entoou a canção do noivado e no final bateram palmas.
- Vivam os
noivos!
- Vivam!
- Felicidades,
mil felicidades!
Desceram do palco e foram dançar. Além do
rancho, Lisete e o marido tinham contratado também uma orquestra clássica. Ao
fim de umas horas os convidados recolheram a suas casas.
O casamento realizou-se algum tempo
depois. Tal como Lina pedira, a cerimónia foi discreta, com poucos convidados.
Tudo se passara entre portas, pois a mansão tinha capela própria. A novidade
consistia na escolha do padre. O leitor já está a adivinhar quem é. Quem havia
de ser: o senhor padre Álvaro. Ficou deveras surpreendido com o convite. Disse de
si para si: «Lina afinal não se esqueceu
de mim!»
Lisete caprichara no banquete. Tudo o que
havia de melhor no país, ali figurava. Houve alegria, muita alegria. O tenebroso
passado morrera. Ninguém estava interessado em ressuscitá-lo.
A noite surgiu e com ela as despedidas; o
motorista do Senhor Doutor Juiz Conselheiro meteu na mala do carro as coisas da
Senhora Dona Lina e do seu patrão, e esperou pelo casal. Logo que chegaram
abriu-lhes a porta, com toda a deferência e partiram para o Alentejo, onde ele
possuía uma linda vivenda, a fim de passarem lá a lua-de-mel. Andaram por
aquelas lindas praias, naquela altura pouco frequentadas, visitaram algumas
vilas e cidades alentejanas, com as suas casas típicas, todas caiadas de
branco, admiraram os grandes campos de trigo, os olivais e vinhas, as árvores
que davam a cortiça, divertiram-se imenso.
// continua...
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