domingo, 7 de fevereiro de 2021

LINA - FILHA DE PÃ

(romance)

Por Joaquim A. Rocha 


18.º Capítulo

      Amável leitor: eu garanto-lhe que estavam ambos emocionados. Ninguém esperaria tal desfecho, depois de tantas peripécias, de tantos atropelamentos à dignidade humana. Mas a vida é assim: dá voltas e reviravoltas, vai por este e aquele caminho, por veredas inimagináveis, provoca encontros e desencontros, e finalmente reencontra-se com ela própria, para o bem ou para o mal. «Ninguém é perfeito», já diziam os nossos avoengos. E para quê? Para que serviria a perfeição se logo a seguir se desbarataria como se fora coisa sem valor, uma inutilidade?

deus Pã
 

     A festa de aniversário da Lina foi esplendorosa. Nada faltou. Especialistas neste tipo de eventos nada deixaram ao acaso. Os convidados contavam-se por dezenas e dezenas! Comeu-se, bebeu-se, cantou-se, dançou-se, até à noite. O momento mais emocionante decorreu às dezasseis horas. Lisete subiu a um palco improvisado e, dirigindo-se aos convidados, disse-lhes: - «Estamos hoje aqui a comemorar o aniversário da senhora que me trouxe a este mundo. A minha mãe merecia esta festa. Depois de um período agitado na sua e na nossa vida, a bonança felizmente irrompeu, e a partir de certa altura tornou-se uma mulher maravilhosa, terna, digna, boa mãe, boa sogra, boa avó. O passado é para esquecer. Temos à nossa frente o futuro, que espero seja de estreme felicidade. Tem vindo, ao longo do dia, a receber muitas prendas; no entanto há uma, muito especial, que ainda não recebeu. Chegou o mais belo momento do dia. Ao palco chamo os meus pais. Façam favor de se apresentar aqui

 

     Ambos subiram a meia dúzia de degraus que levava ao palco. Lina estava muito bonita. Levava um vestido de seda, feito por uma grande costureira de Lisboa, o cabelo branco bem penteado, nos pés uns sapatos adquiridos numa das melhores sapatarias da cidade. Usava óculos, o que lhe dava um certo ar de intelectual.

 

     O Senhor Doutor Juiz Conselheiro, apresentava-se, como sempre, impecável. Apesar da sua idade, não deixara crescer a pança, estava ainda elegante, parecia mais novo do que era. Sorria, mas notava-se o seu nervosismo. «No tribunal sentir-me-ia mais à vontade» - monologava ele.

 

     Lisete colocou-se entre os progenitores e pediu ao pai para anunciar aos convidados a grande surpresa. Ele olhou para aquelas pessoas e comunicou-lhes:

 

- «Caríssimos convidados. Minhas senhoras e meus senhores. Amigos: quando andava pelos tribunais, e tinha de tomar decisões difíceis, sentia-me porventura mais à vontade do que neste instante; mas ao contrário do que então acontecia, este momento é especial e único na minha vida. Junto a mim tenho a minha filha Lisete e sua mãe, D. Lina. Nem sempre as respeitei como devia e mereciam. Fui imprudente, menos corajoso, e afastei-me. Fiz mal a ambas e a mim próprio. O tempo passou, advieram os remorsos, mas apesar disso casei – estando hoje viúvo – e desse matrimónio nasceram dois querubins, os quais amo profundamente. O destino levou-me um dia a Melcarte, às Termas, e lá encontrei a minha adorada filha. A minha esposa não se opôs e então trouxe-a comigo. Os seus irmãos aceitaram-na bem e a partir daí passou a fazer parte, por direito próprio, da família. Faltava, porém, um elo: a mãe de Lisete. Depois de tantos anos ausente eis que a ventura quis que nos voltássemos a juntar. Para mim, creiam, foi uma enorme alegria. O meu coração rejuvenesceu. Já desistira da ideia de voltar a vê-la, de reencontrá-la. Não vou, não quero, perde-la de novo. Por isso, perante os convidados presentes, perante os meus filhos e netos, e restante família, peço a mão de Lina, a mulher que amo e amarei até ao fim de meus dias

        Virou-se para a mãe de sua filha e perguntou-lhe:

- Lina, meu amor, aceitas casar comigo?

 

     Ela estremeceu. Desejara toda a vida este momento, mas tinha praticamente a certeza de que isso jamais seria possível. No entanto estava ali, naquele bendito palco, a ouvir da boca do homem que amava desde os seus quinze anos, aquelas doces palavras. Olhou para o céu e não viu quaisquer nuvens. «Bom agoiro» - pensou. Pã, o deus do pânico, andava por outros lados, bosques longínquos, esquecera-a. Ainda bem. Iria viver os últimos anos da sua vida ao lado do seu fofinho, como lhe chamava na intimidade. - «Sim, aceito.» E correu para ele, abraçando-o. Estiveram minutos abraçados. Toda aquela gente entoou a canção do noivado e no final bateram palmas.

 

- Vivam os noivos!

- Vivam!

- Felicidades, mil felicidades!

 

     Desceram do palco e foram dançar. Além do rancho, Lisete e o marido tinham contratado também uma orquestra clássica. Ao fim de umas horas os convidados recolheram a suas casas.

 

     O casamento realizou-se algum tempo depois. Tal como Lina pedira, a cerimónia foi discreta, com poucos convidados. Tudo se passara entre portas, pois a mansão tinha capela própria. A novidade consistia na escolha do padre. O leitor já está a adivinhar quem é. Quem havia de ser: o senhor padre Álvaro. Ficou deveras surpreendido com o convite. Disse de si para si: «Lina afinal não se esqueceu de mim

 

     Lisete caprichara no banquete. Tudo o que havia de melhor no país, ali figurava. Houve alegria, muita alegria. O tenebroso passado morrera. Ninguém estava interessado em ressuscitá-lo.

     A noite surgiu e com ela as despedidas; o motorista do Senhor Doutor Juiz Conselheiro meteu na mala do carro as coisas da Senhora Dona Lina e do seu patrão, e esperou pelo casal. Logo que chegaram abriu-lhes a porta, com toda a deferência e partiram para o Alentejo, onde ele possuía uma linda vivenda, a fim de passarem lá a lua-de-mel. Andaram por aquelas lindas praias, naquela altura pouco frequentadas, visitaram algumas vilas e cidades alentejanas, com as suas casas típicas, todas caiadas de branco, admiraram os grandes campos de trigo, os olivais e vinhas, as árvores que davam a cortiça, divertiram-se imenso.


// continua...


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