terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha 

convento dos frades franciscanos - Carvalhiças

// continuação...

 

AS FESTAS DE MELGAÇO: ANO DE 2005

 

   Neste ano de 2005 fui às festas do concelho. Tão diferentes daquelas que outrora – anos cinquenta e sessenta do século XX – se faziam nas diversas freguesias. A manhã estava destinada à missa: pagavam-se as promessas, rezava-se, ouvia-se o orador sacro com enorme atenção. Antes e depois da mesma a vedeta era o altifalante, cujos discos, com música do Trio Odemira, António Mafra, e outros mais, e pelo meio um fado de Amália e da Hermínia, a todos extasiava! Terminada a missa, toda a gente estendia, debaixo das frondosas árvores, o farnel com o frango estufado, panados, arroz do forno, com aquela cor amarela do açafrão, pão de milho e centeio, e o indispensável vinho verde, de preferência tinto. Depois do repasto os mais velhos, bem bebidos, dormiam a sesta; os jovens iam namorar, e a música continuava. À volta da igreja, no terreiro, instalavam-se os tendeiros, as doceiras, os tasqueiros, toda aquela gente vendia qualquer coisa; apareciam também os da “vermelhinha”, mas os fiscais da Câmara Municipal a esses não perdoava, escorraçava-os como a cães vadios. Jogo, só lotaria, ou roleta. Mas já nessa altura se jogava nos Cafés da vila a dinheiro, todo o mundo sabia, mas as autoridades de então fechavam os olhos. De vez, em quando, os altifalantes silenciavam-se para dar lugar à banda de música; a de Melgaço era famosa, pois tinha a dirigi-la o extraordinário maestro Morais, antigo sargento músico da marinha. À noite havia baile, mas só até à meia-noite, porque no dia seguinte toda a gente trabalhava, não é como agora que acabam de madrugada! A luz elétrica, fora da sede do concelho, era improvisada, ainda estávamos no tempo dos candeeiros a petróleo. A orquestra galega, bem afinada, transmitia uma onda de alegria contagiante. Como disse o “Mário de Prado”: «aquilo é que eram festas       

     As festas do concelho em nossos dias têm um programa riquíssimo de eventos, custam uma pequena fortuna, mas em contrapartida trazem a Melgaço centenas de turistas, emigrantes, pessoas de todo o lado. É quase impossível assistir-se a tudo: feira do vinho alvarinho, feira do livro, de artes e ofícios, diversas exposições, jogos de futebol, etc. Os Zés Pereiras por lá andavam e também os gaiteiros de Parada do Monte. Assisti, comovido, à representação da peça de teatro «São João vem a Melgaço», da autoria de Vasco de Almeida. Ao palco, erguido junto dos Paços do Concelho, subiu o grupo Os Simples, constituído por artistas amadores, alguns já na casa dos sessenta anos, mas ainda dinâmicos e brilhantes. A representação foi perfeita; o que correu mal não é culpa dos atores. E o que falhou foi o som – ouvia-se mal, a maior parte das pessoas não percebeu quase nada do que se dizia em palco. Para o ano, caso voltem a exibi-la, sugiro que distribuam pelos assistentes, uma hora antes do espetáculo, um folheto da peça, como se costuma fazer no teatro São Carlos de Lisboa. A seguir tivemos folclore internacional: Arménia, Bielorrússia, Roménia, Ilhas Fortuna e México, mostraram as suas danças populares. Eu não vi, embora aprecie, mas como gosto mais de cinema fui ver um filme ao ar livre junto ao Museu do Cinema, inaugurado recentemente. Que sorte teve Melgaço com a vinda de Jean Loup Passek, senhor de nacionalidade francesa. Qualquer cidade grande, Lisboa ou Porto, ficariam orgulhosas por terem ali o museu; mas não, é nosso! No dia seguinte, sábado, 6 de Agosto, houve rafting logo pela manhã – descida do rio Minho. Para quem gosta, é lindo. Às onze horas as ruas da vila foram animadas pelos pauliteiros de Fonte de Aldeia, Miranda do Douro. Aqueles homens, vestidos com saias, dançam, pulam, exibem coreografias espetaculares. Às dezasseis horas, no Salão Nobre da Câmara Municipal, aconteceu um evento da maior relevância: a apresentação do Boletim Cultural, o número quatro. O Professor Doutor José Marques, tendo a seu lado a vereadora da cultura, professora Maria José Nóvoas de Pinho Gonçalves Codesso e o Professor Doutor Albertino Gonçalves apresentou-o, como só ele o sabe fazer. Os artigos aí inseridos são de uma riqueza incalculável, e aborda alguns assuntos preocupantes – a velhice, por exemplo. Todos os melgacenses deviam ter em sua casa o dito Boletim e lê-lo com particular cuidado. Nele estão escritas partes da história melgacense, história que todos nós, sem exceção, devíamos conhecer. Ainda nesse dia, e depois de uma breve visita ao Museu de Cinema, encaminhámo-nos para o castelo, onde iria decorrer, a partir das vinte e uma horas e trinta minutos, a já famosa ceia medieval. À entrada mostramos os bilhetes, ou convites, conforme o caso, e recebemos umas vestes parecidas com aquelas que se usavam na idade média, mais concretamente no século XIV, no tempo de D. João I. Têm uma vantagem: protegem a nossa roupa das nódoas do vinho e do molho da carne. No recinto do castelo encontrei o presidente da Câmara, Rui Solheiro, e o Dr. Sampaio, do Turismo, com quem tive o privilégio de conversar. O Dr. Sampaio ainda tem muita energia e sabe o que quer para o Alto Minho. Antes da refeição pudemos ver a peça A Lenda de Inês Negra, representada pela Companhia de Teatro “Comédias do Minho”. Foi pouco mais de meia hora de espetáculo, excelentemente representado. Os atores, ainda jovens, têm imenso talento. Por sorte, tive-os na mesma mesa onde eu e o meu irmão José nos sentáramos. Gente simpática e educada. Acerca da dita peça, sugeri ao senhor presidente da Câmara e ao Dr. Sampaio que para o ano se escolha outra, relacionada com a história do concelho, esta já vem sendo exibida há demasiado tempo, necessita de descanso.                 

     A ementa foi ótima: chouriço assado, perdiz, veado, pão de milho e de centeio, queijo, vinto tinto da região, e água. Tudo excelente. No fim as pessoas já tinham alguma dificuldade em erguer-se, estávamos pesados! Por ter ido à ceia não pude ouvir e ver, no Largo Hermenegildo Solheiro, Patrícia Cardoso e os Rabo de Saia. Fica para a próxima. No dia seguinte, domingo, foi um dia em cheio: às onze horas e trinta minutos, no salão nobre do Solar do Alvarinho, antigo tribunal e cadeia, entregaram-se os prémios do concurso “Jogos Florais”. Eu, que participei tantos anos nestes jogos, tendo obtido três prémios (ouro, prata e bronze), desta vez não estive lá! Levantei-me tarde e por isso não pude ir. Que pena! À mesma hora houve no convento das Carvalhiças, fundado pelos franciscanos no século XVIII, uma missa solene e sermão. Às quinze e trinta percorreu algumas ruas da vila um cortejo etnográfico e cultural. Às dezoito horas, no centro de estágios, aconteceu um jogo de futebol entre as equipas do Marítimo, que ali estagiava, e o Penafiel. Não fui ver, apesar de gostar muito dessa modalidade desportiva. Perto das vinte e três horas começou a ouvir-se, num palco instalado no Campo da Feira, o grupo “Mesa”. Nunca tinha ouvido falar desse conjunto musical; a vocalista, cujo nome não fixei, tem uma voz agradável. A seguir surgem no palco os “GNR”. Rui Reininho ainda canta bem, embora eu não goste desse tipo de música nem da sua voz. Quando terminaram, por volta da uma da manhã, assistiu-se a um fabuloso espetáculo de pirotecnia, controlado por computador e acompanhado por música clássica. Gostei. No entanto, uma espécie de nevoeiro prejudicou imenso a visibilidade; por outro lado, o lançamento fez-se muito próximo do público, não existindo praticamente horizonte. Os técnicos deveriam debruçar-se sobre este pormenor – uma distância razoável enriqueceria sobremaneira o dito espetáculo.

     E eis, em resumo, o que se passou na vigésima terceira edição das Festas de Melgaço. Está de parabéns a Câmara Municipal pela sua organização, e todas as pessoas que colaboraram, que a elas dedicaram muitos dias de entrega e o seu precioso saber. Quanto ao dinheiro gasto, isso já é tema para a oposição política.               

 

Artigo publicado no Fronteira Notícias n.º 15, de 10/9/2005.

 

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