ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
convento dos frades franciscanos - Carvalhiças |
// continuação...
AS FESTAS DE MELGAÇO: ANO DE 2005
Neste ano de 2005 fui às festas do concelho.
Tão diferentes daquelas que outrora – anos cinquenta e sessenta do século XX –
se faziam nas diversas freguesias. A manhã estava destinada à missa: pagavam-se
as promessas, rezava-se, ouvia-se o orador sacro com enorme atenção. Antes e
depois da mesma a vedeta era o altifalante, cujos discos, com música do Trio
Odemira, António Mafra, e outros mais, e pelo meio um fado de Amália e da
Hermínia, a todos extasiava! Terminada a missa, toda a gente estendia, debaixo
das frondosas árvores, o farnel com o frango estufado, panados, arroz do forno,
com aquela cor amarela do açafrão, pão de milho e centeio, e o indispensável
vinho verde, de preferência tinto. Depois do repasto os mais velhos, bem bebidos,
dormiam a sesta; os jovens iam namorar, e a música continuava. À volta da
igreja, no terreiro, instalavam-se os tendeiros, as doceiras, os tasqueiros,
toda aquela gente vendia qualquer coisa; apareciam também os da “vermelhinha”,
mas os fiscais da Câmara Municipal a esses não perdoava, escorraçava-os como a
cães vadios. Jogo, só lotaria, ou roleta. Mas já nessa altura se jogava nos
Cafés da vila a dinheiro, todo o mundo sabia, mas as autoridades de então
fechavam os olhos. De vez, em quando, os altifalantes silenciavam-se para dar
lugar à banda de música; a de Melgaço era famosa, pois tinha a dirigi-la o
extraordinário maestro Morais, antigo sargento músico da marinha. À noite havia
baile, mas só até à meia-noite, porque no dia seguinte toda a gente trabalhava,
não é como agora que acabam de madrugada! A luz elétrica, fora da sede do
concelho, era improvisada, ainda estávamos no tempo dos candeeiros a petróleo.
A orquestra galega, bem afinada, transmitia uma onda de alegria contagiante.
Como disse o “Mário de Prado”: «aquilo é
que eram festas!»
As festas do concelho em nossos dias têm
um programa riquíssimo de eventos, custam uma pequena fortuna, mas em
contrapartida trazem a Melgaço centenas de turistas, emigrantes, pessoas de
todo o lado. É quase impossível assistir-se a tudo: feira do vinho alvarinho,
feira do livro, de artes e ofícios, diversas exposições, jogos de futebol, etc.
Os Zés Pereiras por lá andavam e também os gaiteiros de Parada do Monte.
Assisti, comovido, à representação da peça de teatro «São João vem a Melgaço»,
da autoria de Vasco de Almeida. Ao palco, erguido junto dos Paços do Concelho,
subiu o grupo Os Simples,
constituído por artistas amadores, alguns já na casa dos sessenta anos, mas
ainda dinâmicos e brilhantes. A representação foi perfeita; o que correu mal
não é culpa dos atores. E o que falhou foi o som – ouvia-se mal, a maior parte
das pessoas não percebeu quase nada do que se dizia em palco. Para o ano, caso
voltem a exibi-la, sugiro que distribuam pelos assistentes, uma hora antes do
espetáculo, um folheto da peça, como se costuma fazer no teatro São Carlos de
Lisboa. A seguir tivemos folclore internacional: Arménia, Bielorrússia,
Roménia, Ilhas Fortuna e México, mostraram as suas danças populares. Eu não vi,
embora aprecie, mas como gosto mais de cinema fui ver um filme ao ar livre
junto ao Museu do Cinema, inaugurado recentemente. Que sorte teve Melgaço com a
vinda de Jean Loup Passek, senhor de nacionalidade francesa. Qualquer cidade
grande, Lisboa ou Porto, ficariam orgulhosas por terem ali o museu; mas não, é
nosso! No dia seguinte, sábado, 6 de Agosto, houve rafting logo pela manhã –
descida do rio Minho. Para quem gosta, é lindo. Às onze horas as ruas da vila
foram animadas pelos pauliteiros de Fonte de Aldeia, Miranda do Douro. Aqueles
homens, vestidos com saias, dançam, pulam, exibem coreografias espetaculares.
Às dezasseis horas, no Salão Nobre da Câmara Municipal, aconteceu um evento da
maior relevância: a apresentação do Boletim Cultural, o número quatro. O Professor
Doutor José Marques, tendo a seu lado a vereadora da cultura, professora Maria
José Nóvoas de Pinho Gonçalves Codesso e o Professor Doutor Albertino Gonçalves
apresentou-o, como só ele o sabe fazer. Os artigos aí inseridos são de uma riqueza
incalculável, e aborda alguns assuntos preocupantes – a velhice, por exemplo.
Todos os melgacenses deviam ter em sua casa o dito Boletim e lê-lo com
particular cuidado. Nele estão escritas partes da história melgacense, história
que todos nós, sem exceção, devíamos conhecer. Ainda nesse dia, e depois de uma
breve visita ao Museu de Cinema, encaminhámo-nos para o castelo, onde iria
decorrer, a partir das vinte e uma horas e trinta minutos, a já famosa ceia
medieval. À entrada mostramos os bilhetes, ou convites, conforme o caso, e recebemos
umas vestes parecidas com aquelas que se usavam na idade média, mais
concretamente no século XIV, no tempo de D. João I. Têm uma vantagem: protegem
a nossa roupa das nódoas do vinho e do molho da carne. No recinto do castelo
encontrei o presidente da Câmara, Rui Solheiro, e o Dr. Sampaio, do Turismo,
com quem tive o privilégio de conversar. O Dr. Sampaio ainda tem muita energia
e sabe o que quer para o Alto Minho. Antes da refeição pudemos ver a peça A Lenda de Inês Negra, representada
pela Companhia de Teatro “Comédias do Minho”. Foi pouco mais de meia hora de
espetáculo, excelentemente representado. Os atores, ainda jovens, têm imenso
talento. Por sorte, tive-os na mesma mesa onde eu e o meu irmão José nos sentáramos.
Gente simpática e educada. Acerca da dita peça, sugeri ao senhor presidente da
Câmara e ao Dr. Sampaio que para o ano se escolha outra, relacionada com a
história do concelho, esta já vem sendo exibida há demasiado tempo, necessita
de descanso.
A ementa foi ótima: chouriço assado,
perdiz, veado, pão de milho e de centeio, queijo, vinto tinto da região, e
água. Tudo excelente. No fim as pessoas já tinham alguma dificuldade em
erguer-se, estávamos pesados! Por ter ido à ceia não pude ouvir e ver, no Largo
Hermenegildo Solheiro, Patrícia Cardoso e os Rabo de Saia. Fica para a próxima.
No dia seguinte, domingo, foi um dia em cheio: às onze horas e trinta minutos,
no salão nobre do Solar do Alvarinho, antigo tribunal e cadeia, entregaram-se
os prémios do concurso “Jogos Florais”. Eu, que participei tantos anos nestes
jogos, tendo obtido três prémios (ouro, prata e bronze), desta vez não estive
lá! Levantei-me tarde e por isso não pude ir. Que pena! À mesma hora houve no
convento das Carvalhiças, fundado pelos franciscanos no século XVIII, uma missa
solene e sermão. Às quinze e trinta percorreu algumas ruas da vila um cortejo
etnográfico e cultural. Às dezoito horas, no centro de estágios, aconteceu um
jogo de futebol entre as equipas do Marítimo, que ali estagiava, e o Penafiel.
Não fui ver, apesar de gostar muito dessa modalidade desportiva. Perto das
vinte e três horas começou a ouvir-se, num palco instalado no Campo da Feira, o
grupo “Mesa”. Nunca tinha ouvido falar desse conjunto musical; a vocalista,
cujo nome não fixei, tem uma voz agradável. A seguir surgem no palco os “GNR”.
Rui Reininho ainda canta bem, embora eu não goste desse tipo de música nem da
sua voz. Quando terminaram, por volta da uma da manhã, assistiu-se a um fabuloso
espetáculo de pirotecnia, controlado por computador e acompanhado por música
clássica. Gostei. No entanto, uma espécie de nevoeiro prejudicou imenso a
visibilidade; por outro lado, o lançamento fez-se muito próximo do público, não
existindo praticamente horizonte. Os técnicos deveriam debruçar-se sobre este
pormenor – uma distância razoável enriqueceria sobremaneira o dito espetáculo.
E eis, em resumo, o que se passou na
vigésima terceira edição das Festas de Melgaço. Está de parabéns a Câmara
Municipal pela sua organização, e todas as pessoas que colaboraram, que a elas
dedicaram muitos dias de entrega e o seu precioso saber. Quanto ao dinheiro
gasto, isso já é tema para a oposição política.
Artigo publicado no Fronteira Notícias n.º 15, de 10/9/2005.
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