MELGAÇO: PADRES, MONGES E FRADES.
Por Joaquim A. Rocha
desenho de Luís Filipe Gonzaga Pinto Rodrigues |
// continuação…
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 83, de
26/10/1930: «Serões em Família. Terceiro
elemento da Trindade Educadora – Razão de Ser e Missão – Testemunhos Célebres –
Base de Todo o Progresso e Bem-Estar. // A crença universal de todos os povos
de que fazem parte o testemunho particular da nossa própria consciência e as
aspirações nobilíssimas do nosso coração, atesta-nos que com a morte começa
outra vida, melhor e mais duradoira, e cuja sorte depende da livre escolha do
homem. Como toda a vida racional é atividade consciente, e a atividade é luta
para alcançar um determinado fim, essa vida, para ser feliz, teve de ser
conquistada à custa de muitos e porfiados trabalhos, que importa orientar bem.
Assim como há uma sociedade que busca aos homens a sua felicidade temporal,
assim há outra sociedade, de ordem superior – a ordem sobrenatural – que dirige
a atividade humana em ordem à felicidade eterna: - a Igreja. A sua doutrina
está de tal modo de harmonia com a natureza humana, que lhe garante não só a
felicidade eterna, mas ainda o bem-estar e felicidade temporais. Isto prova
irrefragavelmente a verdade, tantas vezes afirmada pelos teólogos, que a ordem
sobrenatural – a ordem da graça – não destrói, mas aperfeiçoa a ordem da
natureza. É como que um complemento da lei natural, reflexo da divina lei
inscrita no coração dos homens. “Coisa admirável” – escreveu Montesquieu. A
religião cristã, que parecia não alvejar outro fim que o da nossa felicidade na
outra vida, assegura-a também nesta, a religião e a felicidade dos povos. E por
isso, conclui logicamente: “Combate-la é um absurdo social.” // Júlio Simão
deixou-nos esta sentença, não menos verdadeira e exata do que autorizada e
insuspeita: “guerrear o cristianismo é
guerrear a civilização, pois a doutrina contida no catecismo civilizou, só por
si, o mundo.” Se atendermos ao estado de confusão e desordem do mundo
romano quando os discípulos fervorosos do Mestre Divino espalharam o
catolicismo pelo imenso império e verificarmos os frutos que logo produziu,
necessariamente damos razão aos dois autores acima citados. E Thiers,
referindo-se exatamente a este capítulo da História, afirma: “Sem o catolicismo
o mundo cairia no caos.” // Adentro da Igreja nascente começou a desenvolver-se
a mais formidável e gigantesca obra de reconstrução social que a História
regista ainda, obra que perdurou e continuará através dos séculos. “Quando se
tem assistido de perto a este espetáculo – diz Taine, o positivista – pode
avaliar-se a influência do cristianismo nas nossas modernas sociedades, pois é
ele que traz o pudor, a doçura, a humanidade que, entre nós, conserva a
honradez, a boa-fé, a justiça. Nem a razão filosófica, nem a cultura artística
e literária, numa honra feudal, militar ou cavalheiresca, nem os códigos, nem
os governos, nem as administrações, podem substitui-lo nesta obra benéfica.” //
“Em uma sociedade verdadeiramente católica, acrescenta Donoso Cortés, são
impossíveis duas coisas: o despotismo e a revolução.” Se é certo que grande
parte dos católicos não são tão bons como a doutrina que professam, foi preciso
abandoná-la, ao menos praticamente, para que estes flagelos aparecessem nas
nações cristãs, foi necessário proferir e aceitar o erro e seguir o tradicional
ódio semita para fomentar as discórdias que a História menciona…»…J.G.M.Barcense).
Comentário: Este texto ultrapassa a visão humana quanto ao tempo de
vida real e imaginada. Fala-nos de duas vidas: esta que vivemos no planeta
Terra, curta, cheia de percalços, de incidentes, de desilusões, em alguns casos
prenhe de infelicidade, e a outra, sobrenatural, eterna, a qual foi – segundo o
autor do texto – escolhida por nós enquanto vivemos na terra. É óbvio que o
bebé que morre vai direito ao céu, porque não teve tempo de praticar maldades,
os ditos pecados. Os adultos, esses, podem escolher: se obedecerem às leis da
igreja católica, se derem uma sopinha aos pobrezinhos, se forem à missa pelo menos
uma vez por semana, e deixarem ali uma boa esmola, esses, depois da morte,
poder-se-ão sentar ao lado dos santos, ouvindo a música, o cântico dos anjos. É
óbvio que a vida não é isso. Depende muito da família onde se nasce. Um casal
remediado ou rico pode proporcionar aos filhos uma boa educação, ótima
formação, enfim, uma segura escada para subirem a empregos bem remunerados.
Quanto ao casal pobre, com pouquíssimo poder de compra, que poderá oferecer aos
filhos? O senhor que escreveu este naco de prosa não deve ter conhecido a fome,
a humilhação, a falta de tudo. Nenhuma religião, por mais sã que ela seja, pode
satisfazer as necessidades primárias do ser humano; até porque os membros das religiões
não dão, recebem. E se alguma vez dão é porque estão apenas a servir de
intermediários. // Outra coisa: antes do
cristianismo, com o seu deus único – pai, filho, espírito santo – existiram
várias civilizações no planeta, com os seus heróis, os seus santos, os seus
deuses e deusas, tudo em relativa harmonia. E, como nada é eterno,
desapareceram, ou hibernam há séculos. A
imaginação do ser humano não tem limites, daí nascerem religiões, crenças, como
nascem cogumelos; e tal como no conto, acrescenta-se-lhe sempre um ponto. Estes
teóricos normalmente mencionam pensadores, figuras famosas, para afirmarem a
sua teoria, mas raro ou nunca falam de outros que jamais a aceitaram, mesmo
sendo perseguidos e torturados. Quanto a mim, este senhor ultrapassou todas as
fronteiras do bom senso, pontapeando em cada frase a realidade, indo até além
do absurdo. Como é que nós, humanos, podemos saber o que se passa depois da
morte? Há céu e inferno? Há purgatório? Há de facto tudo que nós quisermos, ou
não, mas somente durante aqueles anos de vida; quando fechamos os olhos tudo
termina, é o fim. Jesus ressuscitou, segundo a bíblia. E nós?
J.G.M. continua com a sua escrita assertiva, sem quaisquer dúvidas,
fazendo-nos crer que não se pode viver fora da religião cristã, sobretudo à
margem do catolicismo. Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 84, de 2/11/1930: «A razão: lei e experiência. Um facto
histórico; Abraão Shelley – A História confirmando o 1.º capítulo da epístola
aos romanos. Quimera que sempre o será e uma sentença de Bacon. = A razão humana orienta-se no exercício da sua
atividade, pela lei, natural ou positiva, e pela experiência. Se a lei é um
farol que lhe indica o caminho a trilhar, a experiência é um guia prático que
lhe toma a mão para mais facilmente o percorrer. A experiência é pessoal e
coletiva, ou histórica. A pessoa, se bem que utilíssima, está sujeita a erros;
porém, a experiência histórica é de valor apreciabilíssimo: um facto verificado
através dos séculos não pode deixar de ser admitido. Pois bem: ouçamos um
importantíssimo depoimento da História: a incredulidade e suas consequências
são a causa da infelicidade da humanidade. Escreveu algures Abraão Shelley: -
“Muitos lutadores se perderam na vida por darem ouvidos de mais à
incredulidade. Os ímpios são hediondos como sacrílegos e honrosos como inimigos
da felicidade humana; insultando ou negando Deus, infelicitam quem os ouve e
neles crê.” No meio social, onde se desprezou o elemento religioso, aparecem os
vícios, corrompem-se os costumes, pervertem-se os carateres, rompem-se e
pulverizam-se os laços que ligam os homens; o homem torna-se o lobo do seu
semelhante, não há harmonia social, o crime campeia descomedido e impune, o
respeito mútuo é coisa vã e irrisória, as paixões estuam grotescamente. Como
afirma São Paulo na sua epístola aos romanos, Deus entrega aqueles que
abandonam a sua lei, os seus mandamentos, aos desejos do seu corrompido
coração, aos instintos brutais da natureza humana decaída. Pensou-se que a
difusão da instrução – laica, note-se – reformaria a sociedade, e a guiaria a
uma era nova. Como se enganam tais homenzinhos! A ilustração superficial, sem o
temor de Deus, só produz socialistas, materialistas e anarquistas.” “A
instrução – diz Monsieur Guizot – não tem valor algum sem a educação, nem esta
sem a religião” – afirmação que o nosso purista Antero de Figueiredo corrobora:
”antes de tudo, o homem deve ser religioso; depois educado e instruído. A
ciência não basta para edificar a alma humana, é preciso a fé.” É por isso
mesmo que nenhum verdadeiro sábio, que aproveita proficuamente as grandes
lições da natureza e da história, pode ser irreligioso ou ateu. Já Bacon o
disse: “a verdadeira ciência conduz a Deus, a meia ciência ao ateísmo.”
No
Notícias de Melgaço n.º 85, de 9/11/1930, continua a sua escrita pró religião
católica. Começa por nos recordar: «Se
houvermos de avaliar a grandeza e sublimidade da doutrina cristã pelos seus
frutos (…) somos convencidos e persuadidos a admitir que é uma doutrina divina
e que Deus jamais abandona a sua Igreja, a cuja guarda – sempre fiel e prudente
– a confiou.» E mais à frente J.G.M. lembra-nos: «… todos os conhecimentos relativos ao grande problema da vida se acham
resumidos num pequeno livro em que a Igreja formula e sintetiza o Evangelho – o
Catecismo.»
Comentário: depois de ler os escritos desse senhor depressa se chega a uma
conclusão – para ele, as ciências perante os evangelhos, o catecismo, nada
valem, são lixo! Ora nós, os estudiosos, sabemos que a maior parte dos textos
bíblicos são pura fantasia, leitura para crianças. As religiões foram criadas
por alguns seres humanos. Todas elas buscam o poder, através da força, a
submissão dos outros seres. O imperador Constantino disse aos primeiros
cristãos: «Eu aceito a vossa religião se
aceitardes as minhas regras – o vosso Deus manda no céu e eu mando na Terra.»
Os arautos de Jesus aceitaram e por isso deixaram de ser perseguidos. E deste
modo foi crescendo a religião cristã, apesar das lutas internas.
// continua...
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