segunda-feira, 27 de julho de 2020


 
ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
// continuação...
 
 
FIM DE SÉCULO COM CHAVE DE OURO

  
     Melgaço não será mais uma vila ignorada. No passado, não muito longínquo, os governantes gostavam de lembrar ao mundo que Portugal ia de «Valença a Timor»! Monção e Melgaço viviam o sono das terras esquecidas, praças de guerra medievais, num letargo doce e patético. Em alguns mapas de Portugal essas duas vilas do Alto Minho nem sequer apareciam! Os melgacenses, com uma taxa de analfabetismo enorme, com carências de toda a ordem, nada faziam para alterar essa injustiça. Até há uns anos atrás pouco se fez no sentido de inverter essa triste realidade. Existiram dois grandes homens que poderiam ter feito muito mais pela sua e nossa terra. O primeiro, padre Aníbal Bernardo Vasconcelos Mourão Rodrigues Passos, nascido na vila a 23/12/1867, colaborou no jornal «O Melgacense», de José Cândido Gomes de Abreu; porém, foi atraído pela capital do país e ali foi jornalista do Jornal de Notícias, Zé-Povinho, O Século, A Pátria, entre outros; foi chefe de gabinete do Dr. Alfredo de Magalhães no governo de Sidónio Pais; escreveu «Tragédia de Lisboa» logo após o regicídio de 1/2/1908. Morreu em Lisboa a 8/1/1934 e jaz no cemitério do Lumiar. Era um brilhante orador. // O segundo, Luís Filipe Gonzaga Pinto Rodrigues, nasceu também na vila, a 21/3/1887; fez os seus estudos em Viana do Castelo e em Braga; depois em Coimbra, a partir de 1905. Acabado o curso de leis abriu em Melgaço escritório de advocacia. Apercebe-se que o nosso rincão é demasiado pequeno para ele e parte para Viana; em 1913 é administrador dessa cidade minhota. Em 1914 era notário em Monção. Esteve nessa vila vinte e cinco anos, depois mudou outra vez para Viana. Foi um caricaturista notável. Ainda não há muito tempo que na Casa da Cultura houve uma exposição de alguns dos seus belos desenhos. Faleceu a 10/8/1949. // Miguel Ângelo Ferreira (vila de Melgaço, 1906 - Brasil, 1996) fez o que pôde em prol de Melgaço, mas como ninguém pode alimentar o espírito somente de recordações, teve de viver a sua vida de acordo com as influências que foi recebendo no seu dia-a-dia. Mesmo assim, o seu livro «Maria dos Tojos» ou «Serra Brava», onde retrata o quotidiano castrejo nas décadas de vinte e trinta deste século, é um marco na literatura melgacense. Outro dos seus livros, «Flauta Mágica», também tem por assunto reminiscências da sua infância passada na vila de Melgaço. O conde de Sabugosa, António Maria José Melo Silva César Menezes (13/2/1854 – 21/5/1923), natural de Lisboa, no seu livro «Neves de Antanho», publicado em 1919, desenvolve magistralmente a lenda de Inês Negra e dá assim a conhecer ao país um pouco do passado melgacense. O assunto foi buscá-lo às crónicas de Fernão Lopes e Duarte Nunes de Leão. O Ministério das Obras Públicas e Comunicações (Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais) publicou em Março de 1940 o boletim n.º 19, cujo tema é a igreja, ou capela, de Nossa Senhora da Orada, sita em Melgaço. Em 1949 saiu a lume a obra «Melgaço, Estância Termal», escrita por Edmundo Correia Lopes, encomendada pela empresa «Vidago, Melgaço, & Pedras Salgadas», mas cuja divulgação foi praticamente nula. Apenas neste século XX (1/1/1901-31/12/2000) surgiram mulheres e homens de Melgaço a remar contra a maré. Uma das primeiras figuras, embora tenha nascido no século XIX, foi o Dr. Augusto César Esteves que, em artigos de jornal e em diversos ensaios, conseguiu de certo modo fazer obra e criar escola. Os seus livros: «Melgaço, Sentinela do Alto Minho» (três volumes); «Melgaço e as Invasões Francesas»; «Organização Judicial de Melgaço»; «Santa Casa da Misericórdia de Melgaço»; «Ensino da História de Melgaço na Escola Primária», e a edição póstuma de «O Meu Livro das Gerações Melgacenses», em dois volumes, deram ao nosso concelho a dimensão que lhe faltava, preencheram uma lacuna secular. Depois vieram os livros do padre Bernardo Pintor, sobretudo aquele grande livrinho «Melgaço Medieval». Outro contributo assaz relevante para a memória e património cultural do concelho, embora limitado a um monumento - «O Mosteiro de Fiães» - foi dado pelo Dr. José Marques, professor de História e de outras disciplinas na Universidade do Porto, o qual colaborou também no livro «VI Centenário da Tomada do Castelo de Melgaço.» Em 1993 surge-nos o livro «Melgaço», escrito por J. Marques Rocha, cujo valor é discutível. A Câmara Municipal de Melgaço também nos brindou com livros de algum interesse, apoiou financeiramente duas ou três edições, mas muito mais poderia fazer.


     Tudo o que acima escrevi serve de introdução ao valiosíssimo contributo que a família Vaz tem dado desde 1946, com o primeiro número de «A Voz de Melgaço», até ao ano 2000, com a recente publicação do «Melgaço 2000 – Roteiro». Nesse intervalo de tempo apareceram duas obras fundamentais para o conhecimento de Melgaço e do seu povo: «Na Terra de Inês Negra», obra editada em 1993, da autoria do padre Júlio Vaz; do dito autor veio a público o «Padre Júlio Vaz apresenta Mário», homenagem póstuma e merecida ao nosso querido melgacense Aldomar Rodrigues Soares.

     Acerca do «Melgaço 2000 – Roteiro» só posso ter palavras elogiosas, pois a sua qualidade, quer de texto, quer no aspeto gráfico, atingiu um grau de perfeição quase inultrapassável. Melgaço está ali: a sua história, a sua geografia, os monumentos, costumes ancestrais... É um trabalho de mestres, de pessoas que sabem perfeitamente o que querem e como consegui-lo. E não existe ali superficialidade porque ambos os autores, A. Luís Vaz e Carlos Nuno Vaz, são pessoas que amam a sua terra, conhecem-na palmo a palmo, e só desejam contribuir para a sua grandeza. O Doutor José Marques deu uma preciosa ajuda, mostrando o saudável exemplo de que viver fora do concelho não significa de maneira alguma esquecê-lo.

     As excelentes fotografias tornam o texto mais legível, e os mapas, sabiamente escolhidos, elucidam o leitor, fixam-no no tempo e no espaço. Depois de se consultar este roteiro ninguém pode alegar ignorância acerca de Melgaço – está ali quase tudo! Que sorte teve a nossa terra e a nossa gente com o aparecimento deste roteiro, que é bem mais do que isso. Outras terras, muito mais ricas e desenvolvidas do que a nossa, não se podem gabar de ter uma obra destas! Bem hajam os autores e um muito obrigado. E que bela lição eles deram àqueles que pouco ou nada fazem para tornar Melgaço mais conhecido no exterior! Porque, caros conterrâneos, não esperem que sejam os outros a relevar o que é nosso; temos de ser nós a fazê-lo. E cada um de nós pode dar alguma coisa, por mais pequena que seja. E muita da riqueza que se vier a obter no futuro passará sem dúvida pelo turismo; não um turismo selvagem, sem regras, mas civilizado e respeitador do ambiente e dos costumes das gentes do termo. Um importante passo foi agora dado; oxalá todo o povo de Melgaço saiba apreciar o esforço que foi feito.                       

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1144, de 1/9/2000.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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