UM MELGACENSE POR ADOPÇÃO
Casa do Rio do Porto - Melgaço |
SILVA, Ernesto Viriato (*). Filho de Maria Beatriz Ferreira
da Silva (**), solteira, doméstica, natural da freguesia de São Vítor, Braga,
moradora na freguesia da Sé Primaz, da mesma cidade. Nasceu na freguesia da Sé,
Braga, a 27/12/1893. // Estudou no liceu, filiando-se na Liga Académica
Republicana e no Centro Republicano Dr. Manuel Monteiro. // Veio para Melgaço,
transferido de Cabeceiras de Basto, a fim de chefiar a secção de finanças deste
concelho, substituindo assim Luís de Passos Viana, que fora transferido para
Valença, tomando posse a um sábado, -- de Março de 1918; essa posse foi-lhe
conferida pelo aspirante de finanças, Manuel José da Costa (ver JM 1197, de 2/3/1918, e JM 1199, de 16/3/1918). // Aqui casou a 21/9/1918 com Maria Margarida, de 23 anos
de idade, solteira, da Vila de Melgaço, filha de António Joaquim Esteves e de
Ludovina da Glória Álvares de Barros, comerciantes na Loja Nova. Testemunhas:
José dos Anjos Pereira Valente, casado, capitão do exército, e Luciana Marcela,
solteira, professora da instrução primária, ambos da capital do Minho. // Em
Melgaço moraram posteriormente no antigo solar dos Cunha Araújo, sito no Rio do
Porto, que ele comprara (com dinheiro emprestado por seu sogro, certamente). //
Juntamente com Hermenegildo José Solheiro, Dr. António José Joaquim Barros
Durães, e professor Abel Nogueira Dantas, fundou, a 21/2/1926, o semanário “O
Melgacense”, do qual assumiu a direção. // Foi governador civil de Viana do
Castelo de 1925 a 1926, mas devido a problemas de ordem política, e por ser
filiado no Partido Democrático, foi preso e julgado como comparticipante do
“Movimento de 3/2/1927”, demitido do cargo, sendo-lhe fixada residência em
Sines, de onde regressou a 17/6/1928. // Como perdeu o emprego nas Finanças, em
1929 teve de ir trabalhar na Companhia Hidro Eléctrica do Varosa, onde foi
delegado gerente (1939); em
1940 já era diretor. Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 3, de 3/3/1929: «Paderne,
22/2/1929. De todos os leitores do Notícias de Melgaço é sabido que terminou a
sua publicação neste concelho o jornal “Melgacense”, do qual foi muito digno
diretor político o nosso amigo Sr. Ernesto Viririato da Silva. Determinou a sua
suspensão, ainda que provisoriamente, a saída daquele nosso amigo do cargo que
ocupava, para ir, como já foi, exercer outro não menos espinhoso, qual é o de
diretor dos serviços administrativos da Companhia Hidroelétrica do Varoza,
fixando a sua residência na Régua, como participou aos seus amigos, e aonde
ofereceu os seus serviços, que podem ser muito valiosos, como sempre. Àquele
semanário “Melgacense” deu aquele nosso amigo o melhor do seu esforço, do seu
cérebro, da sua atividade, enfim, da sua preclara e lúcida inteligência. Amigos
como somos, fui correspondente daquele semanário, a seu pedido, e por isso
mesmo senti muito a sua saída porque se nos confrange a alma sempre que vemos
desaparecer do convívio da sua família, que o adora, e dos seus numerosos
amigos, que o estimam, homens como Ferreira da Silva. Tivemos ocasião de
conhecer muito de perto os predicados que lhe exornam o seu caráter impoluto, a
nobreza da sua alma; e, porque lhe não foi possível despedir-se de nós
pessoalmente, daqui lhe enviamos um efusivo abraço, e as nossas mais sinceras
saudações.» // Manuel N. do Outeiro.
Nos seus tempos
livres inscreveu-se no Clube dos Fenianos, chegando a presidente em 1939. //
Foi secretário do Ateneu Comercial do Porto de 1940 a 1944. // Por eleições
havidas em 1945, ascendeu ao lugar de presidente da Associação dos Bombeiros
Voluntários do Porto. // No “Notícias de Melgaço n.º 755, de 4/11/1945, pode
ler-se uma entrevista sua, concedida a Vasco Gama de Almeida. // A partir do
número 1460, de 3/2/1963, torna-se diretor do “Notícias de Melgaço”. // Lê-se
no Notícias de Melgaço n.º 1559, de 20/6/1965, um artigo algo estranho, por si
escrito, ao qual deu o título de Delitos
Morais: «No conturbado mundo em que vivemos,
é com a maior tristeza que notamos certos delitos morais, derivados (!) de
indivíduos cuja deformação educacional faz sobressair os ruins instintos
congénitos ou adquiridos numa convivência nociva, com total alheamento dos sãos
princípios em que deve fundamentar-se uma sociedade razoavelmente equilibrada.
É difícil classificar e ordenar os vícios de consciência e os desvios da
inteligência dos espécimens transviados da reta linha de conduta que constitue
o fundamento e a base da organização social e das relações entre os seus
elementos gregários. Na deambulação que nos propomos fazer através do que
consideramos delitos morais, temos em vista a definição das regras gerais e dos
preceitos estabelecidos pela experiência da vida coletiva, a partir da
associação tribal e sua adaptação e afeiçoamento às sociedades bem constituídas
em que a humanidade se reúne, auxilia, fraterniza, luta e trabalha com devoção
e lealdade, sem soberba e sem atropelamento dos sentimentos e da estabilidade
da ordem comunal. Ao enunciarmos algumas regras gerais, é evidente que
repelimos a ideia de visar, intencionalmente, quem quer que possa ajustar a
crítica às suas pessoas e, como se acentua nas representações da sétima arte,
qualquer semelhança ou afinidade dos agentes de possíveis delitos deverá ser
considerada mera coincidência. Portanto, ninguém deverá sentir-se
individualmente atingido quando a carapuça lhe sirva ou se adapte perfeitamente
à sua cabeça. Neste caso desejamos que a lição lhes aproveite e tenha a virtude
de modificar o seu modo de ser ou de proceder, em ordem a ascender à estima, ao
apreço, à consideração e à admiração dos seus concidadãos. Os nossos reparos e
referências – de ordem genérica – são para todos e para ninguém. Para regular
as relações sociais e estabelecer a harmonia e a paz entre os homens, as
comunidades, por via dos seus órgãos representativos, fixaram nas leis um
conjunto de preceitos morais e de defesa coletiva, concretizados em direitos e
obrigações aos quais, obrigatoriamente, devemos respeito e acatamento. A
execução dessas leis, baseadas na moral e defesa social, cabe aos
representantes dos organismos para tal efeito criados, que incarnam os poderes
do Estado e, em consequência, impõem a ordem, o respeito e a obediência da
liberdade de crenças, da segurança e tranquilidade pública, dos desvios
abusivos e prevaricações, da violência, resistência, violação e malfeitorias,
da verdade, da decência, das convenções, dos atentados criminosos contra as pessoas
e contra a propriedade, da manutenção da família dentro da ética de um ambiente
de bons costumes, de honestidade e de moralidade. Nesta ligeira referência a
alguns dos aspetos mais flagrantes enquadrados na vida social, não apresentamos
muitos outros, de importância real, que não caberiam nos limites escassos e até
ficariam deslocados no conteúdo de um pequeno artigo de jornal. O seu estudo e
desenvolvimento tem sido objeto de longo e paciente trabalho dos tratadistas da
especialidade, e enchem muitos e volumosos livros. O que enunciamos
elementarmente na generalidade, basta para considerar que o homem não deve ser
o lobo do homem e que, em matéria de família, a casa dos pais deve ser a escola
dos filhos. Na realidade, os homens seriam felizes se cumprissem os seus
deveres morais, concretizados nas leis e se, pela bondade, piedade, clemência,
probidade, fraternidade, isenção e espiritualidade, contribuíssem,
desinteressadamente, para o bem comum. As manifestações da soberba, da vaidade,
da inveja, da ambição e do egocentrismo, conduzem aos erros criminosos que
infelicitam as famílias e envenenam o convívio e a coexistência dos seus
iguais. Não reconhecemos no homem um ente superior nas escalas zoológica,
social e moral, em relação à sua companheira natural. Que interesse pode ter
uma vida em comum se, da parte do mais forte, não houver o sentimento de
amizade, de tolerância e de recíproco respeito a iluminar o lar (…) // E que
exemplo é dado aos filhos, carne da nossa carne, se a sua conduta truculenta e intolerante
impede a tranquilidade e a paz conjugal? Porque será que os homens destroem,
por suas próprias mãos e atos, a coexistência pacífica dos seus irmãos e a
felicidade do seu lar? E porque não hão-de resolver por bem os seus dissídios,
respeitar as suas pessoas e fazenda e enriquecer o património em vez de o
esbanjar? Quem não ama a paz; quem renega as obrigações correspondentes aos
direitos e deveres alheios; quem se endeusa e despreza a fraternidade,
tornando-se delator, egoísta, mau e intolerante, ou caminha para a casa de
Orates (*), não merece, nem é digno de viver em sociedade.» // Ferreira da Silva. ///
(*) Significa casa
desgovernada, ou casa de doidos.
Morreu na Vila de
Melgaço a 4/7/1972, com setenta e oito anos de idade. // Pai de Maria Ivone e de Armando
Jorge. /// (*) Nome completo: Ernesto Viriato dos Passos Ferreira da Silva. ///
(**) Maria Beatriz
finou-se em Braga em 1940; estava casada com o capitão de infantaria José dos
Santos A. Pereira Valente.
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