segunda-feira, 23 de março de 2020

UM MELGACENSE POR ADOPÇÃO



Casa do Rio do Porto - Melgaço



SILVA, Ernesto Viriato (*). Filho de Maria Beatriz Ferreira da Silva (**), solteira, doméstica, natural da freguesia de São Vítor, Braga, moradora na freguesia da Sé Primaz, da mesma cidade. Nasceu na freguesia da Sé, Braga, a 27/12/1893. // Estudou no liceu, filiando-se na Liga Académica Republicana e no Centro Republicano Dr. Manuel Monteiro. // Veio para Melgaço, transferido de Cabeceiras de Basto, a fim de chefiar a secção de finanças deste concelho, substituindo assim Luís de Passos Viana, que fora transferido para Valença, tomando posse a um sábado, -- de Março de 1918; essa posse foi-lhe conferida pelo aspirante de finanças, Manuel José da Costa (ver JM 1197, de 2/3/1918, e JM 1199, de 16/3/1918). // Aqui casou a 21/9/1918 com Maria Margarida, de 23 anos de idade, solteira, da Vila de Melgaço, filha de António Joaquim Esteves e de Ludovina da Glória Álvares de Barros, comerciantes na Loja Nova. Testemunhas: José dos Anjos Pereira Valente, casado, capitão do exército, e Luciana Marcela, solteira, professora da instrução primária, ambos da capital do Minho. // Em Melgaço moraram posteriormente no antigo solar dos Cunha Araújo, sito no Rio do Porto, que ele comprara (com dinheiro emprestado por seu sogro, certamente). // Juntamente com Hermenegildo José Solheiro, Dr. António José Joaquim Barros Durães, e professor Abel Nogueira Dantas, fundou, a 21/2/1926, o semanário “O Melgacense”, do qual assumiu a direção. // Foi governador civil de Viana do Castelo de 1925 a 1926, mas devido a problemas de ordem política, e por ser filiado no Partido Democrático, foi preso e julgado como comparticipante do “Movimento de 3/2/1927”, demitido do cargo, sendo-lhe fixada residência em Sines, de onde regressou a 17/6/1928. // Como perdeu o emprego nas Finanças, em 1929 teve de ir trabalhar na Companhia Hidro Eléctrica do Varosa, onde foi delegado gerente (1939); em 1940 já era diretor. Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 3, de 3/3/1929: «Paderne, 22/2/1929. De todos os leitores do Notícias de Melgaço é sabido que terminou a sua publicação neste concelho o jornal “Melgacense”, do qual foi muito digno diretor político o nosso amigo Sr. Ernesto Viririato da Silva. Determinou a sua suspensão, ainda que provisoriamente, a saída daquele nosso amigo do cargo que ocupava, para ir, como já foi, exercer outro não menos espinhoso, qual é o de diretor dos serviços administrativos da Companhia Hidroelétrica do Varoza, fixando a sua residência na Régua, como participou aos seus amigos, e aonde ofereceu os seus serviços, que podem ser muito valiosos, como sempre. Àquele semanário “Melgacense” deu aquele nosso amigo o melhor do seu esforço, do seu cérebro, da sua atividade, enfim, da sua preclara e lúcida inteligência. Amigos como somos, fui correspondente daquele semanário, a seu pedido, e por isso mesmo senti muito a sua saída porque se nos confrange a alma sempre que vemos desaparecer do convívio da sua família, que o adora, e dos seus numerosos amigos, que o estimam, homens como Ferreira da Silva. Tivemos ocasião de conhecer muito de perto os predicados que lhe exornam o seu caráter impoluto, a nobreza da sua alma; e, porque lhe não foi possível despedir-se de nós pessoalmente, daqui lhe enviamos um efusivo abraço, e as nossas mais sinceras saudações.» // Manuel N. do Outeiro.     

     Nos seus tempos livres inscreveu-se no Clube dos Fenianos, chegando a presidente em 1939. // Foi secretário do Ateneu Comercial do Porto de 1940 a 1944. // Por eleições havidas em 1945, ascendeu ao lugar de presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários do Porto. // No “Notícias de Melgaço n.º 755, de 4/11/1945, pode ler-se uma entrevista sua, concedida a Vasco Gama de Almeida. // A partir do número 1460, de 3/2/1963, torna-se diretor do “Notícias de Melgaço”. // Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1559, de 20/6/1965, um artigo algo estranho, por si escrito, ao qual deu o título de Delitos Morais: «No conturbado mundo em que vivemos, é com a maior tristeza que notamos certos delitos morais, derivados (!) de indivíduos cuja deformação educacional faz sobressair os ruins instintos congénitos ou adquiridos numa convivência nociva, com total alheamento dos sãos princípios em que deve fundamentar-se uma sociedade razoavelmente equilibrada. É difícil classificar e ordenar os vícios de consciência e os desvios da inteligência dos espécimens transviados da reta linha de conduta que constitue o fundamento e a base da organização social e das relações entre os seus elementos gregários. Na deambulação que nos propomos fazer através do que consideramos delitos morais, temos em vista a definição das regras gerais e dos preceitos estabelecidos pela experiência da vida coletiva, a partir da associação tribal e sua adaptação e afeiçoamento às sociedades bem constituídas em que a humanidade se reúne, auxilia, fraterniza, luta e trabalha com devoção e lealdade, sem soberba e sem atropelamento dos sentimentos e da estabilidade da ordem comunal. Ao enunciarmos algumas regras gerais, é evidente que repelimos a ideia de visar, intencionalmente, quem quer que possa ajustar a crítica às suas pessoas e, como se acentua nas representações da sétima arte, qualquer semelhança ou afinidade dos agentes de possíveis delitos deverá ser considerada mera coincidência. Portanto, ninguém deverá sentir-se individualmente atingido quando a carapuça lhe sirva ou se adapte perfeitamente à sua cabeça. Neste caso desejamos que a lição lhes aproveite e tenha a virtude de modificar o seu modo de ser ou de proceder, em ordem a ascender à estima, ao apreço, à consideração e à admiração dos seus concidadãos. Os nossos reparos e referências – de ordem genérica – são para todos e para ninguém. Para regular as relações sociais e estabelecer a harmonia e a paz entre os homens, as comunidades, por via dos seus órgãos representativos, fixaram nas leis um conjunto de preceitos morais e de defesa coletiva, concretizados em direitos e obrigações aos quais, obrigatoriamente, devemos respeito e acatamento. A execução dessas leis, baseadas na moral e defesa social, cabe aos representantes dos organismos para tal efeito criados, que incarnam os poderes do Estado e, em consequência, impõem a ordem, o respeito e a obediência da liberdade de crenças, da segurança e tranquilidade pública, dos desvios abusivos e prevaricações, da violência, resistência, violação e malfeitorias, da verdade, da decência, das convenções, dos atentados criminosos contra as pessoas e contra a propriedade, da manutenção da família dentro da ética de um ambiente de bons costumes, de honestidade e de moralidade. Nesta ligeira referência a alguns dos aspetos mais flagrantes enquadrados na vida social, não apresentamos muitos outros, de importância real, que não caberiam nos limites escassos e até ficariam deslocados no conteúdo de um pequeno artigo de jornal. O seu estudo e desenvolvimento tem sido objeto de longo e paciente trabalho dos tratadistas da especialidade, e enchem muitos e volumosos livros. O que enunciamos elementarmente na generalidade, basta para considerar que o homem não deve ser o lobo do homem e que, em matéria de família, a casa dos pais deve ser a escola dos filhos. Na realidade, os homens seriam felizes se cumprissem os seus deveres morais, concretizados nas leis e se, pela bondade, piedade, clemência, probidade, fraternidade, isenção e espiritualidade, contribuíssem, desinteressadamente, para o bem comum. As manifestações da soberba, da vaidade, da inveja, da ambição e do egocentrismo, conduzem aos erros criminosos que infelicitam as famílias e envenenam o convívio e a coexistência dos seus iguais. Não reconhecemos no homem um ente superior nas escalas zoológica, social e moral, em relação à sua companheira natural. Que interesse pode ter uma vida em comum se, da parte do mais forte, não houver o sentimento de amizade, de tolerância e de recíproco respeito a iluminar o lar (…) // E que exemplo é dado aos filhos, carne da nossa carne, se a sua conduta truculenta e intolerante impede a tranquilidade e a paz conjugal? Porque será que os homens destroem, por suas próprias mãos e atos, a coexistência pacífica dos seus irmãos e a felicidade do seu lar? E porque não hão-de resolver por bem os seus dissídios, respeitar as suas pessoas e fazenda e enriquecer o património em vez de o esbanjar? Quem não ama a paz; quem renega as obrigações correspondentes aos direitos e deveres alheios; quem se endeusa e despreza a fraternidade, tornando-se delator, egoísta, mau e intolerante, ou caminha para a casa de Orates (*), não merece, nem é digno de viver em sociedade.» // Ferreira da Silva. /// (*) Significa casa desgovernada, ou casa de doidos.     

     Morreu na Vila de Melgaço a 4/7/1972, com setenta e oito anos de idade. // Pai de Maria Ivone e de Armando Jorge. /// (*) Nome completo: Ernesto Viriato dos Passos Ferreira da Silva. /// (**) Maria Beatriz finou-se em Braga em 1940; estava casada com o capitão de infantaria José dos Santos A. Pereira Valente. 

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