ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
SALPICOS
Para um número razoável de leitores de “A
Voz de Melgaço” a leitura deste artigo nada lhes diz porque ainda não leram o
livro sobre o qual vou tecer comentários; no entanto, tenho esperança de que um
dia o venham a ler. Por outro lado, espero que haja uma segunda edição, e nessa
altura estas contribuições poderão ser levadas em conta.
Como há tempos disse, os trabalhos do
“Mário” recentemente publicados, enfermam de algumas imprecisões. Prometi
destacá-las para que leitores menos atentos não as considerem como verdades imutáveis.
Vejamos: na página 41 diz-se que o vocábulo Cristóval se compõe de duas
palavras - Christos (hebraica) e phoros (grega); acontece, porém, que o
hebraico não possuía a palavra Christos, mas sim maxiah, que quer dizer
messias, o ungido. Passou para o latim com a forma Messias. Cristo vem do grego
«kristós».
Na página 81 o “Mário” diz desconhecer o
nome da herbácea que originou o topónimo Merelhe, Merão ou Meruje. Trata-se de
uma erva anual, da família das cariofiláceas, chamada morugem.
Trancoso, páginas 83 e 84. Quando escreve:
«… documentos bastante posteriores àquela
data…», quer dizer precisamente o contrário, isto é - «documentos anteriores àquela data». E já agora, Trancoso, quanto a
mim, deve significar rio com muitos troncos (árvores), dificultando a
circulação pela sua margem (ou apelido de
família). Doma poderá vir do latim hebdomas (semana) e poderia querer dizer que no período
em que a água é pouco abundante ela seria repartida semanalmente para regar os
campos pelos diferentes lavradores de um lado e de outro do rio. São apenas
especulações, pois carecem de uma base científica.
Na página 99 afirma que o 1.º periódico
publicado na nossa terra foi o “Jornal de Melgaço”, sendo seu fundador Duarte
Augusto de Magalhães. Não é assim: o primeiro jornal a aparecer no concelho foi
“O Melgacense”, a 6/11/1887, tendo como administrador José Cândido Gomes de
Abreu e seu redator Aníbal de Vasconcelos Passos. O livro “Na Terra de Inês
Negra” informa-nos de que ele acabou a 18/10/1888. O Jornal de Melgaço começou
a ser publicado a 1/12/1893 e acabou no número 1316, de 31/12/1920.
Na página 107 surgem-nos duas incorreções.
Primeira: José Maria Alves (Zinona) não era neto, como lá está escrito, de José Maria Lourenço
e de Josefa Antónia Gonçalves. Seus avós maternos foram Manuel José Lourenço e
Maria Teresa da Silva, moradores na Rua do Rio do Porto, freguesia de Rouças. Por
conseguinte, não era primo co-irmão de sua mulher Belmira dos Prazeres Pires.
Segunda: Manuel José Alves, conhecido por Nené, falecido na vila a 23/12/1924,
não era cunhado do “Zinona”, mas sim seu irmão. Não pronunciava corretamente as
palavras e um dia esforçando-se por pronunciar o vocábulo bacalhau disse
qualquer coisa parecida com balaca e assim ficaram com essa alcunha as
sobrinhas Maria Leonor e Leonídia Augusta! O ir a Braga visitar o Sameiro ou o
Bom Jesus e regressar a pé não me admira nada, porque ainda hoje vão milhares
de peregrinos a pé a Fátima, é uma questão de fé. E nós, não íamos à Peneda a
pé? Além disso, o automóvel deu entrada em Portugal nos finais do século XIX e
nessa altura já o “Nené” tinha vinte e tal anos de idade. Até ao século XIX e
primeiras décadas do século XX as pernas é que levavam as pessoas a todo o
lado, o cavalo e a carruagem custavam dinheiro. Em nossos dias até para tomar
um café a cinquenta metros de distância se utiliza o pó-pó!
Ao longo do texto aparece-nos a palavra
«acerbo», que significa acre, áspero. Claro que é lapso. A palavra correta é
acervo (montão, abundância…), por vezes utilizada como património. «Refeiro»,
página 125, está por «referido». «Porpurado» coscubilheiro», página 131, devem ler-se
«purpurado» e «coscuvilheiro». «Por ao fresco», página 137, deve ler-se «pôr ao
fresco». «Descriminadas», página 131, está por «discriminadas». Descriminar significa
tirar a culpa, inocentar; discriminar quer dizer diferenciar, distinguir,
separar. «Comulou», página 160, está por «cumulou».
Nas «Efemérides», página 159, o “Mário”
começa por nos dizer que o nosso primeiro rei concedeu foral a Melgaço no ano
de 1181. Lê-se em «Melgaço, Sentinela do Alto Minho, 1.ª parte, das origens ao
liberalismo», página 5, de Augusto César Esteves: «mas conforme informou em 1949, e num quinzenário local, o reverendo
padre Manuel António Bernardo, a este foral é atribuída a data de 1183 pelo
senhor Dr. Rui Pinto de Azevedo, da Academia da História (…) Deve, pois, estar
certa a data por ele indicada, porquanto Alexandre Herculano não verificou a
cronologia dos bispos confirmantes do foral, e como sobre a mesma não incidiu a
sua crítica, não reparou em Martinus, bispo de Coimbra, e Pelagius, eleito de
Évora, só nesse ano de 1183 aparecerem assim qualificados em documentos portugueses…»
Na página 174 verifica-se uma repetição. O
texto «Em 25 de Junho 1666…» já se encontra
na página anterior.
Outro lapso encontra-se na página 201.
Onde se lê «4 de Março de 1910» devia ler-se «4 de Março de 1900», pois a mãe
do “Mário” não o deu à luz com treze anos de idade, mas sim com vinte e três
anos. Para confirmar o que digo, baseio-me na data de nascimento do pai do
“Mário”, Luís Cândido Soares: 15/4/1885; a 4/3/1900 tinha cerca de quinze anos
de idade.
O “Mário” informa-nos nas páginas 231 e
232 que Hermenegildo José Solheiro, nascido em 1837, exerceu os cargos de juiz
substituto, vereador, e presidente do município. Não estará a confundi-lo com
seu filho Hermenegildo José, que foi de facto presidente da Comissão
Administrativa da Câmara Municipal de Melgaço de 1926 a 1931?
Para terminar, e olhando para a página
292, outro reparo: Raul Ferreira Cardoso não foi casado com Generosa Miquelina
Barreiros, porque essa senhora era a sua mãe! Casou, isso sim, com Maria Alzira
da Costa Velho, uma empresária que administrou o seu restaurante com grande
eficiência durante muitos anos e criou seus sete filhos: Generosa, Fátima,
Lurdes, José, Aurélio, Raul e João, com dignidade e bem-estar, numa altura em
que a miséria rondava a maior parte das casas melgacenses.
Não encontrei no livro mais falhas
relevantes; claro que vários topónimos carecem de estudo aprofundado, mas isso
já será matéria para outra dissertação.
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1066, de 15/2/1997.
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