segunda-feira, 22 de julho de 2019

VÁRIOS
 
Por Joaquim A. Rocha





MARINHO, Abílio José. // Natural de Celorico de Basto. // Foi fiscal na empresa das Águas Minerais do Peso, Vidago, Melgaço & Pedras Salgadas. // Casou com Irene dos Prazeres, natural de Melgaço. // Em 1935 trabalhava em Luanda. // Era casado e com geração (Notícias de Melgaço n.º 295, de 22/12/1935). // Lê-se no Notícias de Melgaço citado:

     «Carta de Luanda. Senhor Diretor do jornal Notícias de Melgaço –> se a carta, que segue, lhe parecer digna de publicidade, à falta de assunto de melhor interesse, e lhe possa evitar o dispêndio de uns momentos de trabalho para preenchimento do seu conceituado jornal, muito gostaria que o fizesse, como única afirmação de que em todos os cantos do mundo há filhos de Portugal que lhe interessava a vida da sua pátria. Pois outro valor não tem a carta que vou escrever, após a leitura dos três números do jornal a que nela me refiro. AUSENTE DA PÁTRIA. Depois de um dia de intenso trabalho, a mistura de contrariedades, que mais endurecem a missão que desempenho, maldizendo a sorte que o destino me reservou, regresso a casa cheio de nostalgia e, a passos lentos, faço o trajeto que me separa do escritório à casa onde resido, pisando o escabroso calcetamento das ruas da cidade, que roe as solas dos sapatos, como traça corta lã; vou desfolhando da memória as páginas de uma história que só de longe, a longe, me mostram trechos coloridos, mas sempre envoltos em sombras a abalarem-lhe o brilho que se perde a curta distância. // O relembrar o passado, e pensar no futuro tão incerto, torna-me tedioso, macambúzio, produto de uma neurastenia que este clima inóspito reserva aos seus hóspedes com que não deseja familiariedade. E, então, uma ideia me acode à mente como único lenitivo para o desfalecimento que estas agitações nervosas me causam. “Se eu encontrasse alguém da minha terra com quem falasse”!... Não é possível realizá-la; a distância é tamanha, e os atrativos tão poucos, que só forçados, os meus patrícios, roubariam uns anos da sua vida, que pertence à sua terra natal, para os deixarem nesta terra que nos recebe como enteados, armando-nos ciladas em todas as esquinas, como fazem agora os etíopes aos italianos para os expulsarem do seu território. // E, assim, passo o trajeto taciturno, só sentindo um pouco de alívio ao chegar a casa, quando ao meu encontro vêm a mulher e os filhos em saudação familiar. Mas este alívio é apenas um impulso do sol que apanhou o fraco de uma nuvem e a rompeu para se mostrar, e se esconde de repente como criança a jogar às escondidas. // A mulher retira-se, vai cuidar do amanho da casa; as crianças vão jogar a macaca, saltar a corda, e eu vejo-me de novo caído na solidão, entregue ao pensamento que me mortificou durante todo o trajeto. Porém, há sempre um dia que a providência nos reserva para nos dar força e coragem, para resistirmos às agruras com que a vida nos brinda. O meu dia também chegou – foi ontem. // Entro em casa, recebo as boas tardes da mulher, os costumados beijos da petizada, que em seguida desliza em correrias pela varanda fora ao encontro de outros que os esperam à porta e os vão recebendo de mãos dadas para entrarem no jogo da roda. A mulher, ao contrário dos outros dias, fica junto de mim, sem se preocupar com os arranjos da casa. Estranheza minha, que me arranca esta pergunta: - “Não tens hoje que fazer”?! – “Tenho sim, mas também te vou dar entretenimento para ti”. Puxando uma gaveta de uma velha mesa, tosca, feita de caixotes, estilo de mobília cá do burgo, presenteia-me com três exemplares do semanário Notícias de Melgaço, que um amigo, oriundo dessa encantadora vila minhota, fez o favor de me oferecer. Os meus olhos ficam inertes por um momento, fixos no cabeçalho que encima o semanário melgacense, para em seguida o percorrer do primeiro ao último extremo, ávido das suas notícias. // É o mensageiro que me vai falar da terra que me acolheu durante quatro anos, das pessoas com quem convivi, dos acontecimentos, das oscilações da sua vida, etc. // 1.ª parte – Um artigo de fundo intitulado “O FASCISMO NO MUNDO”. Revela a fé do seu autor no triunfo dos povos, nas novas ideias que defende com entusiasmo, eloquência; é um artigo onde se aprende, lendo com gosto. // Outra notícia: - “ É encontrada carbonizada à porta da sua residência, pelo Dinis do Lau, a tia Maria do Coto.” Conheço a vítima e o pouco feliz descobridor de tão triste achado macabro. Triste notícia, mas nem por isso desanimo. Fala-se de nomes que conheço. // Mais abaixo o falecimento do pai do senhor José Figueiroa; sinto-me pesaroso; é o nome de um amigo com quem sempre mantive as melhores relações, amigo que nunca mais posso esquecer, que está de luto pela perda de um dos seus entes mais queridos, seu pai. Os meus pêsames sinceros e um grande abraço ao senhor José Figueiroa.
 

desenho de Manuel Igrejas

 Outra local – Típica – Elegante. – As tradicionais festas e danças pelos aquistas e povo da terra! Um relâmpago de alegria me passa pela memória, vendo passar na minha frente corpos que se requebram em todos os sentidos, lábios que se riem, olhos fulgurantes que pedem … Am… (já fora dos meus anos), mas nem por isso esta notícia deixa de me deleitar. De repente sou invadido por uma melancolia que me deixa desfalecido; lembro que estou longe, lembro o tempo que vai e não volta, e quedo-me um pouco na leitura, a tomar fôlego para recomeçar. // Como tristezas não é alimento para quem deseja viver, depressa pus de parte tal aperitivo – recomecei a leitura. // Nós, quando estamos ausentes da pátria, somos mais patriotas; já o diziam os grandes poetas antigos nos seus versos, não é nova a afirmação. E, assim, gostamos de tudo quanto for patriotismo. // Esbarro com um artigo da autoria do senhor José Maria de Sousa, que não tenho a honra de conhecer, mas noto que é de um patriotismo digno de admiração – enche-me a alma. O senhor Sousa atira-se aos contrabandistas, que abundam naquela terra como aqui (…), e dá-lhes a eles e (…) que com eles partilham do tráfico, uma carga de antipatriotas que os deixa (…). É assim mesmo, senhor Sousa; só falta de patriotismo nos pode levar a valorizar o artigo estrangeiro e a desvalorizar o nosso! Mas…, senhor Sousa! Eu não o conheço, mas como sei que você é comerciante, dê-me licença que lhe ofereça um conselho: - “é melhor outro que não tenha negócio a assinar esses artigos, porque assim podem-lhe tomar o seu patriotismo pelo daquele sargento que depois de cinco anos de licenciado pediu de novo a sua reintegração no exército, após terminada a grande guerra, e quando os camaradas lhe perguntaram os motivos que o apaixonaram outra vez pelas armas e pela farda, batia com as mãos ambas na barriga, e dizia muito pesaroso: - “É que eu, [caros camaradas] via a pátria em perigo!” É claro, você tem muita razão, mas isto aqui para nós, que ninguém nos ouve: - esse povo do Peso é um má-língua, eu conheço-o… // Angola, Luanda, Outubro de 1935.»                  
 


     Pai de Maria Orminda dos Prazeres, nascida no Porto a 16/7/1927. Esta criança esteve em Melgaço, em casa da sua avó materna, residente na freguesia de Remoães, e concorreu mais tarde para telefonista dos CTT, tendo sido admitida. Estagiou seis meses na Batalha… (ver blogue de Ilídio de Sousa de 20/7/2019 - Melgaço, do Monte à Ribeira).
 
 
 X
 
 Nota: diz-se que a curiosidade aguça o engenho. É verdade. Eu li no blogue do meu amigo e conterrâneo Ilídio de Sousa algo sobre o senhor Abílio José Marinho e quis saber mais sobre esse homem que trabalhou durante quatro anos nas Termas do Peso. A sua carta, escrita em Luanda, no tempo do corporativismo, vem desmitificar, deitar por terra, algumas ideias feitas sobre a vida dos europeus em terras africanas. Os negros, salvo raras exceções, não queriam os brancos no seu território. Eu, que estive dois anos na Guiné-Bissau, senti isso mesmo. Nós éramos para eles os ocupantes, invasores, inimigos. Depois da independência das colónias as coisas parece que estão a melhorar, mas ninguém se iluda: a África é dos africanos negros. Tudo farão para serem eles a mandar, apesar das suas fragilidades óbvias. O tempo, esse dragão faminto, está, assim o penso, a seu favor.     
 
 
 
 

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