POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
Em nossos dias, século XXI, quase ninguém, a não ser os mais idosos, carregam consigo uma alcunha. Perdeu-se essa tradição. Havia pessoas que as aceitavam, mas também havia aquelas pessoas que se irritavam quando as tratavam pela alcunha. O meu objetivo ao publicar este poema é tentar manter estas alcunhas vivas, de uma maneira engraçada, esperando não ofender ninguém.
A BRIGA DAS ALCUNHAS
Certo dia, no Terreiro,
Já lá vai um ror de anos,
Ouvi tocar o sineiro,
Como em briga de ciganos.
Era num dia de feira,
Com gente de todo o lado;
Vendia-se pão e seira,
doce mel e gordo gado.
Qual não foi o meu espanto
Ao ver o que acontecera:
Chorava, em alto pranto,
O taberneiro Chiquera.
O culpado era o Furão
Por bater no desgraçado;
Mas, justiceiro, o Pivão,
Corre com ele a machado.
Pataneca, imaculada,
Grita louca, furiosa;
Mas a Toupeira, vistosa,
Dá-lhe uma grande dentada.
Vinha da caça o Chivinho,
Com uma lebre à cintura;
E um coelho velhinho,
Sem pelo nem dentadura.
Arma logo chinfrineira
Ao ver a mulher na liça;
Dispara prà Peneireira
E acerta no Chouriça.
A prima deste, tal fera,
Chicoteia o cretino;
Mas nisto surge a Chaufera
A bengalar o Sabino.
Queixava-se da zurrapa,
Da falta de qualidade;
«que o vendesse ao
Papa,
Ou a Sua Majestade.»
O engraçado Tenente,
Sempre a levar e a rir,
Não esquecera Creciente,
Onde aprendera a fugir.
O Funga tramava uma,
Mas agora já sem farda;
«seria digna dum puma,
Dum professor d’Estugarda.»
Era traquinas, o
Pirata,
Jogava com a ilusão:
«Por que andava Batata
Nos braços de São João?!»
Surge então o Patarrica,
a cavalo da velhice;
armado em mestre do Bica,
mais chato do que o Chatice.
O coitado Choramingas
Até já metia dó;
Então emana o Seringas
Injetando o pobre Cró.
Vinham a sair da missa
O Truta e o Tringuelheta;
Logo atrás vinha a Preguiça
A conversar com o Nêta.
Dizia ele. -«vê se topas
O que te quero dizer…»
Nisto apareceu a Estopas,
Mais feroz que Lucifer.
No meio do burburinho
O Peido atira-se ao chão;
Mas o bom do Ferreirinho
Confundiu-o com um cão.
O Pito-Cego – constava –
Não era nada de medos;
Mas o Diabo tramava
A peleja com Seis-Dedos.
O Pinga, que era maroto,
E conhecia o terreno,
Calhou-lhe o Russo no loto,
o Cavenca e o Sereno.
Veio de longe o Pega
Pra dizer umas graçolas;
Mas logo ali, Boca-Negra,
Lhe atira com o Caçolas.
O Cataluna, mavioso,
- já bebera um quartilho –
Chama prà briga o Quinchoso
Que traz com ele o Ceprilho.
E para que o povo veja
Que não era brincadeira
Chegou o mação Carqueja,
Mestre Xinto e o Maceira.
E o Garage, com dolo,
De conluio c’o Azeiteiro,
Queria gozar a Caciolo
Que socava o Trauliteiro.
Nisto apareceu o Barrenhas
- com o Lucas e o Olé –
O fortalhaço do Zenha
A arremedar o Caré.
Diz ao Lucas: «anda,
bota,
Uma malga especial»;
Mas o diacho do Cota
Pôs-lhe no vinho algum sal.
Trazia pedras o Pessêgo,
Que lhas dera seu avô;
Atirou-as ao Borrego,
À Pandeireta e ao Rô.
O Carrocinha inspirado
Desenvolvia lindo mote;
Mas com raiva, o Malhado,
Atirou-lhe com o Pote.
O Merda-Seca, sem bojo,
Lutava com Caganitas;
Às costas tinha o Pé-Nojo,
Às pernas tinha o Cabritas.
O famosíssimo Ringo
- montado num cavalito –
Dançava o tringo-lingo,
Brincava c’o Pirolito.
Zé Pipotes, dito cujo,
- não lhe toquem que derrete –
Dava empurrões ao Corujo
E ao pobre Vinte-e-Sete.
O Caga-Bichas, coitado,
Depois de levar do Pona,
Fugiu lesto para Prado
Às costas da Cavalona.
Veio a Ratinha e o Trancas
Botar água na fervura;
O brutamontes do Chancas
Confundiu-os com um cura.
Escondeu-se num portal,
De velho e nobre solar;
Mas o rico Carvalhal
Não o deixou lá ficar.
Teria de apanhar sova
Mas Lobisome (que sorte)
A pedido da Cristova
Levou-o prò polo norte.
Pensais que isto são tretas,
E que a chuva não molha;
Perguntai-o à Baetas,
Ou ao bravíssimo Trolha.
Entra em cena o Minoca,
Mais o gigante Pirilau;
Pra surrar o Pata-Choca
E o poderoso Rau-Trau.
Mas o excelente Ná
- aspirando brilharetes –
Insulta o Caga-na-Pá,
Dá dois berros ao Piretes.
Eram já mil, aos magotes,
Tudo para ali amontoado;
Aos saltinhos, o Pinotes,
A cambar vinha o Cambado.
Já se fala em hospital
- em ambulância, e tudo!
Mas eis que chega a Sical
Com a nora do Cacudo.
Cessa a luta, a gente bebe,
Mesmo sem presunto e pão;
Abençoada tal sede,
O vinhinho de Galvão.
Já rompiam madrugadas,
Ouvia-se coaxar o sapo;
E, na ressaca, o Geadas,
Agredia o Olharapo.
A Mantana traz garrote
Para calar o Mindelo;
A correr vem o Mascote
Com um terrível cutelo.
Cria-se outra confusão,
alguém ficou sem um olho;
fora o de Cousso, Leão,
arrancara-o ao Zarolho.
Vale tudo nesta luta,
E sem levar ninguém fica;
Tanto apanhava o Truta
Como a santa da Penica.
De faca em riste, o Molete,
Andava num pára-arranca;
Pra evitar o Pistolete
Vai de encontro ao Carranca.
Movia-se o magno Noia,
Num vai vem sem destino;
Ouvindo pragas da Zoia
E risadinhas do Nino.
Trazia o ferro o Farruco
Para ameaçar o Castilha;
Mas o sabichão do
Cuco
Põe-lhe à frente o Garrilha.
A Balaca vinha alegre
Depois duma desfolhada;
Embirrou com o Bisegre
E com a Maria Cambada.
O Pelsa só pelas costas
É que ameaça o Lili;
Mas leva coça do Tostas,
Do Carriço e do Mi.
De repente, num instante,
Como dono de um rebanho,
Surge o fraco Arrogante,
Trazendo ao colo o Pianho.
O Manco, que vinha coxo,
- recordações de Espanha –
Pediu ajuda ao Zé Mocho
Pra se livrar da Pianha.
O irrequieto Alemão
Oriundo doutras greis,
Desafia o Macarrão,
O Polinhas e o Leis.
Não contava com o Pi
- Gabardine à “Colombo” –
Mais ágil que Bruce Lee
Mais astuto do que o Pombo.
O Pachorrego e o Pandulho
Fugiam para uma esquina;
Mas a endiabrada Palina
Rebentou-lhes c’o bandulho.
O Nelo, levando o Gorro,
Foram prà taberna beber;
Mas o dono, que era Zorro,
Espadagou-os sem querer.
Nobre Praça, o Terreiro,
Transformado num Ourique;
Pelo chão vê-se o Tendeiro,
O Marmita e o Alambique.
O Pito, amparado ao Cobra,
Caminha devagarinho;
Assobiando uma trova
Que compusera o Nelinho.
O Rato, guerreiro mor,
Defendia o Carlota;
Dominava o Ferrador,
Depois de cucar o Tota.
O Piroliscas, suado,
Depois de mui pelejar,
Importunava o Morgado,
Aflito para mijar.
Mas enfim, chega o Mareco,
Com uma grande caminheta
- onde levava asno e reco –
Transportou Noca, Niceta…
Alguém lhes chamou azelhas
- filhos de Alá e de Meca –
Dizem que foi o Pardelhas,
Ou o santinho do Neca.
Era noite, e o Serôdio,
Com seu corpo tão dorido,
Diz aos outros: «basta d´odio,
Não batam mais no Zé Q’rido.»
Eis que chega da Sorbonne
O Chucha e o Cascalheiro;
E um filho da Tiborne,
O Besteira e o Cieiro.
Vinham bater no Virou,
No Graixa e no Marroto;
Mas o Valsas não deixou,
Nem o teso do Canhoto.
Impôs-se logo o Anaco,
O Cartucho e o Ganchola;
Juntou-se-lhes o Pataco,
O Louvado e o Grandola.
Como vingança, o Colhudo,
Atacou o Caganitas;
Do Louridal veio o Mudo,
Para desancar o Chitas.
E já mais para a tardinha
- quase na hora da ceia –
Apareceu o Cerinha,
E o Breguês da cadeia.
Levaram tantinha coça,
Tanto pontapé no bucho,
Quem lhes valeu foi o Bruxo
- escondeu-os numa choça.
A Maria do Registo
Acusava o Brasileiro
De ter batido no Cristo
E insultado o Tripeiro.
O Diós, muito aguerrido,
Encrespava o Carapisso;
Mas furioso, o Querido,
Põe-lhe ao rabo o Ouriço.
O Sem Orelha, catita,
Cantava com a Mamona;
E o Pequeno, e Matita,
A comerem da Rabona.
O Requitau mais o Morte
Chamaram o Taxista;
Não tiveram muita sorte,
Já o chumbara o Cambista.
O Chencho trouxe um cabrito,
Mas sua carne era dura;
Rilhou-a o Perotito,
Mais o Castanha Madura.
Caga Mula e o Tringlês
- já fartos de tanta espera -
Cada um, por sua vez,
Surraram o Cafetera.
O Sacho levou da Lola,
Do Pepe, da Peneireira;
Por sorte veio a Bicheira
Que lhes deu cabo da tola.
O Lilo mais o Fungão,
O Ipa e o Manecas,
Derrotaram o Ganão,
O Cachimbo e o Carecas.
O Vigário, já sem boia,
Pedia ajuda ao Manechas;
Veio com pau o Ramboia,
Com achas surgiu o Mechas.
O Canhona e o Bordão
Fugiram para o coreto;
Estava lá Capelão,
A-do-Moinho e Soreto.
Esmoreciam com fome
O Pedrinha e o Zebumba;
De repente a Ana Home
Empurrou-os prò Catumba.
O Galego, bom cristão,
Tirar fotos era vê-lo;
Fotografou o Tirão,
E o elegante Morelo.
Ali perto, o Soqueiro,
Convencia o Cabano
A cascar no Brigadeiro,
Socarem o Veterano.
De repente o General,
Com um chapéu na cabeça;
Tira fotos ao Pardal,
Ao Pesetas e ao Peça.
Veio o Quingostas da cova
Matar o Cirurgião;
Mas El Cura de La Grova
Tirou-lhes a arma da mão.
O Músquel, muito cansado,
Encostara-se ao Bé;
Mas este, algo irritado,
Atirou-o prò Borné.
Veio o Braga com ementas
- era somente escolher -
O raio do Ferramentas
Antes preferia beber.
Trauliteiro trouxe pão,
O Vila Verde a canja;
Comeu Dois, o Abelhão,
Inda sobrou para o Granja.
Terminada a farta ceia
O Ronha botou discurso;
Mas o Lopes da Assembleia
Chamou-lhe cara de urso.
Até o animoso Froulas
Saiu ferido das refregas;
O pobre, já sem ceroulas,
Foi dormir à Das Adegas.
Já não era a vez primeira
Que se juntavam a Pica,
A Sancha e a Marinheira,
Contra Violas e Zica.
O Chantre, Cantra, Facadas,
Andavam sempre de moca;
Por temerem os Calçadas,
O Peleila e o Noca.
Mas daí não vinha o mal,
Como dizia o Feitor:
«Eu temo é o Cabanal,
E o bravo Serrador.»
O Guenaro e o Lisboa
Temiam o Dente d’Ouro:
«comia quase uma broa,
Um presunto e um touro.»
O Botas, o sonhador,
Mais o Carlô e o Mundo,
Atiravam Capador
Para o buraco mais fundo.
O distinto Bate a Asa,
No regaço da Marchanta,
Tinha o peito já em brasa,
O coração na garganta.
O Bicho Fino era fino,
Mais hábil do que o demo;
Soube burlar o destino,
Ulisses e Polifemo.
Deu-lhes a cheirar a puça:
Ao Perinhas, Lampião,
E até à pobre Russa,
Jucas e Tabelião.
Robialac trouxe tinta
Para o Pintor pintar;
Um quadrinho com pinta
Para o Rifa o rifar.
O Casanova e o Manetas
Disputavam a Joana;
Mas o chato do Pesetas
Trocou-a pela Betrana.
E por fim o Santo Amaro,
Que já bebera um litro,
Apoia-se no Guenaro,
E no fraco Amparito.
Terminou aquele inferno,
Peço perdão aos lesados;
À Pitinha e ao Inverno,
Cortiças e Rabiados.
Peço à Grila estimada
Mil perdões se a ofendi;
Mal lhe fez o de Parada
Que a cortou sem bisturi.
Aos animais da capoeira,
Aos melros e seus afins,
Aos Rolas e Gavieira,
Aos Caixas e Cornetins.
Aqueles que não lembrei
Dou-lhes um abraço longo;
O Barrelas, Tecla frei,
O bem trajado Valongo.
O Carrapito, esquecido,
Jamais me perdoará;
O Bôlas, de bom ouvido,
O passado olvidará.
A Chirela, pedinchona,
À liberdade tão presa,
Foi modelo prà Madona
E prà Diana princesa.
Falemos da Cuba bela,
Do Cabra de Cavaleiros,
Do Chona e do Capela,
E dos austeros Lareiros.
Do filósofo Carola,
À Picholas ancorado,
Mostrando negra pistola,
De belo punho cromado.
O Pelé e o Garrincha,
Fizeram fintas singelas!
Deslubraram Zé Canelas,
Os Varandas e o Guincha.
Como esquecer o Mijanços,
Que a terra foi visitar;
Para gozar uns descansos
Teve muito que lutar.
O Batatinha, infeliz,
Levou coça da Latona;
Podia fugir, não quis,
Entre as saias da Mijona.
Eu esquecer-me do Grelo?
Do Várzea ou do Pé d’Anjo?
Da Mortinha, Garabelo,
Papa Figos, do Marmanjo?
Do Lascas aventureiro?
E do bom Papa-Café?
Do Cá t’Espero porreiro?
Do Pica Três e do Mé?
E para ti, sem alcunha,
Aqui fica registado:
«escapas por uma unha
Mas não durmas descansado.»
Podes ser até Rajá,
Rei dos reis, Imperador;
Se eu quiser és Fungagá,
Zé do Burro, Pinga-Amor.
Podes ser Joana d’Arc,
Do Egipto, faraó;
Não te livras que te marque
Com o meu ferrete em Ó.
Posso chamar-te Fadista,
Ou mesmo Zé dos Anzois;
Remendão e Anarquista,
Um Arranja Guarda-Sóis.
Se todos batem no Sério,
Que o socorra o Misérias;
Que anda no presbitério
Em busca do pobre Lérias.
O pobrezinho Rabicho
Ficou muito magoado;
Mas o seu primo, o Nicho,
Vingou-se no Rabiado.
Pra acabar com a contenda
Vou chamar o Mata-Três,
Pode ser que Perrim aprenda
A lidar com o Tringlês.
E agora, na despedida,
vou dar um murro em mim;
assim é gozar a vida:
bater e levar sem fim.
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