sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

POEMAS DO VENTO
 
Por Joaquim A. Rocha




                    Em nossos dias, século XXI, quase ninguém,  a não ser os mais idosos, carregam consigo uma alcunha. Perdeu-se essa tradição. Havia pessoas que as aceitavam, mas também havia aquelas pessoas que se irritavam quando as tratavam pela alcunha. O meu objetivo ao publicar este poema é tentar manter estas alcunhas vivas, de uma maneira engraçada, esperando não ofender ninguém.     



A BRIGA DAS ALCUNHAS

 

 

Certo dia, no Terreiro,

Já lá vai um ror de anos,

Ouvi tocar o sineiro,

Como em briga de ciganos.

 

Era num dia de feira,

Com gente de todo o lado;

Vendia-se pão e seira,

doce mel e gordo gado.

 

Qual não foi o meu espanto

Ao ver o que acontecera:

Chorava, em alto pranto,

O taberneiro Chiquera.

 

O culpado era o Furão

Por bater no desgraçado;

Mas, justiceiro, o Pivão,

Corre com ele a machado.

 

Pataneca, imaculada,

Grita louca, furiosa;

Mas a Toupeira, vistosa,

Dá-lhe uma grande dentada.

 

Vinha da caça o Chivinho,

Com uma lebre à cintura;

E um coelho velhinho,

Sem pelo nem dentadura.

 

Arma logo chinfrineira

Ao ver a mulher na liça;

Dispara prà Peneireira

E acerta no Chouriça.

 

A prima deste, tal fera,

Chicoteia o cretino;

Mas nisto surge a Chaufera

A bengalar o Sabino.

 

Queixava-se da zurrapa,

Da falta de qualidade;

«que o vendesse ao Papa,

Ou a Sua Majestade

 

O engraçado Tenente,

Sempre a levar e a rir,

Não esquecera Creciente,

Onde aprendera a fugir.

 

O Funga tramava uma,

Mas agora já sem farda;

«seria digna dum puma,

Dum professor d’Estugarda.»

 

  Era traquinas, o Pirata,

Jogava com a ilusão:

«Por que andava Batata

Nos braços de São João?!»

 

Surge então o Patarrica,

a cavalo da velhice;

armado em mestre do Bica,

mais chato do que o Chatice.

 

O coitado Choramingas

Até já metia dó;

Então emana o Seringas

Injetando o pobre Cró.

 

Vinham a sair da missa

O Truta e o Tringuelheta;

Logo atrás vinha a Preguiça

A conversar com o Nêta.

 

Dizia ele. -«vê se topas

O que te quero dizer…»

Nisto apareceu a Estopas,

Mais feroz que Lucifer.

 

No meio do burburinho

O Peido atira-se ao chão;

Mas o bom do Ferreirinho

Confundiu-o com um cão.

 

O Pito-Cego – constava –

Não era nada de medos;

Mas o Diabo tramava

A peleja com Seis-Dedos.

 

O Pinga, que era maroto,

E conhecia o terreno,

Calhou-lhe o Russo no loto,

o Cavenca e o Sereno.

 

Veio de longe o Pega

Pra dizer umas graçolas;

Mas logo ali, Boca-Negra,

Lhe atira com o Caçolas.

 

O Cataluna, mavioso,

- já bebera um quartilho –

Chama prà briga o Quinchoso

Que traz com ele o Ceprilho.

 

E para que o povo veja

Que não era brincadeira

Chegou o mação Carqueja,

Mestre Xinto e o Maceira.

 

E o Garage, com dolo,

De conluio c’o Azeiteiro,

Queria gozar a Caciolo

Que socava o Trauliteiro.

 

Nisto apareceu o Barrenhas

- com o Lucas e o Olé –

O fortalhaço do Zenha

A arremedar o Caré.

 

Diz ao Lucas: «anda, bota,

Uma malga especial»;

Mas o diacho do Cota

Pôs-lhe no vinho algum sal.

 

Trazia pedras o Pessêgo,

Que lhas dera seu avô;

Atirou-as ao Borrego,

À Pandeireta e ao Rô.

 

O Carrocinha inspirado

Desenvolvia lindo mote;

Mas com raiva, o Malhado,

Atirou-lhe com o Pote.

 

O Merda-Seca, sem bojo,

Lutava com Caganitas;

Às costas tinha o Pé-Nojo,

Às pernas tinha o Cabritas.

 

O famosíssimo Ringo

- montado num cavalito –

Dançava o tringo-lingo,

Brincava c’o Pirolito. 

 

Zé Pipotes, dito cujo,

- não lhe toquem que derrete –

Dava empurrões ao Corujo

E ao pobre Vinte-e-Sete. 

 

O Caga-Bichas, coitado,

Depois de levar do Pona,

Fugiu lesto para Prado

Às costas da Cavalona.

 

Veio a Ratinha e o Trancas

Botar água na fervura;

O brutamontes do Chancas

Confundiu-os com um cura.

 

Escondeu-se num portal,

De velho e nobre solar;

Mas o rico Carvalhal

Não o deixou lá ficar.

 

Teria de apanhar sova

Mas Lobisome (que sorte)

A pedido da Cristova

Levou-o prò polo norte.

 

Pensais que isto são tretas,

E que a chuva não molha;

Perguntai-o à Baetas,

Ou ao bravíssimo Trolha.

 

Entra em cena o Minoca,

Mais o gigante Pirilau;

Pra surrar o Pata-Choca

E o poderoso Rau-Trau.

 

Mas o excelente Ná

- aspirando brilharetes –

Insulta o Caga-na-Pá,

Dá dois berros ao Piretes.

 

Eram já mil, aos magotes,

Tudo para ali amontoado;

Aos saltinhos, o Pinotes,

A cambar vinha o Cambado.

 

Já se fala em hospital

- em ambulância, e tudo!

Mas eis que chega a Sical

Com a nora do Cacudo.

 

Cessa a luta, a gente bebe,

Mesmo sem presunto e pão;

Abençoada tal sede,

O vinhinho de Galvão.

 

Já rompiam madrugadas,

Ouvia-se coaxar o sapo;

E, na ressaca, o Geadas,

Agredia o Olharapo.

 

A Mantana traz garrote

Para calar o Mindelo;

A correr vem o Mascote

Com um terrível cutelo.

 

Cria-se outra confusão,

alguém ficou sem um olho;

fora o de Cousso, Leão,

arrancara-o ao Zarolho.  

 

Vale tudo nesta luta,

E sem levar ninguém fica;

Tanto apanhava o Truta

Como a santa da Penica.

 

De faca em riste, o Molete,

Andava num pára-arranca;

Pra evitar o Pistolete

Vai de encontro ao Carranca.

 

Movia-se o magno Noia,

Num vai vem sem destino;

Ouvindo pragas da Zoia

E risadinhas do Nino.

 

Trazia o ferro o Farruco

Para ameaçar o Castilha;

 Mas o sabichão do Cuco

Põe-lhe à frente o Garrilha.

 

A Balaca vinha alegre

Depois duma desfolhada;

Embirrou com o Bisegre

E com a Maria Cambada. 

 

O Pelsa só pelas costas

É que ameaça o Lili;

Mas leva coça do Tostas,

Do Carriço e do Mi.

 

De repente, num instante,

Como dono de um rebanho,

Surge o fraco Arrogante,

Trazendo ao colo o Pianho.

 

O Manco, que vinha coxo,

- recordações de Espanha –

Pediu ajuda ao Zé Mocho

Pra se livrar da Pianha.

 

  O irrequieto Alemão

Oriundo doutras greis,

Desafia o Macarrão,

O Polinhas e o Leis.

 

Não contava com o Pi

- Gabardine à “Colombo” –

Mais ágil que Bruce Lee  

Mais astuto do que o Pombo.

 

O Pachorrego e o Pandulho

Fugiam para uma esquina;

Mas a endiabrada Palina

Rebentou-lhes c’o bandulho.

 

O Nelo, levando o Gorro,

Foram prà taberna beber;

Mas o dono, que era Zorro,

Espadagou-os sem querer.

 

Nobre Praça, o Terreiro,

Transformado num Ourique;

Pelo chão vê-se o Tendeiro,

O Marmita e o Alambique.

 

O Pito, amparado ao Cobra,

Caminha devagarinho;

Assobiando uma trova

Que compusera o Nelinho.

 

O Rato, guerreiro mor,

Defendia o Carlota;

Dominava o Ferrador,

Depois de cucar o Tota.

 

O Piroliscas, suado,

Depois de mui pelejar,

Importunava o Morgado,

Aflito para mijar.

 

Mas enfim, chega o Mareco,

Com uma grande caminheta

- onde levava asno e reco –

Transportou Noca, Niceta…

 

Alguém lhes chamou azelhas

- filhos de Alá e de Meca –

Dizem que foi o Pardelhas,

Ou o santinho do Neca.

 

Era noite, e o Serôdio,

Com seu corpo tão dorido,

Diz aos outros: «basta d´odio,

Não batam mais no Zé Q’rido.»

 

Eis que chega da Sorbonne

O Chucha e o Cascalheiro;

E um filho da Tiborne,

O Besteira e o Cieiro.

 

Vinham bater no Virou,

No Graixa e no Marroto;

Mas o Valsas não deixou,

Nem o teso do Canhoto.

 

Impôs-se logo o Anaco,

O Cartucho e o Ganchola;

Juntou-se-lhes o Pataco,

O Louvado e o Grandola.

 

Como vingança, o Colhudo,

Atacou o Caganitas;

Do Louridal veio o Mudo,

Para desancar o Chitas.

 

E já mais para a tardinha

- quase na hora da ceia –

Apareceu o Cerinha,

E o Breguês da cadeia.

 

Levaram tantinha coça,

Tanto pontapé no bucho,

Quem lhes valeu foi o Bruxo

- escondeu-os numa choça.

 

A Maria do Registo

Acusava o Brasileiro

De ter batido no Cristo

E insultado o Tripeiro.

 

O Diós, muito aguerrido,

Encrespava o Carapisso;

Mas furioso, o Querido,

Põe-lhe ao rabo o Ouriço.

 

O Sem Orelha, catita,

Cantava com a Mamona;

E o Pequeno, e Matita,

A comerem da Rabona.

 

O Requitau mais o Morte

Chamaram o Taxista;

Não tiveram muita sorte,

Já o chumbara o Cambista.

 

O Chencho trouxe um cabrito,

Mas sua carne era dura;

Rilhou-a o Perotito,

Mais o Castanha Madura.

 

Caga Mula e o Tringlês

- já fartos de tanta espera -

Cada um, por sua vez,

Surraram o Cafetera.

 

O Sacho levou da Lola,

Do Pepe, da Peneireira;

Por sorte veio a Bicheira

Que lhes deu cabo da tola.

 

O Lilo mais o Fungão,

O Ipa e o Manecas,

Derrotaram o Ganão,

O Cachimbo e o Carecas.

 

O Vigário, já sem boia,

Pedia ajuda ao Manechas;

Veio com pau o Ramboia,

Com achas surgiu o Mechas.

 

O Canhona e o Bordão

Fugiram para o coreto;

Estava lá Capelão,

A-do-Moinho e Soreto.

 

Esmoreciam com fome

O Pedrinha e o Zebumba;

De repente a Ana Home

Empurrou-os prò Catumba.

 

O Galego, bom cristão,

Tirar fotos era vê-lo;

Fotografou o Tirão,

E o elegante Morelo.

 

Ali perto, o Soqueiro,

Convencia o Cabano

A cascar no Brigadeiro,

Socarem o Veterano.

 

De repente o General,

Com um chapéu na cabeça;

Tira fotos ao Pardal,

 Ao Pesetas e ao Peça.

 

Veio o Quingostas da cova

Matar o Cirurgião;

Mas El Cura de La Grova

Tirou-lhes a arma da mão.

 

O Músquel, muito cansado,

Encostara-se ao Bé;

Mas este, algo irritado,

Atirou-o prò Borné.

 

Veio o Braga com ementas

- era somente escolher -

O raio do Ferramentas

Antes preferia beber.

 

Trauliteiro trouxe pão,

O Vila Verde a canja;

Comeu Dois, o Abelhão,

Inda sobrou para o Granja.

 

Terminada a farta ceia

O Ronha botou discurso;

Mas o Lopes da Assembleia

Chamou-lhe cara de urso.

 

Até o animoso Froulas

Saiu ferido das refregas;

O pobre, já sem ceroulas,

Foi dormir à Das Adegas.

 

Já não era a vez primeira

Que se juntavam a Pica,

A Sancha e a Marinheira,

Contra Violas e Zica.

 

O Chantre, Cantra, Facadas,

Andavam sempre de moca; 

Por temerem os Calçadas,

O Peleila e o Noca.

 

Mas daí não vinha o mal,

Como dizia o Feitor:

«Eu temo é o Cabanal,

E o bravo Serrador

 

O Guenaro e o Lisboa

Temiam o Dente d’Ouro:

«comia quase uma broa,

Um presunto e um touro

 

O Botas, o sonhador,

Mais o Carlô e o Mundo,

Atiravam Capador

Para o buraco mais fundo.

 

O distinto Bate a Asa,

No regaço da Marchanta,

Tinha o peito já em brasa,

O coração na garganta.

 

O Bicho Fino era fino,

Mais hábil do que o demo;

Soube burlar o destino,

Ulisses e Polifemo.

 

Deu-lhes a cheirar a puça:

Ao Perinhas, Lampião,

E até à pobre Russa,

Jucas e Tabelião.

 

Robialac trouxe tinta

Para o Pintor pintar;

Um quadrinho com pinta

Para o Rifa o rifar.    

 

O Casanova e o Manetas

Disputavam a Joana;

Mas o chato do Pesetas

Trocou-a pela Betrana.

 

E por fim o Santo Amaro,

Que já bebera um litro,

Apoia-se no Guenaro,

E no fraco Amparito.

 

Terminou aquele inferno,

Peço perdão aos lesados;

À Pitinha e ao Inverno,

Cortiças e Rabiados.

 

Peço à Grila estimada

Mil perdões se a ofendi;

Mal lhe fez o de Parada

Que a cortou sem bisturi.

 

Aos animais da capoeira,

Aos melros e seus afins,

Aos Rolas e Gavieira,

Aos Caixas e Cornetins.

 

Aqueles que não lembrei

Dou-lhes um abraço longo;

O Barrelas, Tecla frei,

O bem trajado Valongo.

 

O Carrapito, esquecido,

Jamais me perdoará;

O Bôlas, de bom ouvido,

O passado olvidará.

 

A Chirela, pedinchona,

À liberdade tão presa,

Foi modelo prà Madona

E prà Diana princesa.

 

Falemos da Cuba bela,

Do Cabra de Cavaleiros,

Do Chona e do Capela,

E dos austeros Lareiros.

 

Do filósofo Carola,

À Picholas ancorado,

Mostrando negra pistola,

De belo punho cromado.

 

O Pelé e o Garrincha,

Fizeram fintas singelas!

Deslubraram Zé Canelas,

Os Varandas e o Guincha.

 

Como esquecer o Mijanços,

Que a terra foi visitar;

Para gozar uns descansos

Teve muito que lutar.

 

O Batatinha, infeliz,

Levou coça da Latona;

Podia fugir, não quis,

Entre as saias da Mijona.

 

Eu esquecer-me do Grelo?

Do Várzea ou do Pé d’Anjo?

Da Mortinha, Garabelo,

Papa Figos, do Marmanjo?

 

Do Lascas aventureiro?

E do bom Papa-Café?

Do Cá t’Espero porreiro?

Do Pica Três e do Mé?

 

E para ti, sem alcunha,

Aqui fica registado:

«escapas por uma unha

Mas não durmas descansado

 

Podes ser até Rajá,

Rei dos reis, Imperador;

Se eu quiser és Fungagá,

Zé do Burro, Pinga-Amor.

 

Podes ser Joana d’Arc,

Do Egipto, faraó;

Não te livras que te marque

Com o meu ferrete em Ó.

 

Posso chamar-te Fadista,

Ou mesmo Zé dos Anzois;

Remendão e Anarquista,

Um Arranja Guarda-Sóis.

 

Se todos batem no Sério,

Que o socorra o Misérias;

Que anda no presbitério

Em busca do pobre Lérias.

 

O pobrezinho Rabicho

Ficou muito magoado;

Mas o seu primo, o Nicho,

Vingou-se no Rabiado.

 

Pra acabar com a contenda

Vou chamar o Mata-Três,

Pode ser que Perrim aprenda

A lidar com o Tringlês.

 

E agora, na despedida,

vou dar um murro em mim;

assim é gozar a vida:

bater e levar sem fim. 

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