LINA - FILHA DE PÃ
(romance)
Por Joaquim A. Rocha
(continuação)...
Entrou porta dentro e dirigiu-se à cozinha, onde
costumava estar a sua Lina. Queria dar-lhe a novidade: «já cá canta!» Porém, quem surgiu aos seus cansados olhos, para seu
espanto, foi uma rapariguinha franzina, de olhar tímido, acanhada.
- Estou a tratar da senhora Lina, que teve um bebé;
está na cama.
- É verdade o que dizes?!
- Então, como correu? É rapaz ou rapariga?
- Correu tudo bem. Eu estou forte, amanhã já me
levanto. Olha para o berço. Não vês a cor? Azul. É um rapaz, um latagão. O
nosso Leandro vai ser um homenzarrão.
- Posso pegar-lhe? É tão bonito!
- Ainda é cedo; deixa-o dormir. A Joaninha logo já o
lava e põe-mo aqui para eu lhe dar a mama. Ah! Já me esquecia: passaste? Já
tens a carta?
- Passei com distinção! O dinheiro compra tudo. Agora
preciso de adquirir o automóvel, para isso terei de ir ao Porto. Não te importas
que vá abaixo, à loja?
- Vai homem, vai. A mocinha está a preparar a ceia.
- Não precisará de ajuda? Vê lá!
- Eu daqui oriento-a. Não te preocupes – disse-lhe, sorrindo para ele.
O senhor
Manuel desceu até ao estabelecimento. Estava feliz. Um dia em cheio. Tinha uma
mulher jeitosa, um filho, logo um rapaz, a vida corria-lhe bem. Graças ao
contrabando, tudo se vendia e comprava. As pesetas e os escudos iam entrando
nos seus bolsos como as abelhas entravam nas colmeias e a chuva penetrava nas
terras aráveis. Os galegos eram bons clientes, pagavam a tempo e horas.
Aumentara o número de lojas, já tinha empregados, o negócio prosperava a olhos
vistos, chegava para todos. «Dinheiro
chama dinheiro», diziam os mais antigos, e tinham razão.
À impostora, tudo corria
às mil maravilhas. A criança foi batizada na igreja de Castro da
Serra, tendo por padrinhos um casal de castrejos, amigos do “pai” do menino, em
casa dos quais se realizou uma grande festa. Até baile houve ao som de uma concertina.
Costuma dizer-se
que não há bela sem senão. Pois é: a tal prima do senhor Manuel não desistiu do
caso. Estava em jogo muito dinheiro e bens. Investigou, mandou investigar, e por
fim a pesquisa surtiu o efeito tão desejado: a criança não era da Lina. A astuta
mulher comprara-a, como quem compra um peru ou um pato!
Depois
dessa descoberta, dirigiu-se à Guarda Nacional Republicana e contou tudo que sabia. Não era por interesse,
disse-lhes, mas sim para desmascarar a intrujona, a libertina. Já fizera aquela
patifaria ao pobre do Mário, arruinara uns quantos lares, e agora aquilo. Aquela
sacaninha era o diabo em pessoa.
A Guarda pôs-se
em campo. Em primeiro lugar foi a Cartagães e deu ordem de prisão à mãe da
criança. Nem sequer foi necessário levá-la presa – ao primeiro safanão confessou
tudo:
- Senhores guardas, eu e o meu homem temos tantos
filhos, passamos tanta fome, e aquele ao menos está bem, em casa de gente rica.
Por favor: não lhe estraguem o seu futuro.
- Mas, senhora Umbelina – diz o cabo com comiseração – não vê que vender uma criança é crime
grave? A senhora não se vai livrar de cumprir uma pena, embora leve, julgo eu,
tendo em conta a sua extrema pobreza, mas não volte a fazer o mesmo. A Lina
desta vez vai para a prisão durante algum tempo, a fim de pagar por todas as
patifarias que tem feito.
- Eu não tenho nenhuma queixa dela, tem-me ajudado
muito. Que Deus a proteja.
- Está bem, está bem, apresente-se amanhã no posto;
não falte, se não vimos buscá-la e é pior para si.
desenho de Manuel Igrejas |
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