ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
FORAIS MELGACENSES
(continuação)
Nada fazia
prever, quando em 1223 morre Afonso II, subindo então ao trono seu filho Sancho
II, que Afonso algum dia viesse a ser rei. Ele próprio não acreditava nessa
possibilidade. Por isso, em 1227, quatro anos depois de seu irmão se tornar
monarca, parte para França onde casa, em 1245, com a condessa Matilde de
Bolonha, senhora de muito prestígio. Matilde, por razões que eu desconheço, não
acompanhou seu marido quando este veio assumir o poder em Portugal. Razões de
Estado? Razões de coração? Esta nobre senhora faleceu em 1261, já «divorciada»
de Afonso III, rei de Portugal e Conde de Bolonha.
Foi o papa
Inocêncio IV, em 1245, a pedido dos prelados e de alguns nobres portugueses,
quem nomeou Afonso «defensor do reino de
Portugal», enquanto seu irmão fosse vivo (Sancho II seria desterrado para
Toledo, onde faleceu no ano de 1248).
Afonso III casou
novamente (encontrando-se ainda viva a sua primeira mulher), com Beatriz, filha
de Afonso X, o Sábio, rei de Leão e de Castela, na cidade de Chaves, no ano de
1253. A bolonhesa não lhe tinha dado filhos; a castelhana, porém, deu-lhe sete!
Além destes, o pai de D. Dinis ainda conseguiu arranjar mais dez ilegítimos!
Depois de
terminada a guerra civil, provocada por esta estranha sucessão, Afonso III virou-se
para a administração do território. Promoveu novas inquirições «que deviam julgar da justiça dos títulos de
posse e privilégios, padroados, coutos (…), a fim de evitar apropriações
abusivas.» É neste espírito de organização e atualização que surge o novo
foral dado a Melgaço no ano de 1258.
2.º Foral
Em nome de Cristo
e por sua graça. Seja conhecido de todos, tanto coevos como futuros, que eu,
Afonso, por graças de Deus rei de Portugal e Conde de Bolonha, juntamente com a
minha esposa e rainha D. Beatriz, filha do ilustre rei de Castela e de Leão,
faço carta de foro a vós, povoadores presentes e futuros de Melgaço. Dou-vos e
concedo-vos a minha vila de Melgaço para a povoarem para foro. E mando que
sejais na dita vila trezentos e cinquenta povoadores. E vós, e todos os vossos
sucessores, dar-me-eis, e aos meus sucessores, anualmente, trezentos e
cinquenta morabitinos velhos (1), três vezes ao ano, por todos os direitos,
foros e coimas qua adiante vão descritas. E haveis de receber na mesma vila o
meu rico-homem (2) que tiver essa terra e aí gaste os seus dinheiros, e não vos
faça nenhum mal nem força, nem vos tire seja o que for contra a vossa vontade.
Eu próprio nomearei alcaide que me preste menagem do meu castelo. E o alcaide
em pessoa deve guardá-lo e não vos fazer mal ou força, e não se intrometer nos
assuntos da vossa vila e concelho, a não ser para aquilo que o quiserdes
chamar.
E tende a vila de
Melgaço com todos os seus limites, divisões novas e antigas, por onde os
puderdes melhor encontrar de direito. E em todas as outras coisas, para além do
que acima está escrito, dou-vos o foral de Monção, como segue:
Em primeiro
lugar, concedo-vos que não deis por homicídio se não trezentos soldos de coima,
e desses dai deles a sétima parte ao paço por mão do juíz. E em qualquer
pleito, ou crimes que exijam reparação, não entre o meu meirinho (3), a não ser
como juíz do vosso concelho. E a terceira parte do vosso concelho faça fossado
(4), e as outras duas partes permaneçam na vossa vila. E daquela terceira parte
que deverá fazer o fossado, aquele que não se apresente pague, para o esforço
de guerra, cinco soldos de coima. E não façais fossado senão com o vosso senhor,
uma só vez por ano, a não ser que seja por vossa vontade. Os clérigos e os
peões (5) não façam fossado. E não entrem aí mensageiro nem bens de qualquer
homem de Melgaço. E quem, no termo de Melgaço, raptar filha alheia contra sua
vontade, pague ao paço trezentos soldos e seja expatriado como se fora
homicida. E se alguém de entre vós ferir com premeditação na feira, na igreja,
ou no concelho, o seu vizinho, pague sessenta soldos ao concelho, sendo a sétima
parte para o paço por mão do juíz. E de qualquer furto, o dono da coisa furtada
receba o seu cabedal e das outras oito partes dê ao juíz metade (6). E aquele
que fizer uma casa, ou honrar a sua vinha e herdade, e nela residir durante um
ano, se depois quiser habitar noutra terra, os seus bens continuarão a
pertencer-lhe onde quer que ele habite. E se quiser vendê-los, venda-os pelo
foro da vossa vila a quem quiser. E os homens de Melgaço que tiverem de fazer
juízo ou ajuntamento com homens de outras terras façam-no nos limites dos seus
termos.
Dou-vos por foro
que o cavaleiro (7) de Melgaço seja havido por infanção (8) de todo o meu reino
em juízo e em juramento e isso vinque com dois censores (9); e o peão seja
havido como cavaleiro vilão de todas as minhas terras em juízo e em juramento e
vinque isso com dois censores. E os homens que das suas terras tiverem de sair
por homicídio ou rapto de mulher, ou por qualquer outra calúnia (10), exceto se
trouxerem a mulher de outrem, no estado de casada, e se se fizerem vassalos de
algum homem de Melgaço, sejam livres e defendidos pelo foral de Melgaço. E se
um homem de qualquer outra terra vier com inimizade ou com penhora, depois de
ter entrado no termo de Melgaço, se o seu inimigo entrar depois dele e lhe
tirar o penhor ou lhe fizer algum mal, pague ao senhor que tiver posse de
Melgaço quinhentos soldos e duplique o penhor àquele a quem o tiver tirado e
repare os agravos que lhe tenha feito. E quem penhorar um homem de Melgaço, e
antes não o tiver solicitado, à vossa assembleia, pague ao paço sessenta soldos
e duplique a penhora àquele que a tiver sofrido. E homem de outra terra que
descavalgar cavaleiro de Melgaço pague sessenta soldos; e homem de Melgaço que
descavalgar cavaleiro de outra terra pague cinco soldos. E se homem de outra
terra prender homem de Melgaço e o puser na prisão pague trezentos soldos; e se
homem de Melgaço prender homem de outra terra pague cinco soldos. E se homem de
Melgaço, por qualquer fiança, não for citado durante meio ano, a mesma caduque;
e se entretanto morrer, a mulher e os filhos dela fiquem livres. E os homens de
Melgaço não paguem pela penhora nem para o senhor da terra, nem para o
meirinho, nem sejam penhorados pelo seu vizinho. Nem os cavaleiros de Melgaço,
nem as mulheres viúvas, dêem pousada pelo foro de Melgaço, a não ser os peões,
por indicação do juíz, até ao terceiro dia. E os homens de vossos termos, ou de
outras terras, que se instalem em vossas propriedades, ou em vossos solares,
quando vós aí não estiverdes, venham os mesmos por ordem do juíz e dêem
fiadores residentes que possam responder perante a lei quando regressarem os
legítimos proprietários. E se fizerem calúnia, paguem-na aos seus senhores e a
sétima parte ao palácio. E não sirvam senão aos senhores em cujos solares
vivem. E as searas e as vinhas do rei tenham igual foro ao que têm as vossas searas
e vinhas.
Aquele que matar
o seu vizinho e se refugiar em sua casa, quem entrar atrás dele e aí o matar,
pague trezentos soldos. E quem uma mulher forçar, e a própria se puser a gritar
(não aceitando o ato) se o violador por meio da lei [Lei das XII Tábuas (11)]
não se puder salvar, pague trezentos soldos. E quem bater em mulher alheia,
pague ao seu marido trinta soldos e a sétima parte ao paço. E o homem de
Melgaço que queira dar fiadores por intenção daquilo que o inquieta, e tiver
dado dois fiadores, e ele próprio ser o terceiro, se aquele que é o motivo da
sua inquietação não quiser aceitar os fiadores, e posteriormente o matar, todo
o concelho pague o homicídio aos seus parentes. E o paço do senhor rei e o paço
do senhor bispo tenham coima (12). E toda a vila tenha um único foro (13). E o
homem de Melgaço que entrar com um fiador, se aquele que desrespeitou não o
libertar qual tenha feito a fiança, tal pague. E se tiver para com ele uma
atitude de ameaça, despreze-o, e saia ele próprio da fiança. E da suspeita de
dez soldos pelo menos, jure com um vizinho apenas; e de dez soldos para cima,
jure com dois vizinhos. E o homem de Melgaço que queira ir para outro senhor,
para que este o beneficie, a sua mulher e os seus filhos sejam livres e a sua
casa e os seus bens desonerados pelo foro de Melgaço. // continua...
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