DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
Cartas de um castrejo
16.ª -
«Senhor Redactor: não me consta
(…) que a digna paróquia desta freguesia haja tomado qualquer resolução acerca
do problema educativo a resolver e de cuja solução temos necessidade urgente. E
estou surpreendido porque, desde garotito – quando desempenhava o pesado
encargo de pinche (*) por essas Espanhas, no lucrativo mister de canteiro, em
miniatura, vendo as sumptuosidades dos alcáceres de Alhambra e Granada,
passeando ante os magníficos palácios das “Puertas del Sol” e “Plaza Mayor”, em
Madrid, percorrendo Valência e Burgos, fazendo paragem em Barcelona – cidade
que alia, às mais apuradas indústrias, uma tenacidade de “hierro” para as
justas reivindicações; transpondo a fronteira (sem passaporte), e já meio
pedreiro, tendo afrontado as inclemências do clima da Beira Alta, onde o calor
insuportável das trincheiras me produziu umas maleitas levadas de Satanaz,
percorri o Douro, fazendo pequenos suportes, nos inúmeros valados das encostas
dos seus abruptos montes e, como o judeu errante, havendo visto grandezas e
misérias, e percorrido uma boa parte da península, saltei ao lar com pouco
dinheiro (e creiam que não era pródigo), muita saúde e um pouco de prática do
mundo, deste mundo que os meus sessenta bem puxados me dizem ser um misto de
infortúnios e venturas, um pandemonium de vícios, perfeições e misérias – o
enorme páleo em que os milhares de biliões de viventes representam o seu papel:
- desde o micro orgânico ao elefante e à baleia, desde o musgo dos rochedos ao
carvalho secular, e… à sensitiva. Pois nada nos surpreendeu (…) mais que o não
termos notícia do menor movimento em benefício da cruzada que advogamos: - a da
instrução do nosso povo. Não repetimos as considerações já feitas aqui, antes
lhas gritaremos ao ouvido, em ocasião oportuna. Mas, para quê?! De entre os
membros da paróquia, ou seus mentores, alguns nos foram companheiros durante a
vida de peregrinos (não disse bem, de homens que buscam onde ganhar o pão
condignamente) e, logo, devem raciocinar como nós, devem pensar como nós, devem
comungar connosco o amor sacrossanto que todo o bom filho deve à terra mãe, que
lhe serviu de berço. O assunto magno da nossa vida social é a educação (…);
pugnemos pois por ela, com toda a energia, com toda a boa vontade. Preparem a
representação, enviem-na ao seu destino e, para a frente, que o parar é morrer.
E creiam todos que é alta a responsabilidade que lhes impende sobre as consciências,
se não agirem com toda a perseverança e fé. Creiam, também, que cá está ao
lado, mas pronto para todos os sacrifícios… um castrejo (Correio de Melgaço n.º 200, de 21/5/1916).»
//
(*) Rapaz
de recados; ajudante.
Sem comentários:
Enviar um comentário