quarta-feira, 22 de abril de 2015

CARTAS DE CASTRO LABOREIRO

    Estas cartas tinham como objetivo chamar a atenção das autoridades do concelho para os problemas dos castrejos. Quanto a mim elas foras escritas por Matias Lobato, professor do ensino primário em Castro Laboreiro, sempre pronto a defender os interesses daquele povo serrano. Dele falarei um dia.


3.ª - «Sr. Redactor: desculpe-me o tanto insistir pelo bem desta pobre terreola do concelho, pois a considero como mãe, por nela ter visto pela 1.ª vez a luz do dia – de um dia formoso e lindo de Junho, quando ainda a passarada galreia por esses giestais, as urzes florescem e uma ou outra flor mimosa nos deleita a vista, aqui e além, nos prados verdejantes e nas searas de oiro. (…); e, no escrínio das preciosidades do “Correio” guarde, rogo-lhe, a descrição deste sonho de “um castrejo” – não pelo seu valor literário ou artístico, mas pela boa intenção que o ditou: - (…). O sol, com seus raios dardejantes, doirava os píncaros das serranias; e, do castelo mourisco, pela porta falsa, parece que uma encantada apregoava: vitória, vitória! Em linha recta de Portelinha à vila estendia-se a estrada férrea, deixando os ziguezagues aos povos ribeirinhos. O resfolegar duma poderosa máquina, acompanhado de um silvo agudo – que espantava a passarada nos salgueirais e enxotava os lobos das cavernas, chamava também a atenção dos moradores do sítio. As crianças, ao sair das escolas, muito limpas, muito tagarelas, viam com satisfação, pela 1.ª vez, o comboio, o veículo da civilização e do progresso, o colosso que num abraço fraternal vinha também trazer-lhes os primores da civilização. O comércio progredia a olhos vistos. As indústrias começavam a tomar incremento – especialmente as do chocolate, queijo e manteiga. Os gados aumentavam de preço. Os lavradores, abandonando a rotina, serviam-se dos novos processos na agricultura e de adubação das terras, e não tinham mais necessidade de abandonar o lar para irem auferir o necessário à vida. Os remediados trocavam o fato de burel pelo puro figurino de Estecolmo ou Petrogrado! E as meninas castrejas trabalhavam à máquina, cosiam e bordavam… (…). // Após o meu sonho doirado, um facto que me contrista a alma, por o julgar abusivo, ilegal, e sobretudo injusto, por desumano: anteontem, quando diversas mulheres conduziam mulas carregadas de milho, para esta freguesia, a Guarda-Fiscal deteve-as na Costa de Portelinha, fê-las retroceder ao posto de Alcobaça, e tiveram que pagar não sei quê e não sei porquê! Isto confrange-nos! Não colhemos pão para nós e nossos filhos, comprámo-lo com o suor do nosso rosto, pagamos o transporte e ainda nos sujeitamos ao fisco! Decididamente temos neste caso a lei de excepção de batizado civil dos vitelos. Mas isto é mais sério, isto é mais ponderável, isto força-nos a chamar a atenção do Chefe da Guarda-Fiscal para que, aos seus subordinados, dê ordens terminantes a fim de que factos desta natureza se não repitam. Não somos contrabandistas; e muito menos de milho, pois seríamos os primeiros a vigiar pela sua exportação; por isso, não podemos tolerar que as condutoras de milho para esta freguesia – milho que vem ser a fartura das nossas casas, esteja sujeito à menor intervenção da Guarda-Fiscal… // No p.p. dia 15 houve banzé na feira desta freguesia, que pôde ter as mais fatais consequências. Recomendamos aos agitadores o maior tino e que reconheçam que a honradez é o lema do homem de bem. / Castro Laboreiro., 18/2/1916.»             
    

     Nota do Correio de Melgaço: «Achamos justas, por todos os títulos, as considerações feitas pelo nosso solícito correspondente, devendo, ainda assim, dizer-lhe que, em virtude das providências tomadas pelas autoridades, não pode transitar, sem guias de circulação, o milho, centeio e feijão. Pode, portanto, ser aprisionada qualquer quantidade cujo condutor não esteja preparadinho, e para isso foram dadas ordens terminantes à Guarda-Fiscal. Bem compreendemos o incómodo, mas para grandes males… maiores remédios. E deste remédio todos devemos gostar – inclusivamente “um castrejo”.» 

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