sexta-feira, 10 de abril de 2015


ENTRE MORTOS E FERIDOS
(dois anos de guerra na Guiné-Bissau)

romance
                                                 Por Joaquim A. Rocha



ADVERTÊNCIA


  A narrativa que a seguir vai ler, caro leitor, contou-ma um antigo combatente da guerra colonial, hoje um homem já com alguma idade. Entregou-me cerca de cinquenta folhas de papel manuscritas e disse-me: “Leia isso; pode ser que o inspirem a escrever um romance”.
Fez questão de que o seu nome de batismo não figurasse no livro e não quis também que o verdadeiro número do seu Batalhão e da sua Companhia fossem revelados, mas permitiu que o nome da sua terra de nascimento aparecesse destacado.
Os topónimos das localidades mencionadas são todos autênticos, como genuínas são as designações dos rios.
As datas poder-se-ão considerar corretas. Os dias de viagem – seis – e o nome do paquete – Uíge – são igualmente dados exatos.
Este texto não se reclama de histórico, no sentido estrito de ciência, visto que a ficção romanesca teve aqui também cabimento. Se quisesse ser imodesto dir-vos-ia que o comparo àquele outro, já famoso, de Fernão Mendes Pinto, onde a realidade, a fantasia e a ficção se misturam e não se sabe bem onde uma começa e as outras acabam. Pode ser lido como um livro de ação, de pura guerra, inspirado em factos emocionalmente vividos, mas também como o percurso de um humilde artesão que, obrigado a abandonar o seu mester, vai relacionar-se com outro tipo de indivíduos, embora patrícios, isto é, da mesma pátria, com uma língua comum, praticamente da mesma idade, e a pouco-e-pouco se apercebe que só através do relacionamento se poderá apreender as características que definem as diferenças de caráter de cada um deles. E isso tem a ver, sobretudo, com a maneira como foram criados, o meio que os rodeia, rural ou urbano, enfim todo um percurso de vivência ou mesmo o seu indeterminismo.
     Espero sinceramente que não seja uma frustração para o leitor a leitura desta singular e despretensiosa obra literária.
     Quero também sublinhar que ela não foi escrita contra ninguém em particular; é, assim o espero, mais uma acha para a fogueira da luta contra todos os conflitos e a injustiça.
     O seu objetivo principal será dar a conhecer a toda a gente que o deseje, sobretudo aos mais novos, as aventuras e desventuras de um soldado, em especial aquelas que viveu no continente africano, durante cerca de dois anos, aquando do conflito armado entre as forças de libertação e o exército português, na então província lusa da Guiné.
     Segundo as obras da especialidade, esta palavra «Guiné» deriva da povoação Gená, Genua, Ghenea, Djenné, Jenné, Jani ou Geni, fundada cerca de 1.040  da era cristã, nas margens do Níger, grande centro comercial, antes de ser abafada pela prosperidade de Tombuctu.
     Este território foi descoberto, ou melhor, conquistado pelas armas, ocupado, uns anos antes do infante Dom Henrique morrer, ou seja, em 1446, por Nuno Tristão, acabando este por ser abatido pelos indígenas. Os felupes, tribo guineense, foram contactados por Álvaro Fernandes, também em 1446, ano em que por lá andavam Diogo Gomes e Cadamosto, no reinado, portanto, de Afonso V (1438-1481). No ano anterior, ou seja, em 1445, já Dinis Dias tinha atingido toda a costa da Guiné até ao Cabo Verde.      
     O nosso bem conhecido cronista do reino, Gomes Eanes de Zurara, que substituiu nessas funções a Fernão Lopes, servindo-se de relatos individuais, escreveu a «Crónica da Guiné», obra fundamental para o estudo dessa ex-colónia portuguesa.
     «O objectivo da obra é dar o conhecimento da conquista da Guiné enquanto facto realizado pelo infante e feito criador da atlantização e novo destino de Portugal…» (Luís Filipe Barreto, in Gomes Eanes de Zurara e o problema da Crónica da Guiné, STVDIA n.º 47, página 320).
A Guiné Portuguesa foi uma das nossas colónias onde mais duramente se combateu desde o início da sua descoberta. Pode dizer-se que só há 30 anos foi inteiramente submetida ao nosso domínio efectivo. A pacificação foi levada a cabo pelo então capitão Teixeira Pinto.”
Também ali (na Guiné) se procede a grandes obras públicas: estradas, hospitais, escolas, serviços de esgoto e abastecimento de água e outras obras de higienização, bairros de habitações para indígenas e europeus, etc.”
A nossa província da Guiné, cuja extensão não ultrapassa a do Alentejo, é uma das mais prósperas sob o ponto de vista agrícola. A terra é fértil e copiosamente regada. Produz principalmente amendoim, para o fabrico de óleos, e arroz. Possui ainda excelente madeira para carpintaria e marcenaria.”
Tudo isso se pode ler no jornal “Noticias de Melgaço” número 763, de 20/01/1946, escrito por um ferrenho adepto do regime corporativista, que, provavelmente, nunca pôs os pés nesse território africano.     

     A área da Guiné-Bissau ronda os 36.000 km2 e a sua população não ultrapassaria (1998) um milhão de habitantes. O clima é tropical húmido, muito propício a doenças, das quais talvez as mais conhecidas, e que causam anualmente mais vítimas mortais, sejam o paludismo, varíola, lepra e febre-amarela.

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