SONETOS DO SOL E DA LUA
Por Joaquim A. Rocha
EM PLENO VERÃO
(177)
Na
hora árdega do meio-dia
Bate
fortemente meu coração;
O
cérebro mergulha em ilusão,
O
meu peito absorve maresia.
Ouço
ao longe estranha sinfonia,
Como
lamentando antiga paixão;
Um
vil pecador pedindo perdão,
Aves
a voar, em plena harmonia.
Eis
senão quando o céu escurece,
Um
vendaval rompe pelos ares,
Um
forte sismo deita abaixo tudo.
O
povo ajoelha, e, em uma prece,
Reza
ao senhor dos ventos e dos mares…
E
eu ali: surdo, cego, e mudo!
AMOR DE PINGUIM
(178)
Naquela
tarde, fria como a morte,
Dois
pinguins lutavam por uma fêmea,
Como
famintos lutam pela sêmea,
Apostadores
lutam pela sorte.
Um
deles era grande e forte,
De
Sansão e Golias alma gémea,
Amava
a pequena pinguim Noémia,
Nada
nas gélidas terras do norte.
Mas
a Noeminha prefere o fraco,
Cujo
coração já lho entregara,
E
sofria com a sua derrota…
Ao
vil gigante não daria naco
Do
seu amor, belo como a arara,
Firme,
como nos mares uma frota.
EU NASCI ASSIM…
(179)
Jesus Cristo nasceu na manjedoura,
Eu
em uma suja pocilga nasci;
Milagre,
talvez não, sobrevivi,
Sem
ter a meu lado burro e toura.
Não
tive a doce mirra duradoura,
Aromático
incenso eu nunca vi;
O
calor de meus pais nunca senti,
Nem
beijo terno de judia ou moura.
Os
três reis magos, velhos, insensíveis,
O
Gaspar, Baltazar e Melchior,
Guiados
por estrelas perecíveis,
Deram
a Jesus aromas, amor…
E
eu, sem afetos puros, visíveis,
Penei,
corpo de carne e de dor.
(180)
Sou
a praga enviada por Jeová,
Deus
dos deuses, senhor do universo;
Não
nasci em cama nem em berço,
Sou
irmão de Zeus, do grande Alá.
A
minha índole é boa e má,
Sou
a medalha e o seu reverso,
Nunca
tenho sonhos, nem adormeço,
Quando
aqui estou também estou lá.
Sou
o senhor dos mundos ancestrais,
Todos
me obedecem: brancos, morenos;
Padres,
cónegos, bispos, cardeais…
Gigantes,
anões, grandes e pequenos,
Plantas,
pedras, todos os animais,
Russos,
americanos e chilenos.
// continua...
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