POEMAS
Por Joaquim A. Rocha
117
O FESTIVAL DO FADO
Atenção: peço silêncio!
Vai-se aqui cantar o fado;
primeiro mestre Inocêncio
pra cantar o “mal-amado”!
A seguir o Marceneiro
pra nos cantar um fadinho;
mas antes, o taberneiro,
passa-lhe um copo de vinho.
Depois a Amália ardente,
pra cantar a “Mariquinhas”
(coitada, como ela sente
a desgraça das alminhas!)
A Hermínia também canta,
com sua voz estridente,
qu’até os mortos levanta
da sua câmara ardente!
E o Pacheco também vem,
com sua guitarra fatal,
fazendo sonhar a quem
d’amores sofre por mal.
O Carlos também não falta
a este festival do fado;
aproveita e diz à malta
que o fado ainda é fado!
O Rodrigo gorduchinho,
com sua voz tão bonita,
vai cantar prò povinho
o fado “Maria Rita”!
A seguir vai-nos cantar
a biografia do fado;
Marialva quer lembrar,
da Severa enamorado!
A Cidália, moreninha,
com sua voz comovente,
canta, pra toda a gente,
o fado “a desgraçadinha”:
«Andava a
desgraçadinha
pelas ruas da amargura,
a pedir uma esmolinha
pra molhar sua secura.»
Dona Maria Valejo,
num tom quase de balada,
canta, lembrando o Tejo,
o “fado da cavalgada”!
Vêm, de Coimbra, os fados,
todos têm a mesma chapa:
sejam bem ou mal cantados
«vão do Choupal té à Lapa»!
O Farinha não esquece
«o soldado na
trincheira».
Senhores: até parece
a guerra da brincadeira!
Ada de Castro, potente,
com seu peito avantajado,
não podia estar ausente
deste festival do fado.
Manuel d’Almeida encanta,
com sua voz de bagaço;
e da sua bela garganta
sai o “fado do palhaço”.
A Marisa, grandalhona,
Encanta como ninguém;
A sua voz vem à tona,
Ouve-se aqui e além.
E os fadistas mais novos,
cantando a primeira vez,
lembram a todos os povos
que o fado é português.
118
NEGRO IRMÃO
Negro irmão africano; não te quero mal, não!
Não detesto a tua cor, mas não suporto o teu odor!
Gosto do cheiro dos campos, do cheiro forte dos pinheiros,
do cheirinho das flores, da natureza transbordante… Ainda suporto a maresia,
mas a tua companhia… Negro irmão: eu gosto de ti e não! Não gosto do cheiro da
tua pele, do feio odor que ela expele… dos teus olhos cor de sangue!
Negro irmão: eu gosto de ti e não!
Amo a selva, os selvagens animais, correndo pela savana, a
serra, altos montes, os lobos e as raposas; o odor forte dos rebanhos, o cheiro
da gasolina… Negro irmão: eu gosto de ti e não!
119
LUÍS DE CAMÕES
Quem viveu mais Portugal,
quem mais o
engrandeceu?
Quem o cantou sem igual?
Quem mais por ele sofreu?
Tu foste e és o bornal
no qual eu me alimento;
partilho o bem e o mal,
a alegria, o tormento!
És ainda o maior vulto
destas letras portuguesas;
foste, e és, o mais culto,
cimo de nossas grandezas.
És príncipe dos poetas,
nosso rei, imperador…
atingiste grandes metas
nas obras e na grão dor!
Oh! meu Camões adorado,
como tu, às musas peço,
um talento reforçado,
o saber do universo!
120
DOM PIXOTE
Chamavam-lhe Dom Pixote
a el-rei de Terra Tansa;
tinha corpo de Quixote,
cabeça de Sancho Pança.
Sedento de mui poder,
fome de em tudo mandar;
nascido pra obedecer,
ei-lo na Corte a reinar!
Como súbditos, camelos,
gente de baixa ralé;
até dava nojo vê-los
no sabujo beija-pé!
Dom Pixote era vaidoso,
achava-se mui sabido;
de ordinário, palavroso,
disco sempre repetido:
«Eu sou rei de Terra
Tansa
o único, o destemido;
recebi a minha herança
do velho deus recolhido.
Sou o senhor destas terras,
dono de toda esta gente;
cultivo a paz, faço guerras,
sou monarca omnipotente!
A mim todos obedecem,
não há outro meu igual;
face a mim sóis escurecem,
sou o sol universal!
Sou um grande pensador,
meu cérebro é assombroso;
sem estudar, sou doutor,
em todo o mundo famoso!
O Sócrates e Platão…
uns burros à minha beira;
em busca do homem-razão
gastaram a vida inteira!»
Mas toda esta ladainha
não passava de presunção;
pois se tansos na mão tinha
os outros não tinha, não!
Ele já desconfiava
que o reino corria perigo;
e para si rabujava:
«onde está o inimigo?»
Mandou chamar seus lacaios,
ordenou-lhes, com voz forte:
«tragam-me esses
catraios
para eu lhes dar a morte.»
Claro que esses “catraios”
não eram quaisquer rapazes:
eram gente, não malaios,
do mundo novo, as bases.
Os esbirros procuraram
todo o reino, cada canto;
mas a eles não acharam,
e ao “rei” causava espanto:
«Estou em perigo, em
perigo»
berrava, como um danado,
«arranjem-me forte
abrigo,
fortaleza do passado!»
Pensava: «vão-me matar?
Terei eu um triste fim?
E se meu cetro entregar?
Não quero acabar assim!
Vou pra longe, vou fugir,
tenho medo que me matem;
mas pra onde eu posso ir
sem que os gajos me catem?!
Ai de mim, ai, ai de mim,
ai do nosso reino inteiro;
já vejo chegar seu fim…
o seu dia derradeiro!
Em que mãos vai ser botado
o glorioso reino meu!»
E tal Nero, tresloucado,
todo o reino incendeu!
As chamas ao céu subiram,
ouvem-se ao longe os gemidos;
“rei”, lacaios, sucumbiram,
serão em breve esquecidos!
121
O CUMPRIMENTO
De cumprimento em cumprimento
vou estragando a minha mão;
mas que terrível tormento…
mas que infeliz condição!
Mais me valera ser pato,
e voar sobre a ribeira;
dava a pata ao regato,
e uma pena à peixeira!
Mais me valera ser cão,
mesmo de origem rafeira;
dava a pata, não a mão,
à cadelinha solteira!
Mais me valera ser anjo
voando por sobre o céu;
dava uma asa dum frango
o resto comia-o eu!
Mais me valera ser gato
dormindo sobre uma lauda;
dava seis vidas num prato
e um pelinho da cauda!
// continua...
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