terça-feira, 19 de agosto de 2025


POEMAS

Por Joaquim A. Rocha




 

117

 

O FESTIVAL DO FADO

 

Atenção: peço silêncio!

Vai-se aqui cantar o fado;

primeiro mestre Inocêncio

pra cantar o “mal-amado”!

 

A seguir o Marceneiro

pra nos cantar um fadinho;

mas antes, o taberneiro,

passa-lhe um copo de vinho.

 

Depois a Amália ardente,

pra cantar a “Mariquinhas”

(coitada, como ela sente

a desgraça das alminhas!)

 

A Hermínia também canta,

com sua voz estridente,

qu’até os mortos levanta

da sua câmara ardente!

 

E o Pacheco também vem,

com sua guitarra fatal,

fazendo sonhar a quem

d’amores sofre por mal.

 

O Carlos também não falta

a este festival do fado;

aproveita e diz à malta

que o fado ainda é fado!

 

O Rodrigo gorduchinho,

com sua voz tão bonita,

vai cantar prò povinho

o fado “Maria Rita”!

 

A seguir vai-nos cantar

a biografia do fado;

Marialva quer lembrar,

da Severa enamorado!

 

A Cidália, moreninha,

com sua voz comovente,

canta, pra toda a gente,

o fado “a desgraçadinha”:

 

«Andava a desgraçadinha

pelas ruas da amargura,

a pedir uma esmolinha

pra molhar sua secura

 

Dona Maria Valejo,

num tom quase de balada,

canta, lembrando o Tejo,

o “fado da cavalgada”!

 

Vêm, de Coimbra, os fados,

todos têm a mesma chapa:

sejam bem ou mal cantados

«vão do Choupal té à Lapa»!

 

O Farinha não esquece

«o soldado na trincheira».

Senhores: até parece

a guerra da brincadeira!

 

Ada de Castro, potente,

com seu peito avantajado,

não podia estar ausente

deste festival do fado.

 

Manuel d’Almeida encanta,

com sua voz de bagaço;

e da sua bela garganta

sai o “fado do palhaço”.

 

A Marisa, grandalhona,

Encanta como ninguém;

A sua voz vem à tona,

Ouve-se aqui e além.

 

E os fadistas mais novos,

cantando a primeira vez,

lembram a todos os povos

que o fado é português.

  

118

 

NEGRO IRMÃO

 

Negro irmão africano; não te quero mal, não!

Não detesto a tua cor, mas não suporto o teu odor!

Gosto do cheiro dos campos, do cheiro forte dos pinheiros, do cheirinho das flores, da natureza transbordante… Ainda suporto a maresia, mas a tua companhia… Negro irmão: eu gosto de ti e não! Não gosto do cheiro da tua pele, do feio odor que ela expele… dos teus olhos cor de sangue!

Negro irmão: eu gosto de ti e não!

Amo a selva, os selvagens animais, correndo pela savana, a serra, altos montes, os lobos e as raposas; o odor forte dos rebanhos, o cheiro da gasolina… Negro irmão: eu gosto de ti e não!

  

119

 

LUÍS DE CAMÕES

 

Quem viveu mais Portugal,

 quem mais o engrandeceu?

Quem o cantou sem igual?

Quem mais por ele sofreu?

 

Tu foste e és o bornal

no qual eu me alimento;

partilho o bem e o mal,

a alegria, o tormento!

 

És ainda o maior vulto

destas letras portuguesas;

foste, e és, o mais culto,

cimo de nossas grandezas.

 

És príncipe dos poetas,

nosso rei, imperador…

atingiste grandes metas

nas obras e na grão dor!

 

Oh! meu Camões adorado,

como tu, às musas peço,

um talento reforçado,

o saber do universo!

 

120

 

DOM PIXOTE

 

Chamavam-lhe Dom Pixote

a el-rei de Terra Tansa;

tinha corpo de Quixote,

cabeça de Sancho Pança.

 

Sedento de mui poder,

fome de em tudo mandar;

nascido pra obedecer,

ei-lo na Corte a reinar!

 

Como súbditos, camelos,

gente de baixa ralé;

até dava nojo vê-los

no sabujo beija-pé!

 

Dom Pixote era vaidoso,

achava-se mui sabido;

de ordinário, palavroso,

disco sempre repetido:

 

«Eu sou rei de Terra Tansa

o único, o destemido;

recebi a minha herança

do velho deus recolhido.

 

Sou o senhor destas terras,

dono de toda esta gente;

cultivo a paz, faço guerras,

sou monarca omnipotente!

 

A mim todos obedecem,

não há outro meu igual;

face a mim sóis escurecem,

sou o sol universal!

 

Sou um grande pensador,

meu cérebro é assombroso;

sem estudar, sou doutor,

em todo o mundo famoso!

 

O Sócrates e Platão…

uns burros à minha beira;

em busca do homem-razão

gastaram a vida inteira!»

 

Mas toda esta ladainha

não passava de presunção;

pois se tansos na mão tinha

os outros não tinha, não!

 

Ele já desconfiava

que o reino corria perigo;

e para si rabujava:

«onde está o inimigo

 

Mandou chamar seus lacaios,

ordenou-lhes, com voz forte:

«tragam-me esses catraios

para eu lhes dar a morte

 

Claro que esses “catraios”

não eram quaisquer rapazes:

eram gente, não malaios,

do mundo novo, as bases.

 

Os esbirros procuraram

todo o reino, cada canto;

mas a eles não acharam,

e ao “rei” causava espanto:

 

«Estou em perigo, em perigo»

berrava, como um danado,

«arranjem-me forte abrigo,

fortaleza do passado

 

Pensava: «vão-me matar?

Terei eu um triste fim?

E se meu cetro entregar?

Não quero acabar assim!

 

Vou pra longe, vou fugir,

tenho medo que me matem;

mas pra onde eu posso ir

sem que os gajos me catem?!

 

Ai de mim, ai, ai de mim,

ai do nosso reino inteiro;

já vejo chegar seu fim…

o seu dia derradeiro!

 

Em que mãos vai ser botado

o glorioso reino meu!»

E tal Nero, tresloucado,

todo o reino incendeu!

 

As chamas ao céu subiram,

ouvem-se ao longe os gemidos;

“rei”, lacaios, sucumbiram,

serão em breve esquecidos!

 

121

 

O CUMPRIMENTO

 

De cumprimento em cumprimento

vou estragando a minha mão;

mas que terrível tormento…

mas que infeliz condição!

 

Mais me valera ser pato,

e voar sobre a ribeira;

dava a pata ao regato,

e uma pena à peixeira!

 

Mais me valera ser cão,

mesmo de origem rafeira;

dava a pata, não a mão,

à cadelinha solteira!

 

Mais me valera ser anjo

voando por sobre o céu;

dava uma asa dum frango

o resto comia-o eu!

 

Mais me valera ser gato

dormindo sobre uma lauda;

dava seis vidas num prato

e um pelinho da cauda! 


// continua...

Sem comentários:

Enviar um comentário