QUADRAS AO DEUS DARÁ
Por Joaquim A. Rocha
771
Morei
anos em Cevide,
Onde
passei fome e frio;
Pra
comer, só a pevide,
Para
o banho tinha o rio.
772
Comia
côdeas de pão,
E
do porco o courato;
Pra
beber à refeição
Tinha
a água do regato!
773
Ai
a morte, essa estranha,
Mais
sagaz do que uma fera;
Vem
de má-fé, com vil manha,
Com
a gula da pantera.
774
Quando
fugi do hospital
Senti-me
um pouco perdido;
Comia
canja sem sal,
Injeção
e comprimido.
775
Levei
cem mil injeções,
Todas
dadas pelo “Gú”;
Eram veras punições
por eu ser um gabiru.
776
Fui
pescador aos domingos,
No
regato e no rio;
Só
“pesquei” sete respingos,
E
uma galega com cio.
777
Fugi
das trevas, do medo,
Dos
malditos pesadelos;
Desvendei
o tal segredo,
Embrulhado
em mil novelos.
778
Ergui-me
do duro chão,
À
custa de muito esforço;
Foi
forte a motivação,
Hábil
apelo do dorso.
779
Sou
filho da natureza,
Que
me ajudou a criar;
Deu-me
a luz e a sageza,
Fortes
pernas para andar.
780
Nasci
num lugar sombrio,
Envolto
em mil sujidades;
Passei
fome, passei frio,
Mesmo
assim tenho saudades!
781
O
tempo passou por mim
Como
um forte vendaval;
Nunca
fui o benjamim,
Nem
sequer no carnaval.
782
Andei
descalço e rotinho
Nos
primeiros anos de vida;
Mas
tinha bagaço e vinho,
À
chegada e à partida.
783
Tal
como galinhas, patos,
Não
deixei crescer as asas;
Andei
sobre ervas e matos,
Grelhei
a vida nas brasas.
784
Trabalhei
que nem um burro
Na
capital do país;
Em
silêncio, fraco urro,
Alimentado
a maís.
785
Não
quero chorar jamais
Os
sofrimentos de outrora;
Vivam
festas, festivais,
A
tristeza vá-se embora.
786
Nero
incendiou Roma
Para
construí-la de novo;
Era
doente, com noma,
Quem
as pagou foi o povo.
787
Ardem
matas, matagais,
As
inocentes florestas;
Ardem
plantas, animais,
Mas
continuam as festas.
788
No
céu não há políticos,
Nem
comícios, eleições;
Há
santos, paralíticos,
Vendedores
de ilusões.
789
Subi
a alto carvalho
Para
destruir um ninho;
Pus
um pé num fraco galho,
Parti
perna e focinho.
790
Andarilho,
andarilho,
Amigo
do aleijado;
Não
usas vil espartilho,
Por
ninguém és desejado.
791
Dizem-me
que tive “padre”
Mas
nunca soube quem era;
Devo
ser filho de frade,
Dum
camelo, lobo-fera!
792
Na
tropa fui um soldado,
O
mais raso que havia;
Ou
seja: um pau mandado,
Um
servo da fidalguia!
793
Fiz
guardas, fui faxina,
Varri
paradas cem vezes;
Lavei
chão, muita sentina,
Cheirei
a porco, a fezes.
794
Um
domingo bem passado,
Na
cozinha a cozinhar;
Um
coelhinho guisado,
Batatinhas
a fritar.
795
A
louça por arrumar,
A
roupa suja tresanda;
Não
há tempo pra rimar,
Nem
aqui nem noutra banda.
796
Faço
quadras com rima,
Só
para o inglês ver;
Pobrezitas,
nem com lima,
Elas
são fáceis de ler!
797
Esperei
quase um ano
Por
um anjo divinal;
Trouxe-o
um pelicano,
No
dia de carnaval.
798
Eu
não soube esperar,
Fui
banal, impaciente;
Jamais
consegui gizar
O
caminho prò oriente.
// continua...
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