segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

SONETOS DO SOL E DA LUA

Por Joaquim A. Rocha 





SADISMO

(168)

 

A vós senhora, peço caridade,

Divino silêncio, compaixão;

Do crime cometido quero perdão,

Ou um castigo sem dó nem piedade.

 

Desejo que digais só a verdade,

Não lanceis a semente da ilusão;

Roubei certo dia vosso coração,

Guardei-o para a eternidade.

 

Ah! Sonho terrível que me traíste…

Eu pedi um platónico amor,

Falsa ferida, rosa sem espinho…

 

Mas vós, sádica, loba, de mim riste,

Plantaste no meu peito alta dor,

Cravaste no meu corpo o azevinho.

 

*

  

ANDORINHÕES

(169)

 

 

Andorinhões, chilreios estridentes,

Ouviam-se no ar naquele verão;

Em bando, cerca de meio milhão,

Dizimavam mosquitos refulgentes.

 

Gaivotas, esfomeadas, carentes,

Rasgam os altos céus, de repelão,

E com as suas asas de falcão 

Batem nos pássaros como dementes.

 

Os infelizes fogem acossados,

 Pra longe, norte de África talvez,

Mui aflitos, assaz envergonhados…

 

«Não voaremos solo português

Enquanto esses bichos estouvados

Não regressarem ao mar outra vez

 

 *

  

UMA VIDA INTERROMPIDA

(170)

 

Linda Rosa dos Prazeres Domingues,

Filha da pobre Aurora, mãe solteira,

Saíste de ao pé dela, da sua beira,

Das suas tetas magras, pouco pingues.

 

Manda-te prà Galiza, pra que vingues,

Guardando gado, qual vaqueira,

No papel de mulher grande, inteira,

Usando teus linguajares bilingues.

 

Mas o velho comboio Madrid-Vigo,

Diabólico, cruel, vil demónio,

Esmaga-te, sem dó, nem piedade.

 

Qual deus vingador, teu inimigo,

Ao som de um colorido harmónio,

Tira-te vida, nove anos de idade.

 

*

 

     Foi esmagada pelo comboio Madrid-Vigo quando apascentava vacas. Tinha apenas nove (9) anos de idade. Nasceu a 17/2/1921 e morreu no lugar de Mandelos, Cequelinhos, no dia 14/10/1930, esmagada pela locomotiva.

 

   

MELGAÇO

(171)

 

 

Sei que há quem queira calar tua fama,

As mil virtudes que em teu seio encerras;

Destruir os teus campos, tuas serras,

Transformar-te em vil pó, em pura lama.

 

Porém, não se extinguiu a rubra chama,

Da glória conquistada em mil guerras;

Tu és única, a terra das terras,

Cada hora o amor por ti se inflama.

 

O teu orgulho cresce ano a ano,

E a ti nós prestamos justo preito;

Nosso querer é mais do que humano.

 

Não há vergonha, nenhum preconceito,

Imitamos, cônscios, o pelicano,

Dando-te o sangue do nosso peito.

 

 // continua...


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