SONETOS DO SOL E DA LUA
Por Joaquim A. Rocha
SADISMO
(168)
A
vós senhora, peço caridade,
Divino
silêncio, compaixão;
Do
crime cometido quero perdão,
Ou
um castigo sem dó nem piedade.
Desejo
que digais só a verdade,
Não
lanceis a semente da ilusão;
Roubei
certo dia vosso coração,
Guardei-o
para a eternidade.
Ah!
Sonho terrível que me traíste…
Eu
pedi um platónico amor,
Falsa
ferida, rosa sem espinho…
Mas
vós, sádica, loba, de mim riste,
Plantaste
no meu peito alta dor,
Cravaste
no meu corpo o azevinho.
ANDORINHÕES
(169)
Andorinhões, chilreios estridentes,
Ouviam-se no ar naquele verão;
Em bando, cerca de meio milhão,
Dizimavam mosquitos refulgentes.
Gaivotas, esfomeadas, carentes,
Rasgam os altos céus, de repelão,
E com as suas asas de falcão
Batem nos pássaros como dementes.
Os infelizes fogem acossados,
Pra longe, norte de África talvez,
Mui aflitos, assaz envergonhados…
«Não
voaremos solo português
Enquanto
esses bichos estouvados
Não
regressarem ao mar outra vez.»
UMA
VIDA INTERROMPIDA
(170)
Linda
Rosa dos Prazeres Domingues,
Filha
da pobre Aurora, mãe solteira,
Saíste
de ao pé dela, da sua beira,
Das
suas tetas magras, pouco pingues.
Manda-te
prà Galiza, pra que vingues,
Guardando
gado, qual vaqueira,
No
papel de mulher grande, inteira,
Usando
teus linguajares bilingues.
Mas
o velho comboio Madrid-Vigo,
Diabólico,
cruel, vil demónio,
Esmaga-te,
sem dó, nem piedade.
Qual
deus vingador, teu inimigo,
Ao
som de um colorido harmónio,
Tira-te
vida, nove anos de idade.
*
Foi esmagada pelo comboio Madrid-Vigo
quando apascentava vacas. Tinha apenas nove (9) anos de idade. Nasceu a 17/2/1921 e morreu
no lugar de Mandelos, Cequelinhos, no
dia 14/10/1930, esmagada pela locomotiva.
MELGAÇO
(171)
Sei
que há quem queira calar tua fama,
As
mil virtudes que em teu seio encerras;
Destruir
os teus campos, tuas serras,
Transformar-te
em vil pó, em pura lama.
Porém,
não se extinguiu a rubra chama,
Da
glória conquistada em mil guerras;
Tu
és única, a terra das terras,
Cada
hora o amor por ti se inflama.
O
teu orgulho cresce ano a ano,
E
a ti nós prestamos justo preito;
Nosso
querer é mais do que humano.
Não
há vergonha, nenhum preconceito,
Imitamos,
cônscios, o pelicano,
Dando-te
o sangue do nosso peito.
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