OS NOVOS LUSÍADAS (...)
Por Joaquim A. Rocha
Quarta
Parte
(1926 a 1974)
1
O
golpe de vinte e oito de Maio,
Organizado
pelos militares,
Espantou
o melro, até o gaio,
Os
longos oceanos e os mares!
Nem
Napoleão, Cid, ou Dom Caio,
Serviriam
para seus nobres pares.
Derrubaram
a primeira república,
A
fim de melhorar a coisa pública.
2
Gomes
Costa indica Cabeçadas
Para chefe do primeiro governo;
Mas
o tipo era só bom em ciladas,
Sobretudo
no tempo de inverno.
O
fulano mandou-o às caçadas,
Quiçá
para as bandas do inferno.
A
seguir toma conta do poder,
Exercendo-o
sem um plano ter.
3
Nasce
a ditadura militar,
Com
laivos de fanático fascismo;
Chamam
de Coimbra a Salazar,
Professor,
servo do puritanismo.
Mais
um general, magro, de mau ar,
Ajuda
a meter-nos no abismo.
É
conhecido por Óscar Carmona,
E
tinha cara de sofrível mona.
4
Nunca
se portou como presidente,
Mas
sim como um simples pau mandado;
Era
tímido, por norma prudente,
Um
velhote muito bem comportado…
Ao
Doutor Salazar era temente,
Mais
do que ao Jesus ressuscitado.
Foi
assim, o homem, até morrer,
Um
pobre fâmulo a obedecer.
5
O
verdadeiro senhor do Estado
Era
o Oliveira Salazar;
Domou
as finanças e o mercado,
Assumiu-se
como dono do bar…
O
escudo fora valorizado,
Impostos
começaram a trepar.
Surge
mais tarde o Estado Novo,
Que
será a desgraça deste povo.
6
Diz-se
social e corporativo,
Deus
Pai, Pátria, e vossa Família…
Rezar,
trabalhar, ser algo passivo;
Beber
chá de cidreira e de tília...
Em
política ser-se nada vivo,
Ficar
em casa Ana e Otília.
O
interesse era nacional,
Um
casamento entre bem e mal.
7
Os
sindicatos deixam de agir,
São
braços do terrífico dragão…
Aderentes
são moças de servir,
Todas
criadas do mesmo patrão.
Este
sindicalismo não tem porvir,
Um
dia cairá no fero chão.
O
dito Estatuto do Trabalho
Tem
o fascismo como agasalho.
8
Casas
da…, e Grémios da Lavoura,
Crescem
um pouco por todo o lado;
Compra-se
adubo, cuida-se da toura,
Aluga-se
o trator, o arado…
Namora-se
a morena, a loura,
Vê-se
futebol, canta-se o fado.
O
nosso «mundo pula e avança»
E
«zé povo» entra na nova dança.
9
Católicos
atingem apogeu,
Em
todas as aldeias há capelas;
O
padre oferece-lhes o céu,
O
sacristão acende as velas…
Nos
tribunais já não há réu,
Os
maus embarcaram em caravelas.
O
país está bem pacificado,
Já
não há na rua boi tresmalhado.
10
Os
patrões estão muito satisfeitos,
Podem
produzir à sua vontade;
Os
ares agora são rarefeitos,
Ninguém
tem, da cacetada, saudade.
Os
operários são mui perfeitos,
Trabalham
bem desde tenra idade.
Fábricas
crescem como cogumelos,
Dirigidas
por tigres e camelos.
11
Casas
do Povo, patrões e lacaios,
Com
intuito de haver entendimento;
Acabaram-se
os nobres e aios,
A
fidalga freirinha do convento…
Pobre,
come unto; o rico, paios;
O
patrão acumula rendimento.
Também
há as Casas dos Pescadores,
Para
ajudarem os grão senhores.
12
Na
faina da pesca, o pescador,
Trabalha
rijo de dia e noite,
Enfrenta
o gigante adamastor,
Medo…
nada teme que o açoite.
Pede
fartura ao deus protetor,
Que
no seu leito ore e pernoite.
No
regresso do poderoso mar,
Descansa
uns dias no pobre lar.
13
Parte
do peixe vende-se na lota,
Outra
vende-se de porta a porta:
«Temos o carapau, sardinha, pota…»
O
preço dependerá, não importa,
A
velha camisa já está rota,
A
janela completamente torta.
Os
doze filhos andam andrajosos,
Roupa
boa é para os poderosos.
14
Assim
vai a vida do pescador,
Trabalhosa,
mal remunerada;
Enchendo
a bolsa do armador,
A
sua quase sempre minguada.
Podia
ter sido agricultor,
Viver
sujeito à dura enxada...
Porém,
já seus pais, por qualquer razão,
Tiveram
essa velha profissão.
15
Diz
Salazar: «nada contra a nação»…
E naquela voz estranha, roufenha,
Mesquinho,
de gélido coração,
Levando
água à sua azenha,
Vai
debitando frases com paixão…
Palavras
mais duras do que a penha.
O
homem, antigo seminarista,
Era
monárquico, besta fascista.
16
Ele
não confiava em ninguém,
No
ministro ou no seu secretário;
Tinha
de sobrolho o de Belém,
Outrem,
para ele, era otário…
Há
quem diga que não tinha vintém,
Trabalhava
muito, sem um horário…
Eu
só vou acreditar nessa peta,
Se
tornar a ser bebé de chupeta.
17
Tinha
imenso ouro, pouca parra,
Nos
cofres fortes do Novo Estado;
Não
fazia, como fez a cigarra…
Era
muito trabalhador, poupado.
No
inverno usava uma samarra,
Nos
joelhos um cobertor usado…
Tinha
uma criada, a Maria,
Para
todo serviço, noite e dia.
18
Em
mil novecentos trinta e três
Apresenta
nova constituição,
A
fim de domar rebanho, a rês…
Tudo
em nome da organização.
Enganou
Luís, a pobre Inês,
Até
o Filipe e Conceição!
Só
não iludiu o homem astuto,
De
cérebro asseado, enxuto.
19
Aprovada
em fraco plebiscito,
Sob
o medo, ameaça, censura;
Lá
ao longe um forte, longo grito,
Alguém
tombou vítima de tortura.
Maria
mata o frango, ou «pito»…
Em
casa do bei reina a fartura.
A
constituição traz paz, segurança,
Ao
povo mais frágil, sem esperança.
20
Federações:
nacionais, regionais,
Agrupam
os sindicatos e grémios,
Tudo
isso, para parecer mais,
Só
faltava atribuir prémios…
Onde
estão os intelectuais,
Sem
serem os primos ou irmãos gémeos?
Achava-se,
o novel ditador,
De
Portugal o único senhor!?
21
Corporações
morais, de vário tipo,
Foram
surgindo aqui, acolá…
Tinham
como símbolo belo cipo,
Ofereciam
água no "alçalá"...
Serviam-se
do ripanço, ou ripo,
Para
juntar o filho e o papá.
Nas
ditas corporações culturais,
Reuniram
rãs, outros animais.
22
Sábios,
notáveis homens de Letras,
Não
aderiram ao novo regime;
Achavam-no
universo das tretas,
Não
viam nele nada de sublime…
Julgavam-no
horrível e com gretas,
«Só o
feio, ruim, ele exprime.»
Preferiram
deixar este país,
Comer
lá fora o milho maís.
23
As
escolas do ensino primário
Cresceram,
isso é indesmentível;
Mas
se consultarmos o anuário,
O
aumento de mestres é risível…
Ser
professor aí era um fadário,
Objetivo
era inatingível.
Querendo
imitar antiga Roma
Deram
à terceira fraco diploma!
24
Como
as turmas eram gigantescas,
E
mestres oficiais eram raros,
Tiveram
ideias tolas, burlescas,
Agindo
como idiotas, avaros;
Criam
a figura rocambolesca
De
regentes humildes e ignaros…
Com
o ordenado dum professor
Paga-se
a três regentes “de honor”.
25
Apenas
com uma terceira classe,
Mesmo
até com o segundo grau,
Por
muito que o ensino amasse,
Pintasse
os olhos com colorau,
Não
teria sachola que sachasse
Um
terreno sáfaro, muito mau.
O
saber adquire-se com estudos,
Não
com lábia e canudos.
26
É
certo que um ou outro regente
Se
esforçava por bem ensinar;
Mas
sem ferramentas, saber ausente,
Como
pode por ali caminhar?
O
governo estava mui contente,
Algum
dinheiro julgava poupar.
Aluno,
falho de conhecimento,
Aguardava
por melhor momento.
27
O
secundário melhorou algo,
Criaram-se
cursos técnicos, liceus,
Os
últimos para moço fidalgo,
Os
primeiros para jovens plebeus…
O
governo corria como galgo
A
fim de convencer os mil incréus.
Tinha,
como em tudo, um senão:
Era
temporária a ilusão.
28
Faltavam
professores encartados,
Para
milhares de alunos inscritos;
Alguns
até eram aposentados,
Pela
lei deste país interditos…
Apresentavam-se
muito cansados,
Com
doenças, reumatismos malditos.
O
governo, devagar, de mansinho,
Ia
levando a água ao seu moinho.
29
Ensino
superior piorou,
Perseguiram
mestres e estudantes;
Porque
poucos ou ninguém aceitou
A
rija ditadura dos mandantes…
Letras
do Porto as portas fechou,
E
outras, como escadas rolantes.
Só
o tempo corrigiu injustiças,
Eliminando
nabos e nabiças.
30
As
ditas comissões reguladoras,
Para
condicionar importações,
Nunca
foram, julgo, merecedoras,
De
louvores, medalhas, atenções…
Eram
coisas, máquinas redutoras,
Cobras,
lagartos e escorpiões.
As
terríveis juntas nacionais
Fomentavam
a venda de jograis.
31
Ainda
criaram os institutos
Ligados
às poucas exportações,
Viam
a qualidade dos produtos,
Faziam-lhe
algumas correções…
Mas
os técnicos eram assaz brutos,
Deixavam
passar as imperfeições.
O
regime foi perdendo o crédito,
Por
falta de sagacidade, mérito.
32
Algo
fizeram de bem por vanglória:
A
Academia das Artes Belas,
Academia
Portuguesa de História…
E
o resto feito serão balelas,
Sem
brio, sem gosto, sem qualquer glória,
Pequenos
remos para fracas batelas...
O
Ministério da Instrução
Passou
a chamar-se da Educação!
33
Voltou-se
quase à Idade Média,
Vilas
e cidades atrofiaram;
Ficou
tudo adormecido, sem rédea;
Camponeses
e outros emigraram.
A
vaca do governo era nédia,
Famílias
sabujas engordaram.
Oposição
vivia no terror,
A
liberdade pereceu de dor.
34
O
professor Marcelo Caetano,
O
delfim do ditador Salazar,
Era
esperto, hábil e cigano,
Era
bom a escrever, a falar...
Mestre
em direito e no engano,
Iludia
a todos com o olhar.
Arquiteto
do terrível regime,
Dava
ao mal um cheiro a sublime.
35
Fez
nascer a Legião Portuguesa,
A
polícia política do Estado,
A
Mocidade dita portuguesa,
A
União, lar do velho cansado...
A
«Fenate», alegria na tristeza,
E
o medo, sempre a nosso lado.
Ajudou
no «Acto Colonial»,
Uma
vergonha para Portugal.
36
Legião,
força paramilitar,
Grupo
dito de anti bolchevistas;
Homens
que nem sabiam soletrar,
Gentinha
coitada, de poucas vistas;
Vil,
frustrada, em busca de manjar,
Corja
de malandros, malabaristas…
Muitos
deles do mundo laboral,
Amantes
da farda e do bornal.
37
A
outra força, esta desarmada,
Crismaram
de Mocidade Portuguesa;
No
princípio entusiasmada,
A pouco e pouco na incerteza…
Aprumados
e firmes na parada,
Ignorando
o que era a tristeza.
Eram
também fascistas, escuteiros,
E
todos eles crentes verdadeiros.
38
Vestem
camisa de cor verdejada,
Mangas
subidas, laço ao pescoço,
Defendem
moral, a pátria amada,
São
inda fruta verde, sem caroço.
Avós
lutaram na «Vilafrancada»,
Por
Dom Miguel quando era moço.
Serão
depois futuros governantes,
Famosos,
altivos e mui pedantes.
39
As
elites do país, da nação,
Homens
cultos, sábios, eminentes,
Aceitam
muito mal a situação,
Este
torturar de almas e mentes.
Uns
refugiam-se na ilusão,
Outros
emigram, partem descontentes.
O
Salazar está no pedestal,
É
rei, sem coroa, de Portugal.
40
A
vil Polícia de Vigilância
Foi
criada na década de trinta;
Perseguiu
o Álvaro, a Constância,
O
remediado e o pelintra...
Sempre
cruéis, audazes, na ganância,
Vasculharam
em Lisboa e Sintra.
Por
descrédito morreu de repente,
Dando
lugar à filha da serpente.
41
Essa
Pide, internacional,
Execrável
como a anterior,
Era
a madre de todo o mal,
Provocava
ódio e terror…
Aquando
da guerra colonial
Causou
muitas mortes, imensa dor.
Não
tinham dó, pena, ou piedade,
Fosse
o preso novo ou de idade!
42
Os
agentes eram maus e vaidosos,
Arrogantes,
com o rei na barriga;
Por
norma, eram incultos, gulosos,
Jamais tendo amigo ou amiga.
Viam
em todos bravos revoltosos,
Numa
reunião… uma intriga.
Comiam,
bebiam, sempre à borla,
Depois
sentiam na boca a corla.
43
Iam
ao cinema, ao futebol,
Altivos,
com pose de marajá…
Viam
espetáculos «rock and rol»,
Apenas
mostrando o seu crachá.
Perseguiram
Régio, Alves Redol,
Torturaram
muitos negros em Brá.
Assassinaram
Humberto Delgado,
General
sem medo, muito amado.
44
Consta
que um dos “célebres” agentes
Deu
duas bofetadas no “San Paio”;
Não sei se lhe quebrou algum dos dentes,
Se
lhe provocou profundo desmaio…
Fez-lhe
perguntas parvas, indecentes,
Deitou
para cima corisco e raio…
Esse
canalha teve muito azar,
“San…” era
compadre de Salazar!
45
Foi
despedido da Corporação,
Não
lhe valeram as muitas desculpas;
Se
batera num reles artesão
Ninguém
lhe atribuiria culpas…
Cascar
no fotógrafo do Chefão,
Só
pessoas néscias ou estultas!
Dizem
que se deslocou para a Beira,
Para
trabalhar na indústria mineira.
46
Para
cúmulo da sua imagem
Ficou
na memória o Tarrafal…
Sítio
abafado, sem aragem,
O
feio covil do eterno mal...
Todo
o preso estava à margem,
Dentro
do seu próprio funeral.
Comportaram-se
como os marranos,
Mais
cruéis do que hunos e romanos.
47
Parece
que não sentiam remorsos,
Nas
veias não corria sangue humano;
Eram
como bustos ou rijos torsos,
Filhos
de um antigo deus germano…
Carregavam
nos seus direitos dorsos
O
fel, o veneno, dum vil tirano.
Marcelo
tentou mudar-lhes a máscara,
Só
lhes servindo de sagrada cáscara.
48
A
Direção Geral de Segurança,
Quis
aparecer com outro rosto;
Mais
Dom Quixote do que Sancho Pança,
Mais
foguetada do que fogo posto…
Mas
poucos entram na estranha dança,
Ninguém
deseja ter outro desgosto.
Mais
tarde os garbosos militares
Mandaram
essa malta pelos ares.
49
A
nossa Guarda Republicana
Nasceu
em mil novecentos e onze;
Era
muito pequena, a magana,
Com
luvas pretas, de prata e bronze.
Foi
crescendo, com talento e gana…
Deixem-na
crescer e ninguém a zonze.
Durante
o dito Estado Novo
Afastou-se
das gentes deste povo.
50
Muitos
rapazes vinham da tirana,
Oriundos
das humildes aldeias;
Uns
eram espertos, outros banana,
Tinham
nas cabeças imensas peias…
Casavam
com sopeira ou tricana,
Usavam
em suas casas candeias.
Na
sede da vila tinha quartel…
Pouco
espaço, tudo a granel.
51
Passam
multas por infração à lei,
Tentam
manter respeito e a ordem;
Chamam
a atenção de toda a grei,
Não
querem nas ruas qualquer desordem.
No
campo brincavam ao milho-rei,
Depois
de beberem não os acordem.
Tinham
ao seu dispor um velho jipe,
Sempre
aleijado, sempre com gripe.
52
Que
dizer da ex-Guarda Fiscal
Nascida
no século dezanove?
Apreendia
café, vil metal:
O
ouro, platina, prata e cobre.
Percorriam
raias de Portugal,
Protegia
rico, lixava pobre.
As
praças tinham uns prés miseráveis
Não
dava para comer salmão ou sáveis.
53
Os
solteiros viviam em quartéis,
Os
casados em casas arrendadas;
Ganhavam
um pouco mais de cem réis,
Nem
sequer dava para as entradas!
Por
isso, fechavam olhos às leis,
Para
colherem mais umas pitadas.
Ninguém
considerava corrupção,
Deixar
seguir carro ou camião.
54
Sobre
polícia de segurança
Pouco
ou nada ousamos dizer;
Há
homens, mulheres de trança,
Com
eles nada temos a temer.
Sabemos
da sua força, pujança,
Da
sua vontade em bem fazer.
Atuam
normalmente na cidade,
Defendendo
a paz, tranquilidade.
55
Laboratório
de Engenharia,
Fundado
na década de quarenta,
Teve
aplausos do Zé e da Maria…
Inaugurado
com água benta…
Instituto
de Estomatologia
Estava
também na sua ementa.
Existiram
mais realizações
Para
mostrarem aos povos, às nações.
56
Louvo
Instituto de Oncologia,
Tão
necessário era ao país;
Todos
trabalham de noite e dia
Para
extirpar o mal pela raiz…
Dantes
era autêntica razia,
Como
no tempo do rei Dom Dinis.
Graças
aos médicos, à medicina,
Surgiu
a eficaz penicilina.
57
Instituto
para a Alta Cultura
Nasceu
vaidoso, com pose, estilo;
Porém,
enganava tanta fartura,
Tinha
olhos, pele de crocodilo…
A
costureira que fez a costura
Não
lera muito bem o codicilo.
Quando
as coisas surgem a fingir
O
melhor é delas logo fugir.
58
Calouste
Gulbenkian, cidadão,
Surgiu
por sorte, milagre divino,
Um
homem bom, de nobre coração,
Trazido
pelo caprichoso destino…
Nascido
na Arménia, ou não,
Percorrendo
mundo desde menino.
Veio
residir neste Portugal,
Mais
propriamente na capital.
59
Deu
a este país, por testamento,
Muitas
moedas, muitas peças de arte;
A
sua fundação é monumento,
Digna
daqui ou mesmo doutra parte…
O
museu é nosso contentamento,
O
jardim lembra-nos Vénus ou Marte.
O
dinheiro dele tornou-se útil,
E
o de outros, sujo, seco, fútil.
60
A
Gulbenkian publica revistas,
Livros
de enormíssimo interesse,
Por
preços acessíveis, minimistas,
Quase
servidos na extensa messe…
Obras
de conhecidos cientistas,
Que
a nossa leitura merece.
Calouste
Gulbenkian, grande vulto,
Graças
a si o Zé ficou mais culto.
61
Este
país não estava parado,
Talvez
um pouquinho adormecido;
Tínhamos
o futebol, belo fado,
Rádio,
um romance proibido…
No
campo puxava-se o arado,
Na
aula falava-se da bela Dido.
Em
Fátima espera-se milagre,
Na
mira que a peta se consagre.
62
A
radionovela empolgava,
Sobretudo
as urbanas senhoras;
A
mulher só em casa trabalhava
(Não
operárias e lavradoras).
Amália
com sua voz encantava…
Lá
longe ouvem-se metralhadoras.
Eusébio,
com pés maravilhosos,
Marca
no campo golos fabulosos.
63
José
Afonso, com suas canções,
Abala
o forte, feroz regime;
Provoca-lhe
fendas, feios rasgões,
Bate
com varas de ferro e vime.
Não
tem medo dos lobos e leões,
Mesmo
que o tanso verso não rime.
Zeca
foi cantor, guerreiro, poeta…
E
mártir da liberdade, profeta!
64
A
sua força, sua ousadia,
Sua
voz única, melodiosa,
Sua
música guerreira, bravia,
Tudo
leve como a mariposa,
Límpida
como água da ria,
Com
brio, majestade caprichosa.
Até
na languidez duma guitarra,
Sobressaía
sua forte garra.
65
Mesmo
na dolorosa despedida,
Foi
enorme, foi um titã, gigante;
Notando
que lhe escapa a vida,
-
Que ele cultivava como amante -
À
extrema dor não dá guarida,
Acha-a
coisa insignificante.
Diz-nos
adeus com a trémula mão,
«Até depois camarada, irmão.»
66
Amália,
nossa maior fadista,
Para
o povo tinha dupla postura:
Dizia-se
internacionalista,
Mas
apoiava a vil ditadura!
Tinha
fama de alfacinha bairrista,
Distribuía
sorrisos, ternura...
Consideravam-na
beata, “santa”,
Mas
imensas dúvidas tal levanta.
67
O
hóquei em patins em Portugal,
Rivalizava
com o espanhol;
O
ciclismo era bom, genial,
As
praias tinham areia e sol…
As
touradas eram sem igual,
Nas
tascas comia-se caracol.
A
fábrica produzia conserva,
Parlamento
jogava na reserva.
68
Houve
no país romarias, festas,
Sobretudo
de índole religiosa:
Em
Viana, em Lamego, Friestas,
Rezava-se
à Madre Preciosa...
Depois
do almoço dormiam sestas,
O rapaz buscava moça jeitosa.
Dançava-se
até ao fim do dia,
À
noite entrava-se na folia.
69
Hitler (e o seu execrável bando),
Começou
nova guerra mundial…
Queria
submeter tudo ao seu mando,
Como
se fora grande general…
Julgava-se
maior do que Alexandro,
Mais
forte do que Hércules brutal.
Invadiu
países, matou milhões,
Viveu
um mito, sonhos, ilusões.
70
Salazar,
um pequeno ditador,
Decidiu
não entrar na guerra;
Mas
era de Hitler admirador,
Achava-o
o génio da Terra…
Quase
um semideus criador,
Dono
do mar, do céu, da serra...
Usou
a tática da hábil aranha:
Escondeu
na teia sua gadanha.
71
Cultivou,
dizem, a neutralidade,
Mas
apoiando gregos e troianos…
Cínico,
pai de toda a maldade,
Vendia
a ingleses e germanos
(Ocultando
de todos a verdade)
Certos
bens de resultados arcanos.
O crente adorava o patife,
Fabricante
da treta, do esquife.
72
Salazar
(e seu homólogo Franco)
-
ambos fascistas, antidemocratas -
Bons
bebedores de tinto e branco,
Prepotentes,
tiranos, psicopatas…
Marchava
como o burro, de tranco,
Falando
falsidades, com bravatas...
Julgava-se
seguro no seu trono,
Imitando Zeus ou o seu pai Crono.
73
O
calcanhar de Aquiles do bandido,
Ninguém
o detetava, descobria;
Frequentemente
calmo, comedido,
Seus
segredos no cofre escondia…
Toda
a mocidade tinha perdido
Nos
braços da governanta Maria.
Gastara
algumas horas com namoro,
Mas
jamais deixara o seu decoro.
74
E
o tempo, que a todos atinge,
Deu-lhe
como prenda a velhice;
Um
corpo de rã, cara de esfinge,
Conversa
morna, uma chatice…
Uma
doença feia na faringe…
Assim
morre o mestre da aldrabice.
Dizem
que caiu duma cadeira,
Numa
tarde bonita, soalheira.
75
Durou
mais dois anos, em agonia,
-
O demagogo agora aldravado -
Amparado
pela velha Maria,
E
por muitos médicos observado.
Delirava,
de noite e de dia,
Julgando-se
pelo povo amado!
Morreu
em mil novecentos setenta,
Levando
consigo verve e sebenta.
76
Américo
Tomás, o “presidente”,
Pôs
no seu lugar o Doutor Marcelo;
Homem
“simpático” e sorridente,
Caneta
na mão, longe o cutelo…
Trouxe
a “primavera” para a gente,
Cheirando
a canela e marmelo.
Do
regime, fora seu arquiteto:
Fizera
soalho, paredes, teto.
77
Falou
através da televisão,
Era
um político-professor,
Tinha
todo o povinho na mão,
Não
suscitava ódio ou pavor…
Querido
de Melgaço a Portimão,
Nos
Açores, Madeira e Timor.
Continuou
a guerra colonial,
Mostrando
fúria dum canibal.
78
«Renovação na continuidade»
Era
o seu discurso preferido;
Amar
a Deus, a portugalidade,
Manter «nosso
império» unido…
Pobre
Portugal da terna saudade,
No
leito doente, assaz ferido.
Acabaram
as ditas vacas gordas
Consumam-se
as tripas e açordas.
79
Deu
subsídio aos povos rurais,
Sem
terem feito quaisquer descontos;
Era
milho que dava aos pardais,
E
assim ia somando mais pontos…
Pediu
às entidades patronais
Dessem
ao trabalho mais alguns contos.
Era
um político demagogo,
Comunicador,
mestre pedagogo.
80
Tentou
negociar com guerrilheiros,
Sobretudo
os da Guiné-Bissau:
Amílcar
Cabral e seus companheiros
(Capuchinho
vermelho, lobo mau)…
Guineenses,
ousados e matreiros,
Deram
a Marcelo coça com pau.
Em
Angola, o Agostinho Neto,
Diz
ao português que seja correto.
81
Em
Moçambique, Samora Machel,
Luta
com garra e com fervor,
Despeja
no português o seu fel,
Causa
ao luso a morte e dor…
Gravou
na história seu papel,
Sem
ter sido um mestre, ou doutor.
Do
novo país foi o presidente,
E
morreu de desastre, de repente.
82
Um
livro, quase inofensivo,
Mostrou-se
em várias livrarias;
O
autor, de chicote, agressivo,
Parco
em palavras, fantasias…
De
monóculo, militar altivo,
Tentou
mudar o rumo às estrias.
Tinha
Spínola por seu apelido,
General
dum exército vencido.
83
Título:
«Portugal e o Futuro»
Preconiza
as várias mudanças;
Num
tom aspérrimo, bastante duro,
Num
jogo de incríveis contradanças…
Achando-se
amparado, seguro,
Conta
suas espingardas e lanças.
A
PIDE manda recolher a obra,
A
vigilância logo redobra.
84
A
oposição ficou radiante,
Pensava
ter ganho um aliado;
Tão
valioso como diamante,
Na
luta um verdadeiro soldado.
Mas
memória, por vezes distante,
Traiu
esse belo sonho forjado.
General
Spínola era nazi,
Um
chupa-mel como o colibri.
85
Saíram
dos quarteis alguns soldados,
Dizem,
para derrubar o governo,
Mas
o seu capitão, inda toldado
Pelas
chuvas do terrível inverno,
Regressa
de biquinho bem calado
Para
os braços do seu sono terno.
Inda
não chegara a santa hora
De
lançar o fero regime fora.
86
O
regime durou quarenta anos,
Cultivou
a maldade e pobreza;
Provocou
atroz sofrimento, danos,
Feriu
espíritos, a natureza…
Viveu
de fraudes, mentiras, enganos,
Cobriu
o reles manto da baixeza.
Morou
aí ódio, hipocrisia…
Roubou
aos lusos anos de alegria.
87
Graças
ao rijo, valente Otelo,
Na
altura um militar de carreira,
Pedindo
ao deus Thor o seu martelo,
A
Hércules a sua força inteira,
O
vil regime cai como farelo,
Ou
bêbado depois da bebedeira.
Gizara
plano com arte, ciência,
Revelando
alta inteligência.
87-A
Da
“toca” traça o rumo da nação,
Dá
instruções, assume alto comando,
Tal
Júlio César, Napoleão,
Seu
cérebro em ondas fervilhando,
Envolto
em fúrias de furacão,
Pelo
bem do seu povo vai lutando.
Seu
exemplo não será esquecido,
Pois
tal como um rei já foi ungido.
87-B
Expulsou
do trono o vil tirano,
Um
regime cruel, sem liberdade,
Filho
de Salazar e de Caetano,
Alimentado
de ódio, não verdade;
Montado num fortíssimo garrano,
Voando
no tempo-eternidade.
Chamar-lhe-emos
o libertador
Da
pátria, da guerra, e da dor.
88
Vítor
Alves, Monge, Vasco Lourenço,
Casanova
e Garcia dos Santos…
Com
o seu coração a bater, tenso,
E
os que eu não menciono, tantos,
Num
labor trágico, duro, intenso,
Em
suas casas, em alguns recantos,
Jogando
entre o azar e a sorte,
Condenaram
o regime à morte.
89
De
Santarém veio Salgueiro Maia,
Com
duzentos homens a acompanhá-lo;
Gente
que não chora, e não desmaia,
Prontos
para a luta, com muito calo…
Caminhando
avançam rumo à raia,
A
fim de derrubar rei, seu vassalo.
No
Largo do Carmo, nobre Lisboa,
Aprisionam
a feroz leoa.
90
Os
seus outros colegas, camaradas,
Espalhados
pelas ruas da cidade,
Aliados
ao povo, com as mãos dadas,
Gritando:
liberdade, liberdade…
Nas
armas nascem flores encarnadas,
Nos
peitos morre tristeza, saudade.
É
Portugal que das cinzas renasce,
Que
nele o amor de novo pasce.
91
O
nobre vinte e cinco de Abril
Trouxe
de novo vida ao país;
O
polícia tornou-se gentil,
As
feras voltaram aos covis…
Nas
lapelas viam-se cravos mil,
Portugal
deixou de ser meretriz.
Primeiro
de Maio em liberdade
Criou
em nós laivos de eternidade.
92
Nesse
dia tão extraordinário
Os
letais pides fizeram das suas;
Retiraram
da gaveta, armário,
Armas
grandes, do tamanho de gruas…
Com
elas mataram o Zé, Rosário…
Que
se encontravam nas livres ruas.
Não
morreram mais porque artilheiros,
Lestos,
os fizeram prisioneiros.
93
Os
famosos e dignos capitães
Que
derrubaram regime, governo,
Não
condenaram à morte os “cães”
Que
meteram os presos no inferno…
Perseguiram
Pereiras e Durães,
Roubando-lhes
o seu sonho superno.
Em
muitos casos não se fez justiça,
Com
os vis pides ou padres de missa.
94
Não
botaram Marcelo à fogueira,
Nem
o gasto, carcomido Tomás;
Levaram-nos
para a ilha da Madeira,
E
rapidamente, a todo gás…
Esquecendo
que a vida inteira
Foram
ladrões, roubadores da paz.
Caetano
foi depois para o Brasil,
Protegido
pelos tais do canil.
95
Spínola,
caprichoso, mandão,
De
todas as estrelas general,
Passa
a comandar o galeão,
(Junta
de Salvação Nacional)…
Coloca
na sombra o capitão,
Que
tornara possível Portugal.
Desvaloriza
os seus cinco pares
Ficando
senhor de terras e mares.
96
«Rosa
Coutinho» e «da Costa Gomes»,
Ficam
surpresos com tal atitude;
Em
surdina, chamam-lhe feios nomes,
Acham que ele não é pai da virtude…
«É bem mais parecido aos “gnomes”»!
«Vá para África, prà negritude!»
Ele
bem queria ser minotauro,
Mas
tem esqueleto de dinossauro.
97
Pinheiro
de Azevedo “só fumaça”,
Sentia-se
a mais naqueles grupos;
Com
a pele já gasta pela traça,
E
pelo maldito, tremendo lúpus…
Não
queria palmas da populaça,
Elogios,
vaias ou vis apupos.
Queria
reforma compensadora,
Que
não lhe dera a «outra senhora».
98
Silvério
Marques e Galvão Melo
Não
compreendem tal escolha;
Eram
ambos compinchas do Marcelo,
Como
o linguado é da solha…
Porque
é que Vítor Alves, Otelo,
Os
meteram nessa porosa bolha?
Representariam
o seu papel
Neste
chulo teatro de cordel.
99
Diogo
Neto é também chamado,
Mas
encontra-se algures, ausente;
Quando
souber ficará pasmado,
Talvez
vaidoso e assaz contente…
Pensava
que seria trucidado,
Pela
revolução e nova gente…
Que
bons capitães, de brandos costumes,
Perdoam… esquecem os azedumes.
100
Este
povo, crédulo, aturdido,
Bate
palmas aos capitães de Abril;
O
golpe fora muito bem urdido,
Com
bela arte e cuidados mil…
O
regime fascista foi vencido,
Os
maus fugiram para o Brasil.
A seguir faz-se a revolução,
O
poder é entregue à nação.
101
Políticos
regressam ao país,
Marcam-se
para breve eleições;
O
povo continua bem feliz,
Semeiam-se
milhares de ilusões…
Caça-se
a lebre e a perdiz,
Alegria
volta aos corações.
Primeiro
de Maio em liberdade,
Desperta
em nós sã capacidade.
102
Libertamo-nos
do vil ostracismo,
Da
subserviência, da tal canga;
De
Caetano, do “salazarismo”,
Américo
Tomás e sua tanga...
Mas
trouxeram-nos o capitalismo
Do
país da cola, calça de ganga.
E
da Roménia, como castigo,
Veio-nos
o tal cigano mendigo.
103
Reúne-se
toda a Assembleia
Para
fazer nova Constituição;
Tiram-se
muitos presos da cadeia:
Os
operários da construção,
Poetas,
pescadores da baleia,
Caixeiro
viajante, artesão…
Morre
a anquilosada censura,
É
enterrada com a ditadura.
104
Destacam-se
os novos oradores,
Com
discursos longos e inflamados;
Empolgam-se,
vibram, sentem ardores,
Rasgam
a terra com os seus arados…
Carregam
nos ombros castos andores,
Revogam
as leis do velho Estado.
Lembro
Mário Soares, Cunhal…
Que
deram novo rumo a Portugal.
105
Fundou-se
o partido e o inteiro,
Um
fundado por Freitas Amaral,
Outro
por Francisco de Sá Carneiro;
Eram
cem, autêntico festival…
Lutavam
pelo lugar cimeiro,
Neste
pequeníssimo olival.
Ganhou
a social democracia,
Nascida
da média burguesia.
106
Na
presidência desta República
Tivemos
homens bons, maus e vilões;
“Interessaram-se”
pela coisa pública,
Tomaram
boas e más decisões…
Alguns,
numa atitude abúlica,
Transformaram-se
em aberrações.
A
Lei agradou a gregos, troianos,
Apesar
dos erros, dos mil enganos.
107
Surgiram
meia centena de bancos,
Capitais
portugueses, estrangeiros;
Abriram
balcões em Ovar e Tancos,
Em
Melgaço, Lourinhã e Ferreiros…
Recolhiam
belos marcos e francos,
Moeda
querida dos financeiros.
Mas
foi vinhedo que deu boa uva,
No
tempo do bom sol e pouca chuva.
108
África:
depois da independência,
Nasce
guerra civil em Moçambique;
Em
Angola, por falta de decência,
Por
intensa raiva, ou por despique,
Numa
louca febre de ascendência,
Luta-se
para ser chefe ou cacique!
Derramou-se
imenso fel, sangue,
O
país ficou de rastos, exangue.
109
Quanto
à colónia da Guiné,
Com
pouca riqueza, não explorada,
Sem
pedras preciosas, sem café,
Com
o balanta, fula, biafada…
Só
carreiros para andar a pé,
Sem
caminhos de ferro, má estrada.
Com
várias línguas, sem escolas,
Descalços,
«manga de ronco», argolas.
110
Pescam
bastante peixe nos seus rios,
Tem
o oceano ali bem perto;
O clima é de calores, nada de frios,
Roupa
não os preocupa por certo…
As
tempestades causam calafrios,
Rondam
terríveis doenças por perto.
Os
felupes usam arco e seta,
E
habitam felizes na floresta.
111
Têm
bom arroz e óleo de palma,
Têm
ótima fruta e com fartura;
Vivem
o dia a dia com calma,
Com
simplicidade, boa postura…
Invocam
do defunto sua alma,
Aceitam,
pacientes, a longura.
Na
floresta há macacos, a fera,
Por
ali não há leão nem pantera.
112
Cabo
Verde, São Tomé, e Timor,
Tornaram-se
livres, independentes;
Içaram
a bandeira com amor,
São
três países em dois continentes…
Lutam
com toda a garra e rigor
Por
uma economia crescente.
O
tamanho por vezes não importa,
Conta
o que se tem junto da porta.
113
Macau
foi devolvida aos chineses,
Pois
aos chineses ela pertencia;
Fora
emprestada aos portugueses
Por
vil interesse ou cortesia…
Ali
estiveram anos e meses,
Assimilando
a chinesaria.
Foram
muitos séculos de convívio,
Mas
na partida sentiu-se alívio.
114
Dizer
bem ou mal da Revolução,
Não
fará sentido, não causa mossa;
Foi
feita com cabeça, coração…
Agora
é dele, tua e nossa…
Trouxe
alegria, muita ilusão,
Por
ela houve trolha, muita coça.
Nasceu
de um golpe de Estado,
Gizado
por oficiais do quadro.
115
Com
o tempo tudo vai para a História:
Golpes
de Estado, revoluções…
Os
povos continuam, e sem glória,
A sofrer na pele perseguições…
De
quase tudo fica memória,
Através
de enormes cronicões.
Mudam-se modas, a nossa idade,
Só
nos restará alfim a saudade.
116
E
eu que nasci para vos contar
A
história do nosso país,
Não
sei como a irei acabar,
Se
superficial ou de raiz…
Vede-a
como conto de embalar,
Com
final muito belo e feliz.
Mas
vou, por bondade de Prometeu,
Ser
lançado ao fogo que ele nos deu.
117
«Ninguém é santo na terra natal»,
Já
assim diziam nossos avós;
Mas
a nossa terra é Portugal,
Como
fora de nossos trisavós…
Nascer
em Melgaço ou Sabugal,
Não
nos muda o corpo ou a voz.
Este
país «à beira mar plantado»
Há
de ser sempre por todos amado.
118
Eu,
que não sou, julgo, nenhum labrego,
Vi-me,
confesso, em palpos de aranha;
Mas
por casualidade, adrego,
Sem
ser estudante na Grã-Bretanha,
Pedindo
ajuda a um deus grego,
Indo,
como Maomé, à montanha…
Lá
consegui acabar esta obra,
Posso,
enfim, voltar à minha pobra.
119
Vou
abraçar os meus velhos amigos,
Se
é que ainda algum por lá mora;
Comerei
com eles belos formigos,
O
estonteante doce de amora;
Fumeiro,
vinho, são ora inimigos,
Mas
por eles nosso paladar chora.
Os
anos destruíram nossa mente,
Oxalá
dê fruto nossa semente.
FIM
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