MELGAÇO: PADRES, MONGES E FRADES
Por Joaquim A. Rocha
No dito jornal, Notícias de Melgaço n.º 85, de
9/11/1930, Vaz de Castro escreve: «Jesus augurava à
sua Igreja o triunfo completo sobre os seus inimigos.» Pergunto eu: se
Jesus era um deus, todo-poderoso, permitia que alguém, a não ser o diabo, lhe
fizesse frente? Tinha inimigos? Com o seu poder ilimitado eliminava à partida
qualquer gesto de revolta. É óbvio que estamos perante uma ficção, uma peça
teatral, talvez muito bem representada. A imaginação não é exclusividade do ser
humano, existem outras espécies que a utilizam com regularidade e eficiência.
Porém, a nossa espécie desenvolveu-a, tornando-a quase irreal. Homero e
Shakespeares, cuja identidade é problemática, criaram obras fantásticas,
imorredouras, assim como tantos outros autores. A bíblia, assim como os outros
livros religiosos, são fruto de muita inspiração e imenso trabalho. Em nossos
dias, século XXI, é fácil escrever; mas em outros tempos, sem máquinas, sem
computadores, sem dicionários, sem enciclopédias, etc., a escrita tornava-se
assaz difícil. O que me fascina nesses textos de há milhares de anos é a sua
pujança, a sua criatividade. Inventaram-se milhares de deuses, cada um deles
com o seu poder, com o seu pelouro, o seu ministério, a sua área de ação.
Reuniam, como nos governos atuais, tomavam decisões, participavam nas guerras
dos humanos, apoiavam este ou aquele partido, apaixonavam-se, e por fim
recolhiam às suas habitações divinas a fim de descansar o corpo e o espírito.
Comida e bebida nunca lhes faltava! E nós, passados imensos séculos,
acreditamos piamente que as fantasias daquele período são a realidade de hoje.
Que me tentem vender um bilhete para eu visitar Marte daqui a cinquenta anos,
eu compreendo; mas se me venderem um bilhete para eu viver, depois da morte,
eternamente no inferno, purgatório ou céu, eu recuso-me a pagar essa viagem,
pois sei que estou a ser vigarizado. Marte existe, é uma realidade; mas o
purgatório, inferno e céu é uma miragem, um sítio simplesmente imaginado.
Quando uma criança nos pergunta onde nasceu Adão e Eva, nós respondemos: no
paraíso! E onde fica o paraíso? Bem, talvez perto do céu, algures…
*
Depois
de tanta doutrina, tanta filosofia, vamos então iniciar as pequenas biografias
de todos aqueles religiosos que consegui encontrar. Quase de certeza que existem
mais alguns, mas até agora não me foi possível detetá-los. É provável que se
faça uma segunda edição deste livro e, nessa altura, incluir-se-ão todos
aqueles que porventura ficaram de fora.
ABREU,
António José (Padre). // Na década de quarenta do século XVIII assinou o
requerimento que solicitava ao Ministro Provincial que enviasse para Melgaço
alguns irmãos franciscanos, o que de facto aconteceu (Obras Completas de ACE, volume I, tomo II, página 380). // Morreu na Vila de Melgaço a 19/5/1759.
ABREU,
Bernardo (Frei). // Filho de Leão José Gomes de Abreu e de Maria Pereira da
Costa Araújo, e irmão de Tomaz José Gomes de Abreu. Nasceu na vila de Melgaço
no século XVIII. // Professou na Ordem dos frades menores, no Convento de São
Francisco, Porto, e passou a usar o nome de frei Bernardo
de Nossa Senhora da Orada. // Morreu na Calçada, SMP, a 15/6/1824, de
repente, e foi sepultado no convento das Carvalhiças.
ABREU,
Constantino Gomes (Padre). Filho de Manuel Esteves da Costa e de Isabel Gomes
de Abreu (confirmar).
// Residiu na Bouça de Chaviães. // Ingressou na Confraria das Almas da Vila de
Melgaço a 5/11/1720. // Morreu na Vila de Melgaço a 2/7/1771 e jaz na igreja
matriz de SMP. // Irmão do padre Francisco Gomes de Abreu.
ABREU,
Diogo Manuel Alves (Padre). Filho de Ângelo Alves de Abreu, do lugar da
Nogueira, Chaviães, e de -----------------------. // Irmão de Miguel Caetano
Álvares, casado com Antónia Maria de Araújo Azevedo Gomes, e tio do padre
Francisco Manuel Álvares Azevedo. // Foi cura de Chaviães no século XVIII e
XIX.
A
22/1/1819, na igreja de Chaviães, foi padrinho de Carlota Rosa da Conceição,
nascida nesse dito dia, filha de António Joaquim de Sousa Gama e de Joana Maria
Gomes de Abreu. // A 26/1/1842, na igreja de Chaviães, foi padrinho de José
Maria, nascido em Chaviães a 14 daquele mês e ano, filho de Romão Fernandes e
de Maria Josefa Ribeira, galegos, moradores em casa dele, padre Diogo Manuel,
talvez como seus caseiros. // A 15/5/1852 vendeu a Manuel José Esteves (Melgaço), natural de Chaviães, a sua quinta de Eiró de Cima.
ABREU,
Domingos Gomes (Frei). Filho do alferes Domingos Gomes de Abreu e de Francisca
Coelho da Rosa [Novais]. Nasceu na casa fronteira à Misericórdia a 21/1/1668.
// Foi admitido na Confraria das Almas da Vila de Melgaço a 8/2/1692. // Armaram-no
cavaleiro da Ordem de Cristo na igreja da Senhora da Conceição de Lisboa, a
31/12/1692, professando na mesma Ordem a 9/2/1693, no Convento de Tomar. Tinha
de tença anual 30.000 réis. // Foi familiar do Santo Ofício e Feitor Geral das
Alfândegas de Entre Douro e Minho. // Casou em Lapela, a 28/11/1700, com Isabel
de Faria, natural de Monção. // Em 1701 foi-lhe concedida carta de armas,
fidalguia e nobreza, com que aformoseou as Casas de Melgaço (fronteira
à Misericórdia) e de Lapela. // A 19/8/1705, por
carta patente da regente Catarina de Bragança, foi nomeado Capitão das
Ordenanças, cargo que exerceu até à data do falecimento. // Provedor da SCMM em
1706. // Em consequência dum voto que fez aquando da Guerra de Sucessão de Espanha,
na Galiza, onde fora preso e torturado como espião, edificou no Coto da
Pedreira a capela da Pastoris, cuja provisão lhe foi concedida em Melgaço a
6/6/1707 pelo arcebispo Dom Rodrigo Moura Teles, e a autorização para ocupar o
sítio - que era público e baldio - despachada pelo senado municipal a
21/1/1713. A capela, porém, apenas ficaria concluída em 1727, pois só a 17 de
Agosto desse ano é que o abade de Rouças, padre Manuel Cunha Lira, a benzeu e
nela cantou a 1.ª missa. Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 943, de 20/8/1950: «Está já anunciada para 24 de Setembro próximo a
festividade em honra de Nossa Senhora da Pastoriza, a santa titular de uma
freguesia da Corunha e de que foi devoto o soldado melgacense frei Domingos
Gomes de Abreu. O local, embora acanhado, não perde por isso as belezas
naturais e o povo da vila e arredores bem pode ali reunir-se e passar
alegremente o dia da festa. Ao monte da Pastoriza, pois, no dia 24 de Setembro,
na certeza de não se haver de dar por perdido o tempo lá passado.»
// Foi vereador mais velho e juiz pela ordenação em 1744 (OJM,
de ACE, p. 129).
ABREU,
Francisco Gomes (Padre). Filho de Manuel Esteves da Costa e de Isabel Gomes de
Abreu (confirmar).
// A 10/11/1759, na igreja de SMP, foi padrinho de Maria Josefa, nascida quatro
dias antes, filha de José Caetano Teixeira Marinho e de Guiomar Abendanho Lira
Sotomaior, moradores nos arrabaldes da vila de Melgaço; a madrinha, Sabina
Josefa Gomes de Abreu, era irmão do padrinho. // A 12/2/1762, na igreja de SMP,
foi padrinho de Maria Vitória, nascida quatro dias antes, filha de Lourenço
Domingues e de Maria Josefa de Sousa. // Irmão do padre Constantino.
ABREU,
Jerónimo José Magalhães (Padre). // Natural de Penso (confirmar). // A 20/10/1809,
na igreja da Vila de Melgaço, foi padrinho de Jerónimo, nascido dois dias
antes, filho de Francisco António Lourenço e de Maria Rosa Alonso Gonçalves,
caseiros na Quinta da Pigarra.
ABREU,
João Gomes (Padre?!) Manuel Gomes de Abreu e de Jerónima de Castro, moradores
na freguesia de Boivão, termo do Couto São Fins (futuramente
concelho de Valença). // Em Outubro de 1718 era clérigo in
minoribus e residia em Prado de Melgaço, no lugar de Ferreiros. Apesar de tudo
estar no bom caminho para ser sacerdote da igreja católica, apaixonou-se por
Mariana de Figueiroa, com quem casou por volta de 1720. Escreveu o Dr. Augusto
César Esteves: «Mais um hábito às ortigas»
(ver
“Obras Completas”, volume I, tomo I, página 70).
ABREU,
João António Gomes (Frei João da Senhora da Conceição). Filho de Manuel Gomes
de Abreu e de Ana Maria da Ribeira. Neto paterno do padre (?!) João Gomes de
Abreu e de Isabel Alves; neto materno de Filipe da Ribeira e de Angélica
Lourenço. Nasceu em Prado no século XVIII. // (Ver “Obras
Completas” de Augusto César Esteves, volume I, tomo I, página 70).
ABREU, José Joaquim (Padre). Filho de José Joaquim de Abreu (Lima e Castro Abendanho), lavrador, natural da freguesia de Alvaredo, e de Francisca
Rosa Gomes, lavradeira, natural da freguesia de Paços, moradores no lugar de São
Gregório. Neto paterno de Francisco José de Abreu (Lima e Castro) e de
Maria Engrácia de Araújo Lira de Abendanho, de Alvaredo; neto materno de Manuel
José Gomes e de Ana Rosa Esteves, de Paços. Nasceu em São Gregório, Cristóval, a
1/6/1837, e foi batizado a 4 desse mês e ano. Padrinhos: os seus avós maternos.
// Estudou em Braga. // A 26/1/1870, na igreja de Cristóval, serviu de
testemunha no casamento de Romão Benito Fernandes com Rosa Gonçalves. // Em 1879 era encomendado em SMP. // Morreu
em São Gregório, freguesia de Cristóval, a 21/8/1909, com todos os sacramentos,
com testamento, sem filhos, e foi sepultado na capela do cemitério de
Cristóval. // Era tio do Dr. José Joaquim de Abreu (1880-1938), que foi o 1.º Conservador
do Registo Civil de Melgaço.
ABREU, Lourenço Esteves. // A 10/10/1833, na
igreja de Alvaredo, foi padrinho de Maria Joana Domingues, nascida a 9 de
Outubro desse dito ano.
ABREU,
Luís António (Padre). // Era vigário de Paços em 1813. // A 24/3/1837, na
igreja de Paços, batizou José Carlos Lopes, nascido quatro dias antes.
AFONSO, António José (Padre). Filho de Manuel Afonso e de Isabel
Luísa Alves, lavradores. Nasceu no lugar de Pousafoles, freguesia de Fiães, a
5/8/1809, e foi batizado na igreja do mosteiro por frei António de Melo, dom
abade e prelado ordinário do couto de Fiães. Padrinhos: Manuel Domingues (Gandarim) e sua esposa, Maria Rosa Domingues, do dito lugar de Pousafoles.
// Foi ele o fundador da capela da Senhora do Alívio, sita no mencionado lugar.
// A 18/2/1850, na igreja de Fiães, foi padrinho de Rosa, nascida três dias
antes, filha de Manuel Caetano Henriques e de Maria Luísa Afonso. A madrinha
era Rosa Afonso, irmã do padre, tios da neófita. // A 26/9/1866, na igreja de
Fiães, foi padrinho de António José, nascido três dias antes, filho de Manuel
Afonso e de Rosa Maria Domingues, lavradores. // A 23/2/1881, na igreja de
Cristóval, batizou Artur Vilar, nascido nesse mesmo dia, filho de Carmela
Vilar. // Morreu no lugar onde nascera a 26/12/1903, com noventa e quatro anos
de idade, com todos os sacramentos, com testamento, e foi sepultado no
cemitério local. // Irmão de Ana Joaquina, de Manuel, de Maria Luísa, e de
Rosa. // (ver A Voz de Melgaço n.º 1347, de
1/8/2012, página 26). // Nota: era conhecido por padre
Gandarinha; no livro «Padre Júlio Vaz Apresenta Mário», página 244, diz-se que
ele morreu com 107 anos de idade!
AFONSO, Domingos (Padre). // No século XVII
residia na vila de Melgaço. Não tinha cura de almas (ver “Obras Completas” de Augusto César
Esteves, volume I, tomo I, página 309).
AFONSO, João Avelino Rodrigues (Missionário).
// Nasceu em Fiães, ou Rouças, por volta de 1918. // Lê-se em “Na Terra de Inês
Negra”, do padre Júlio Vaz, página 39: «Foi no mês de
Maio de 1930, quando eu andava na 4.ª classe em A-de-dela, de Fiães, Melgaço. O
professor, padre João Nepomuceno Vaz, leu, no Diário do Minho, um apelo a todos
os meninos de Portugal para, desejando serem missionários, irem para o
Seminário das Missões de Tomar. O Joãozinho levantou o braço. Em Outubro estava
em Tomar.» // Sem mais notícias.
AFONSO, José de Sousa (Padre). Filho de António
Joaquim Sousa e de Isabel Afonso, rurais. Nasceu em Mazedo, Monção. // Foi
encomendado da freguesia de Alvaredo a partir de 1834, substituindo o padre
Jerónimo José Pereira Monteiro; depois foi cura e reitor desta freguesia.
Morava no lugar da Sobreira, onde residia também o seu irmão, Manuel de Sousa,
casado com Maria Joana Domingues Caldas Araújo. // A 12/5/1846, na igreja de
Alvaredo, foi padrinho de Joana, nascida em Alvaredo no dia anterior, filha de
Manuel de Sousa e de Maria Joana Domingues Caldas de Araújo, moradores no lugar
da Sobreira. // Em 1874 pertencia ao grupo dos quarenta maiores contribuintes do
concelho (OJM, de ACE,
página 157 - confirmar).
// Morreu a 2/5/1882 na casa de sua morada, com setenta e sete anos de idade.
// Fez testamento.
AFONSO,
José António (Padre). // No ano de 1874 era cura em Castro Laboreiro (o
reitor era o padre Manuel António Gonçalves). // A
2/4/1882 (ainda padre-cura em Castro)
serviu de padrinho aquando do batismo de Albino Esteves, nascido em Castro
Laboreiro a 30/1/1882; o verdadeiro padrinho não pôde estar presente. // A
13/4/1891, na igreja de Castro Laboreiro, foi padrinho (na
ausência de Manuel António Rodrigues) de
Maria Rosa, nascida três dias antes, filha de Manuel Domingues e de Maria dos
Prazeres Domingues. // A 17/3/1892, na igreja de Castro Laboreiro, serviu de
padrinho (na ausência de João Manuel Fernandes, solteiro) de Isabel Maria, nascida dez dias antes, filha de Custódio
Fernandes e de Antónia Rodrigues. // A 13/2/1893, na igreja de Castro
Laboreiro, foi padrinho de Manuel, nascido no dia anterior, filho de Manuel
Gonçalves e de Carolina Bernardo. Nota:
em virtude de não poder estar presente, foi representado por Francisco Manuel
Fernandes, casado. // A 29/3/1894, na igreja de Castro Laboreiro, foi padrinho
do seu sobrinho neto, José António, nascido nesse mesmo dia, filho de Domingos
Gonçalves e de Deolinda Bernardo. // Em 1912 ainda disse missa em honra de
Santa Bárbara na capela de São Bento.
AFONSO,
Justino (Padre). Filho de Justino Afonso e de Rosa Domingues. Neto paterno de
Manuel Afonso e de Maria Afonso; neto materno de Manuel José Domingues e de
Luísa Afonso. // (Sobrinho e afilhado do padre Justino Domingues, pároco que
foi da Vila de Melgaço e arcipreste do concelho). Nasceu em Parada do Monte a
11/7/1938. Depois da 4.ª classe foi para o Seminário. Recebeu a ordem (menor?)
a 15/8/1959. Subdiácono a 17/12/1960. Diácono a 18/3/1961. Presbítero a
9/7/1961. Missa Nova, na igreja da Vila de Melgaço, a 16/7/1961. Foi nomeado
pároco de Prado a 23/8/1961 e tomou posse a 10/9/1961. // Foi também pároco de
Penso e de Remoães. // Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1566, de 29/8/1965: «Casamentos. Na paroquial desta freguesia realizou-se no
passado dia 15 do corrente o enlace matrimonial de Emília de Jesus Rodrigues
com Manuel da Silva Ramos, natural da cidade de Braga. Foi celebrante o padre
Justino Afonso, que aos noivos dirigiu palavras de muito apreço,
aconselhando-os a seguir o caminho da honra e da dignidade, único que conduz ao
reino de Deus, enaltece a pátria e dignifica a família. Aos noivos e convidados
foi servido em casa dos pais da noiva um lauto almoço, findo o qual os noivos
seguiram em viagem de núpcias através do norte do país.»
«Também no
passado dia 1 do corrente mês se havia realizado na mesma paroquial e com o
mesmo cerimonial, o casamento de Albina dos Prazeres Rodrigues com Manuel Elias
de Sousa, tendo como padrinhos Claudino Augusto Rodrigues e sua esposa, D.
Amabélia Sotomaior Martins Rodrigues.»
O padre Justino Afonso, a 18/2/1968, na
igreja de Prado, casou António Luís de Sousa com Maria Augusta Gonçalves. // Lecionou,
na Escola Secundária de Melgaço, a disciplina de Religião e Moral. // Morreu a
28/6/2000, após doença prolongada. // Como padre, de corpo franzino e
insignificante intelectualmente, deu azo a que dele se contassem algumas
anedotas, mais ou menos picantes. Uma delas tem a ver com as cuecas da irmã,
que com ele residia. A dita mana pôs a roupa a secar em uns arames, estendal
improvisado, perto de casa, e quando à tardinha foi recolhê-la faltavam-lhe
umas cuecas. Zangada, foi barafustar com o irmão, que permitia que na sua
paróquia houvesse ladrões. Aquilo, disse ela, era coisa de raparigas, que não
tendo dinheiro para as comprar as roubavam, para depois deslumbrarem os
namorados. O padre Justino ficou a meditar no caso e no próximo domingo, à hora
da missa, aproveitando a homilia, desabafa: «vejam lá a pouca vergonha, ao que
isto chegou: agora até as cuequinhas das senhoras roubam! E logo as da minha
irmã, que as comprara há pouco tempo. E não eram nenhuma porcaria – custaram-lhe
os olhos da cara! Mas eu, aqui do púlpito, aviso: se as vir vestidas eu reconheço-as!»
Claro que aquele discurso inflamado provocou mil gargalhadas. Viram malícia
onde ela não existia. // Outra historieta (também a ele atribuída) tem a ver
com tomates. Os padres das freguesias e vilas rurais tinham quase sempre uma
hortazinha, onde cultivavam aqueles produtos do dia-a-dia: couves, pimentos,
alface, tomate, cebola, cenouras, etc. Água em Prado não faltava, por isso
havia sempre fartura destas coisas em casa. Porém, num verão muito seco, os
vizinhos que moravam da parte de cima tiveram que lhe cortar a água, pois nem
para eles chegava! «O sacerdote tinha
dinheiro e eles não», pensavam. O padre Justino Afonso, vendo tudo a secar,
ficou irritadíssimo e, aproveitando de novo a sua tribuna de pregador,
insurge-se contra todos aqueles que o prejudicaram. Começou por afirmar: «Deus
manda a chuva, o sol, a tempestade, a neve. Põe-nos à prova, para depois
escolher os melhores. Contudo, aqui em Prado, parece que há gente que não
receia os poderes divinos! Vejam lá: cortaram a água e secaram-me os tomates! E
por este andar secam-me tudo!» De novo mil gargalhadas. A notícia espalhou-se
rapidamente pela freguesia. Aquelas palavras, ditas assim, faziam rir um morto,
comentava-se. // Escreveu o padre Carlos Nuno Vaz em “A Voz de Melgaço” de
15/10/2004:
«No número 4 do mensário “Fronteira
Notícias”, de 8 de Outubro, Joaquim Rocha escreve um texto sobre o padre
Justino Afonso, que foi pároco de Prado e de Remoães, tendo também pastoreado
nos últimos anos da sua vida a freguesia de Penso. Intitula-o “Um padre
distraído”. A página é encimada por um pensamento de Rousseau que realça “o
dever de sobre elas (as atividades públicas) me informar”. A imagem com que se fica do saudoso e bom
sacerdote padre Justino Afonso não é a mais afamada. Não subscrevo a descrição
que dele faz: «… de uma ingenuidade impressionante, tímido, a roçar o fanatismo
em termos religiosos.» Uma coisa é a simplicidade, que nele vi e aplaudo, e
outra bem distinta «é a ingenuidade impressionante.» Nunca tive o padre Justino
por “fanático” em termos religiosos. Depois conta três historietas que se terão
passado com coisas que terá dito do altar: a propósito de uma catequista, a
Grila, cujo nome já tinha cortado do rol das que o seriam em Prado; a propósito
do desaparecimento de umas cuecas e a propósito de homens e mulheres estarem
misturados da Igreja e que ele teria mandado separar, embora sem êxito, com uma
frase menos feliz - «saias para cima e calças para baixo.» Joaquim Rocha
concluiu o seu texto desta forma: «Não cumpriram a ordem. O padre, boa pessoa,
apenas distraído, compreendeu a situação e pediu-lhes desculpa. Fizeram as
pazes. A partir daí correu tudo bem. No dia 28 de Junho de 2000 o Justininho
despediu-se dos vivos. Muitos afirmam, pelo menos aqueles que o conheceram, que
a sua alma está no céu. Eu não sei onde está, porque não sou visionário, mas as
pessoas boas como aquela começam a rarear em nossos dias.» Na vida cheia, que
foi a do padre Justino Afonso, o que merece realce são três dichotes cujo fundo
de verdade, creio sinceramente, não corresponde minimamente ao transcrito? Não
aprovo, Joaquim Rocha. Acho que tinha o dever de se informar melhor e dizer o
muito de positivo que o padre Justino Afonso fez nas freguesias e no concelho.
Eu realçaria o seu espírito profundamente sacerdotal e o amor incandescente
pelo bem das almas, amor que alimentava cada dia com uma piedade sólida e
esclarecida; a sua bonomia e simplicidade naturais que lhe granjearam estima
dos seus paroquianos e dos que com ele contactavam; a sua disponibilidade para
servir, quer os paroquianos, quer os colegas em qualquer serviço que lhe
solicitavam; a simpatia que sabia irradiar entre os adolescentes e os jovens,
cujas aulas de Religião e Moral seguiam com gosto. Jamais esquecerei a cena que
eu mesmo presenciei do abraço com um adolescente da Escola o abraçou num dos
corredores quando o padre Justino acabava de chegar de um tratamento
hospitalar; o bom ambiente que criava à sua volta, quando reunido com os
colegas sacerdotes; a generosidade com que repartia dos seus bens materiais
para as grandes causas. Estou a lembrar-me particularmente da construção do
Seminário de Viana. E, por último, mas talvez o mais importante, a serenidade e
a resignação cristãs com que enfrentou a terrível doença que acabou por o
vitimar ainda tão jovem, sem deixar de tudo fazer, até à exaustão das suas
forças, para continuar a servir os fiéis que lhe estavam encomendados. Entre os
colegas de curso do padre Justino Afonso destaco o conterrâneo Cónego José
Marques, o Vigário Geral de Braga, Cónego Valdemar Gonçalves, o núncio em
Madrid, Monteiro de Castro, o reitor do Sameiro, Monsenhor Joaquim Morais da
Costa. Sei, por testemunho pessoal, a consideração e estima que por ele tinham
e têm. Foram colegas doze anos e sabiam bem quem ele era e o que valia. Quatro
anos e três meses após a sua morte, sempre que regresso de Rouças para Braga,
ao passar na rotunda de Prado, dirijo um olhar ao cemitério de Prado, e ao
local onde acompanhei os restos mortais do bom colega e amigo naquele fim de
tarde tórrido, após uma solene e sentida concelebração exequial na igreja
paroquial onde ele serviu durante toda a sua vida sacerdotal. Recordo-o, rezo e
peço a sua intercessão amiga junto do Pai comum. O Joaquim Rocha diz que não é
“visionário”. No caso em apreço, creio que foi demasiado e levianamente
visionário para com o incidental, e pouco informado sobre o essencial. O padre
Justino Afonso merecia bem melhor.»
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