quinta-feira, 1 de novembro de 2018

MELGACENSES NA I GRANDE GUERRA
(e em outras guerras do século XX)


Por Valter Alves e Joaquim A. Rocha



desenho de Rui Nunes



Prefácio de Valter Alves

  
     Foi há pouco mais de cem anos que os primeiros soldados do contingente que Portugal enviou para combater em França na I Guerra Mundial chegaram à Flandres. Em África, já combatiam os alemães desde 1914. Com base nos dados de que dispomos, de Melgaço partiram para a Flandres mais de setenta homens, oriundos das diversas freguesias. Estes homens foram autenticamente “roubados” às suas vidas e obrigados a ir para uma guerra para a qual não estavam preparados. Paderne, com catorze homens, Penso com doze homens, e Vila, com catorze homens, são as freguesias melgacenses que mais contribuíram em termos de número de efetivos. Estes homens da nossa terra, feitos soldados, tinham todos – à data do embarque – idades entre vinte e dois e vinte e sete anos completos (nascidos entre 1891 e 1895), à exceção dos oficiais e sargentos que eram um pouco mais velhos.

     Assim, entre Janeiro e Novembro de 1917, partiram estes homens do cais de Alcântara, rumo ao porto marítimo de Brest, França, numa viagem de navio de vários dias. Daí seguiram de comboio até à zona sul da Flandres francesa, perto de Armantières, nos vales dos rios Lys e Aire. Depois de uma curta estadia em Brest, porto de desembarque das tropas portuguesas, seguia-se o transporte, de comboio, até à região de “Aire”, zona destinada às tropas do Corpo Expedicionário Português. E foi num dia agreste, de neve, chuva e frio, língua e costumes tão diferentes dos seus, que estes jovens da nossa terra e as tropas portuguesas tiveram de suportar mais de um mês de treino complementar, junto do exército britânico, para se poderem “familiarizar” com as armas inglesas com que iam combater, e com as novas formas de guerra que iam conhecer de perto.

     Na frente europeia, dos setenta e tal homens naturais de Melgaço que partiram, dez morreram caídos em combate, ou devido a outras causas, como doenças. O primeiro melgacense a morrer em combate foi o soldado António Alberto Dias, natural do lugar da Verdelha, freguesia de Paderne, que faleceu a 9/10/1917, na Flandres, França. Quatro dos caídos em combate morreram durante a batalha de La Lys (9 de Abril de 1918). Foram eles: os soldados José Cerqueira Afonso, de Paderne, José Narciso Pinto, de Chaviães, João José Pires, de Paços, e o segundo-sargento António José da Cunha, natural da freguesia de Santa Maria da Porta, Vila de Melgaço. O último pertencia ao 6.º grupo de baterias de metralhadoras e os três primeiros eram soldados que pertenciam à 4.ª Brigada de Infantaria do CEP, Regimento de Infantaria n.º 3, Viana do Castelo. Esta era conhecida como a Brigada do Minho, a que pertenciam a grande maioria dos soldados melgacenses, e já tinha conquistado uma reputação de bravura na frente de batalha muito antes de lhe ser confiada, em Fevereiro de 1918, a defesa do sector de Fauquissart, em Laventie, na Flandres francesa, perto da fronteira com a Bélgica, onde ainda se encontrava nesse fatídico dia 9/4/1918, quando foi dizimada pelos alemães na dita batalha de La Lys.

           Os soldados da Brigada do Minho tinham passado a noite de 8 para 9 de Abril a arrumar armamento, munições e outros equipamentos, e seus pertences. Iam ser rendidos por batalhões ingleses no dia 9 e hoje em dia acredita-se que os alemães sabiam disso. Sabiam também que a infantaria portuguesa não estava preparada para aquela guerra e que tinham sido treinados à pressa numa falácia vendida pelo regime republicano que apelidaram de “Milagre de Tancos”. Os soldados de Melgaço e de outras regiões eram lavradores, pedreiros e de outros ofícios. Muitos deles nunca tinham saído da sua terra. A grande maioria nem sabia ler e escrever. Um soldado não se faz num par de meses. Esta batalha foi, por essas e outras razões, um dos maiores desastres de toda a História Militar portuguesa. No dia seguinte, chegara a hora de contabilizar as baixas: trezentos e noventa e oito mortos (369 praças e 29 oficiais) e uma esmagadora maioria de prisioneiros (6.585, dos quais 6.315 eram praças, e 270 oficiais). Na 4.ª Brigada de Infantaria, à qual pertenciam a maioria dos melgacenses, as baixas situam-se em cerca de 60% entre mortos, feridos e prisioneiros. No Regimento de Infantaria 3, Viana do Castelo, as baixas cifram-se em 570, de um total de setecentos homens que estavam em posição naquela noite. Deste total de baixas, houve registos de noventa e um mortos (quatro de Melgaço), cento e cinquenta e cinco feridos, sete desaparecidos, e trezentos e dezassete soldados feitos prisioneiros. Deste total de prisioneiros de guerra, nove soldados eram melgacenses. Inicialmente, estes homens foram dados como «desaparecidos em combate» e esse facto foi comunicado às famílias. Vários meses mais tarde, após o fim da guerra, em Novembro de 1918, a Comissão de Prisioneiros de Guerra, comunicou que estes homens se encontravam em campos de prisioneiros na Alemanha, pondo fim a meses de sofrimento dos soldados e das suas famílias, que os julgavam mortos. Na realidade, estes melgacenses foram todos capturados durante a batalha e levados para campos de prisioneiros na Alemanha. Eram eles: os soldados Mário Afonso, de Santa Maria da Porta, Vila; António Fernandes, de Penso; Abílio Alves de Araújo, da Gave; Avelino Fernandes, de Alvaredo; António José Rodrigues, de Paderne; Inocêncio Augusto Carpinteiro, de São Paio; Justino Pereira, de Cubalhão; António Reis, da Rua Direita, vila de Melgaço, e António Pires, de Rouças; tendo ficado dispersos por vários campos de prisioneiros na Alemanha. Depois de La Lys o CEP não mais participou em operações militares relevantes, ficando na dependência dos ingleses, e relegados para tarefas secundárias. Os que tombaram repousam para sempre no cemitério militar português de Richebourg l’Avoué, França. Os que regressaram, muitos deles voltaram com os traumas próprios de um conflito que a humanidade nunca tinha conhecido, ou com os problemas de saúde que os acompanharam durante o resto das suas vidas.       

     Por tudo isto, estes homens foram heróis e merecem a nossa homenagem. Para que nunca sejam esquecidos!

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