ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
MELGAÇO EM AGOSTO
Este ano, sim!
Cheguei a Melgaço no dia 7 e regressei a Lisboa no dia 24. Pude assim assistir,
do primeiro ao último dia, à Festa da Cultura. Assisti também à festa da
Senhora da Pastoriza, cujo interesse (refiro-me à parte não religiosa) residiu
na atuação do conjunto melgacense «Contacto». As festas que se fazem nas
diversas freguesias do concelho não têm, como antigamente, a publicidade
suficiente, ou então são prejudicadas pelas festas da Vila, cujo orçamento é
bem superior. Recordo-me que era raro eu perder uma festa: sobretudo aquelas
que se realizavam perto da vila ou que tinham acesso fácil por estrada (Paços,
Cristóval, Penso). Sempre a pé, pois os carros nessa altura contavam-se pelos
dedos das mãos e só os ricos os possuíam! Os rapazes, e tantos eram,
juntavam-se na Vila Velha e daí partiam rumo à “aldeia”, ao encontro das
moçoilas que, ouvindo as alegres músicas que os altifalantes do senhor Reinales
lhes transmitiam, os aguardavam ansiosamente! Em pequenos grupos, duas ou três,
passeavam sorridentes, e de soslaio iam vendo se eles formavam também o grupo
com o mesmo número; depois o seu passo ia diminuindo, até pararem
completamente. Os rapazes aproximavam-se e o mais atrevido dirigia-lhes a
palavra: - «Um lindo dia!» Quase como
num eco, uma delas, afastando-se um pouco, respondia: - «Lindo dia, sim senhor!» E começava a caminhada, já formados os
pares, à volta da igreja. Pouco havia para dizer nesses tempos: uma palavra, um
simples gesto, um olhar conivente, diziam tudo. O namoro, o amor, o casamento,
os filhos, tudo nascia de um quase silêncio!
A festa da
cultura começou na sexta-feira (dia 13) por volta das onze horas, na Biblioteca
Municipal. Em primeiro lugar foram entregues os prémios dos V Jogos Florais
(considero errado que alguns premiados não estejam presentes no ato da entrega
dos mesmos; as pessoas que gostam de escrever – é o meu caso – concorrem pelo
simples prazer da escrita, da participação, e não do prémio em si, em termos de
dinheiro insignificante. O facto de se encontrarem longe não justifica a sua
ausência; eu já tive dois prémios – em 1991 e em 1993 – e fui levantá-los).
Seria desejável que os residentes no concelho concorressem mais aos Jogos
Florais, fossem mais participativos. Fico admirado e triste por não haver
jovens do ensino secundário a concorrer, e a ganhar. Será que os jovens melgacenses
não têm interesse pela história da sua terra? Não têm talento e veia poética
para escreverem um poema ao seu torrão natal? Ou será que as discotecas e a
televisão lhes ocupam todos os tempos livres? É certo que se pode perguntar: «Escrever para quê? Para quem?» Eu fiquei
dececionado ao ver o pavilhão onde se encontravam expostos os trabalhos dos
vencedores quase sempre vazio; pelo contrário, no pavilhão onde se vendia
alvarinho ao copo havia sempre gente! Mas por isso, deixo de escrever? Não mais
concorro? Penso que se todos aqueles que escrevem abandonassem a caneta porque
têm poucos leitores jamais haveria escritores dignos desse nome. Quase todos os
poetas conquistam os seus leitores depois da morte física. Há, no entanto,
exceções: Miguel Torga, Eugénio de Andrade, Sofia Melo Andresen…
Como todos os
anos, e após a entrega dos prémios, os oradores convidados proferiram discursos
breves, mas importantes, sobre temas ligados ao nosso concelho. Este ano, além
dos senhores padres Júlio Vaz e Aníbal Rodrigues, cónego António Vaz e Doutor
José Marques, tivemos a presença da Doutora Alexandra Sousa Lima, que nos deu
conta das descobertas arqueológicas que se têm verificado recentemente na
freguesia de Castro Laboreiro.
No edifício da
Câmara Municipal estiveram expostos trabalhos de cerâmica do jovem Carlos de
Oliveira, um artista a despontar, e peças de arte (autênticas jóias), feitas a
partir de ferro velho e cujo autor, Luís Passos, da Areosa, não quer delas
desfazer-se por dinheiro nenhum! - «Talvez
a partir da peça número 100», disse-me ele.
Nesses três dias
de festa houve um pouco de tudo: futebol, música, dança, cortejo etnográfico,
como em anos anteriores. Até fado! O “velho” Arnaldo Caçolas a cantar fado! Não
canta lá muito bem, mas é uma voz melgacense. Fez-me lembrar o tempo em que o
senhor Franklin Carneiro tocava guitarra e “fadistas de domingo” cantavam fado
de Coimbra!
O grupo musical
dos bombeiros voluntários de Melgaço merece o nosso aplauso. A jovem vocalista,
cujo nome não fixei, tem uma voz maravilhosa! Quanto à presença dos «Sitiados»
na Festa da Cultura, parece-me um pouco deslocada. É um facto que eles atraem
gente de todo o lado: Monção, Valença, Galiza, mas noite dentro (cerca da meia
noite) e fora do ambiente natural da festa. Este grupo atua onde lhes pagam e
nada tem a ver com manifestações culturais. Além disso, são exigentes: no
preço, na segurança, nas condições de atuação. Será que a nossa Festa se vai
tornar famosa graças aos famosíssimos conjuntos musicais? Melgaço, um novo
Alvalade? O padre Júlio tem razão: «A
Festa da Cultura pede uma revisão cultural séria e objetiva.»
A cultura, como
se sabe, tem duas origens: a popular, criada pelo povo – poesia, contos, traje,
artesanato, danças, etc., e a erudita, criada pelos intelectuais – poesia,
teatro, narrativa, ensaio histórico, pintura, escultura, arquitetura, etc.
Quando se deseja fazer uma Festa da Cultura de âmbito local, concelhia, como deve
ser o caso da nossa, tem de se ter isso em conta e não misturar «alhos com
bugalhos», isto é, ter pavilhões daqui e dali, comes-e-bebes junto aos
pavilhões! – isso parece mais uma feira do que um festa! Por que não pôr à
disposição de cada freguesia do concelho o seu pavilhão? Por que não realçar os
trabalhos dos participantes nos jogos florais com a leitura dos textos? O
próprio grupo musical dos bombeiros poderia musicar alguns dos poemas. Por que
não uma peça de teatro integrada na Festa? A cultura não se pode encerrar numa
redoma de vidro, mas a originalidade ainda é possível.
Esta Festa é
muito importante para o nosso concelho – não a deixem cair na banalização
torpe! Querem contratar grupos de fora para animar as noites melgacenses
durante o verão? Façam-no; mas não numa convivência promíscua!
As montras das
lojas, salvo raras exceções, têm um aspeto pouco asseado e com imensa falta de
gosto! Por que não fazer um concurso de montras? Enriqueceria sobremaneira a
festa e a Vila de Melgaço ganharia com isso.
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 993, de 1/10/1993.
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