DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
Cartas de um castrejo
14.ª -
«Senhor Redactor: cá do meu pobre
tugúrio só posso vislumbrar, e através de lentes foscas, os revérberos da
civilização; como o meio em que vivo carece, especialmente, do principal
factor, do primordial veículo conducente a Ela, como sou daqueles que antes
quebrar que torcer, e queria que a minha freguesia comparticipasse das regalias
que há muitos anos fruem as demais do concelho (*), não calarei, perante a
nossa Câmara [Municipal], paróquia e demais entidades que superintendem na
instrução, as justas reclamações por mais que uma vez aqui feitas, com relação
à deficiência do ensino. Repetindo: temos uma só escola para o ensino masculino
e instalada nas piores condições higiénicas e pedagógicas, e sem o material
indispensável a uma boa organização educativa; e, isto, para o mínimo de 300
crianças em idade escolar! Este facto que, à primeira vista parece normal, é um
atentado grave à nossa dignidade, ao nosso progresso e aos nossos interesses
materiais e morais; porque o progredir de um povo está indubitavelmente no seu
grau de ilustração, e nós nem a temos nem no-la dão, conquanto a reclamemos de
há muito e sejamos até capazes de maiores sacrifícios para obtê-la. Um meio,
pois, para sairmos deste marasmo que, se não nos aniquila, nos não deixa progredir.
Faça, a junta de paróquia, uma representação à Câmara Municipal de Melgaço, acompanhada
dos respectivos recenseamentos escolares, e pedindo uma escola para cada grupo
de 40 alunos de ambos os sexos. Esta colectividade decerto ouvirá o justo
apelo; mas quando não, que a faça, ao menos, por intermédio da inspecção de
círculo, chegar ao Ministro da Instrução. Se não der certo, pela primeira vez,
sucedam-se as tentativas, que… tanto dá a água na pedra que a faz amolecer.
Valeu? Castro Laboreiro, 5/5/1916.»
///
(*) Trata-se, obviamente, de um exagero, pois as outras freguesias do concelho
também não tinham quaisquer regalias, ou se as possuíam eram pouco
significativas. Lá diz o ditado: «onde não
há pão, todos ralham e ninguém tem razão.» É certo que a primeira república
tentou melhorar o ensino em Portugal, mas a maldita guerra 1914-1918 veio
estragar todos os planos dos governos para o desenvolvimento; o dinheiro
destinado ao ensino foi gasto com armas, com equipamento militar, etc. // Não esquecer, também, que para Castro Laboreiro não havia estrada; as freguesias ditas da montanha apenas tinham caminhos, que no inverno se tornavam quase intransitáveis.
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