DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
Cartas de um castrejo
11.ª -
«Senhor Redactor: as neves
sucessivas, entremeadas por vezes de um sol abrasador, que nos desafiava à
rajeira, as nossas idas e vindas à branda – ora sob uma temperatura tropical,
ora sob um frio das estepes da Rússia, produziram um violento ataque de gripe,
que nem nos deixou ir aí dia nove, nem mesmo nos permite, ainda, dar o passeio
habitual, para colher informações. E como Deus não tira um bem que não dê
outro, eis que uma carta do meu bom amigo Rodrigues, encarregado do Registo
Civil nesta freguesia, carta repassada de sentimento e amargura, me dá azo a
escrever a minha, entremeando-a de passagens interessantes que me descreve,
deixando transparecer a maior indignação por inúmeros desmandos que por aqui se
dão, e fazendo comparações dignas, a meu ver, de registo. Começando: «Esteve
aqui no dia três de Abril do corrente o Senhor Vilarinho, inspector escolar,
segundo informações fidedignas em sindicância ao professor desta freguesia, por
este haver num ímpeto de dignidade e pundonor, tentar pôr um dique aos
desmandos do célebre cabo Carvalho, comandante do posto de despacho e
transgressor emérito das leis que o nosso respeitável regímen assinou e
decretou.» Continua o amigo Rodrigues citando factos ilegais que mais ou menos
já havemos noticiado e chega à conclusão de que, a caminhar isto assim «é
melhor ser guarda-fiscal em Castro Laboreiro do que Presidente da República em
Lisboa.» Ataca fortemente os descuidos lamentáveis da falta de instrução para o
nosso povo, da carência de meios de comunicação, de aumento progressivo das
contribuições – que só deveríamos pagar como tributo de guerra, abunda em
considerações justas e em queixas razoáveis e de ponderar, terminando com este
grito, que indubitavelmente lhe sai do fundo da alma: «Santo Deus! Que bárbaros
que abandonam a lei do Eterno, pondo entraves a quem trabalha licitamente!» //
[Estiveram] entre nós, nos primeiros dias da semana passada, os senhores
inspector primário deste círculo escolar e o chefe da Guarda-Fiscal neste
concelho, para averiguarem de factos respeitantes aos seus subordinados aqui
(…). Pedimos licença para apontar a Suas Ex.ªs o caminho a seguir: Inspector,
criação de escolas e melhoramentos radicais na existente; Chefe, instruções
ríspidas aos seus guardas para que não exorbitem das suas funções, nem se
arrede, um ápice, do cumprimento dos deveres inerentes ao seu cargo. // Um
facto engraçado que nos chegou (…) ao conhecimento, é o da escolha como galegos
de quatro touros, de seis de um rebanho, apreendidos nas Veigas (entre esta
vila e o Vido). Parece uma mentira! Que caras as daqueles quatro “muchachos”
para, os competentes, os tomarem como de nacionalidade espanhola? (…) // No
lugar das Eiras (Pedroso) faleceu Maria
Ganhanas; era ainda relativamente nova, razão por que a sua morte foi muito
sentida. Que esteja em Deus, para único lenitivo dos doridos a quem
cumprimentamos e ao amigo Rodrigues, em espírito, enquanto esta gripe de má
raça nos não deixa ir fazê-lo pessoalmente. Mande-nos, que o Redactor do Correio
de Melgaço continuará a ser benevolente connosco, dando publicidade às nossas
queixas, quando justas. // Castro Laboreiro, 13/4/1916.»
Sem comentários:
Enviar um comentário