QUADRAS AO DEUS DARÁ
Por Joaquim A. Rocha
// continuação...
666
Podia
ter sido alguém
Neste
mundo desigual;
Mas
nasci um zé-ninguém,
Num
canto de Portugal.
667
Sou
poeta, sou poeta,
Passo
a vida a poetar;
Corro
célere para a meta,
Mas
nunca lá vou chegar!
668
Quem
me dera ter mil asas
Para
eu poder voar;
Caminhar
sobre as brasas,
Ser
crente para rezar.
669
Já
ganhei muito dinheiro,
Sentia-me
um novo-rico;
Era
livre, e solteiro,
Rijo
como o grão-de-bico!
670
O
casamento, e filhos,
Consomem
nosso peteiro;
Meti-me
em grandes sarilhos,
Perdi
saúde e dinheiro!
671
Aprendiz
de sapateiro,
E
aprendiz de alfaiate;
Ganhei
rios de dinheiro,
Tive
palácio e iate!
672
Exportei
trinta dinheiros
Para
a China e Japão;
Enchi
os meus mealheiros
De
penúria e ilusão!
673
Andei
à lenha, maravalha,
Às
pinhas e bons pinhões;
Usei
vara e navalha,
Para
matar ilusões.
674
Nasci
em Junho ou Julho,
Não
sei bem quando nasci;
Fui
atirado ao entulho
E
no entulho cresci!
675
O
vosso cão ladra, ladra,
Ladra
sempre sem parar,
Seja
no campo, na estrada,
E
na praia à beira mar!
676
O
nosso cão já não ladra,
Morreu
ontem ao jantar;
Comeu
fígado de cabra,
Sardinhas do baixo mar.
677
Ai
quem me dera ter cão,
Ou
gato preto, peludo;
Um
grilo de estimação,
A
máscara do entrudo!
678
Não
tenho animais em casa
Para
evitar as despesas;
Um
gato tudo lambaza,
Os
ratos limpam as mesas!
679
Deixai-me
agora dormir,
Tenho
direito ao descanso;
Passei
noites a curtir,
Como
tolo, um vil tanso!
680
Pra
rimar nasci um dia,
Numa
aldeia sem história;
Nem
uma folha bulia,
Nessa
terra sem memória.
681
Lutei
nas matas de África,
Contra
negros e mestiços;
Não
tinha jeito nem prática,
Nem
a arte dos feitiços.
682
Trouxe
de lá mil doenças,
Que
duraram uma vida;
Não
recebi cruz nem tenças,
Apenas
raiva incontida.
683
Dom
Quixote luta em vão
Por
mil causas que inventou;
Perdeu
o siso, razão,
Mas
a fama conquistou!
684
Eu
não sou o Dom Quixote,
Só
luto por uma causa:
Encontrar
um belo mote,
Poema
longo, sem pausa.
685
Quem
me dera ser poeta,
O
maior deste planeta;
Chegar
primeiro à meta,
Ao
som de uma corneta.
686
Tenho
a ciência de Job,
A
sua resignação,
Em
dinheiro, sou mui pobre,
Mas
rico na ilusão.
687
Que
terra é esta, que terra,
Ninguém
a quer compreender;
Seja
na praia ou na serra
Todos
a fazem sofrer!
688
Eu
moro no universo,
No
planeta terreal;
Vive
comigo um verso
O
mais triste em Portugal.
689
O
Putin é um sacana,
Ele
e suas quadrilhas;
Do
seu vil corpo dimana
Mau
cheiro a cinco milhas.
690
“Eu
vim aqui para ajudar,
Tu não fazes nada, nada!
Vai
para a cama descansar,
Repousa
os ossos, camarada”!
691
Ela,
cheia de vontade,
Prometia,
prometia,
Mas
a douta realidade
Afastava
a fantasia.
692
Trabalhei
mais do que dantes,
Muitas
horas, muitos dias;
Fiz
quadras para descantes,
Orações
pra romarias.
693
Fui
criado ao deus dará,
Sem
nenhuma proteção;
Virou-me
costas Alá,
Desprezou-me
o deus cristão!
694
Não
sou padre, não sou monge,
Não
sou judeu ou cristão;
Ando
sempre perto e longe,
Entre
o sonho e a razão.
695
Já
comprei um manjerico
Nas
festas de São João,
Mas
por aqui não me fico:
Vou
comprar teu coração!
696
Nasci
pobre, muito pobre,
Mais
pobre do que a pobreza;
Crescido,
tornei-me nobre,
Mais
nobre do que a nobreza!
697
Já
tive outrora amigos,
Eram
cem ou muito mais;
Agora,
nem inimigos
À
minha espera no cais!
698
Perdi
o tempo, e o vento
Transporta-me
no espaço;
Sou
apenas pensamento,
No
seu áspero abraço.
699
Minha
memória já falha,
Esqueço
constantemente
O
percurso e a tralha,
Té
dormir e dar ao dente!
700
Há
quem diga que a idade,
Após
a aposentação,
Traz-nos
a felicidade,
Mas
é tudo ilusão!
701
A
idade, sobe, sobe,
Nunca
para de subir;
É
um mundo que se move,
Entre
ontem e o devir!
702
Ai
quem me dera chorar
No
teu suave regaço,
Lágrimas
com sal do mar,
Inundando
céu, espaço!
703
Rússia
invadiu Ucrânia,
Um
país independente;
Matou
Maria, também Tânia,
Anafado,
indigente.
704
Ninguém
está bem na Terra,
Há
miséria, furacões;
Em
todo o lado há guerra,
Morrem
milhares, milhões!
705
O
planeta já aquece,
A
temperatura é alta;
O
povo, que não merece,
Anda
sempre na ribalta.
706
Dizem
que há muita fome
Neste
país sem memória;
Come
tudo, o lobisome,
A
fama, e a história!
707
Não
me atires com mil pedras,
A
mim, que não sou ninguém;
Assim
não cresces, não medras,
Jamais
chegas a Belém!
708
Eu
já fui bom caçador,
De
pardais e borboletas;
Nunca
cacei um amor,
Mesmo
embrulhado em tretas!
709
Minha
amiga, estudante,
Tinha
grandes professores;
Um
deles, o seu amante,
Dava-lhe
perfume e flores.
710
Andei
na vida perdido,
Em
busca d´outro destino;
Dei-me
um dia por vencido,
Ninguém
vinga, por ladino!
711
Eu
nasci no outro mundo,
No
útero duma estrela;
Vinha
sujinho, imundo,
Livre
de canga e trela.
// continua...
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