QUADRAS AO DEUS DARÁ
Por Joaquim A. Rocha
// continuação de 11/11/2024.
626
Se
eu tivesse vinte anos,
Soubesse
o que hoje sei,
Não
sofrera desenganos,
Não
passara o que passei.
627
Não
podes voltar atrás,
Seja
no tempo ou espaço;
O
sonho é falso, falaz,
Tu
caíste no meu laço!
628
Quando
deus criou o mundo
Estava eu a dormir;
Dormia
sono profundo,
Sonhava
com o devir!
629
Não
me faças perder tempo
Meu
colega, meu amigo;
Eu
nem sequer tenho tempo
Para
coçar meu umbigo!
630
Tenho
nova profissão,
Agora
sou curador;
Só
me falta ser ladrão,
Ou
bobo de grão senhor!
631
Aprendi
de sapateiro,
Mas
não passei de aprendiz;
Empregado
de barbeiro,
Lacaio
de Dom Dinis.
632
Sonhei
um dia ser rei,
De
um lugar, ou aldeia;
Só
agora me lembrei,
Que
sonho não é ideia.
633
Não
me chamem general
Ou
coisa que se pareça;
Chamem-me
melro, pardal,
Coisa
que eu bem mereça.
634
Jogador
de futebol
Durante
meses e anos;
Só
ganhei raios de sol
E
injúrias dos maganos.
635
Entrei
na manga do Cristo,
Ali
pròs lados d’Almada;
Feita
de barro e de xisto,
Perfila-se
como armada!
636
Jesus
Cristo, santo e rei,
Dos
judeus e de outros povos,
Não
teve reino, nem lei,
Mas
criou países novos.
637
Jesus
percorreu o mundo,
Em
companhia de Pedro;
Viu
tudo: belo, imundo,
Falou
com Sócrates, Fedro...
638
Jesus
usou uma coroa
De
tojos, rijos espinhos;
Mas
quando veio a Lisboa,
Trocou-a
por ricos vinhos.
639
Jesus
já se foi embora
A
fim de abraçar seus pais;
Ninguém
sabe onde mora,
Diz-se,
no céu dos pardais!
640
Dizem
que o inferno existe,
Lá
longe, além do norte;
Para
mim, cheira-me a chiste,
A
mil receios da morte!
641
Não
me falem na vil morte,
A
mim, que nunca nasci;
Sou
filho da triste sorte,
Dum
fado que não vivi!
642
Andei
na Terra perdido,
Ao
sabor de brutas ondas;
Fui
por tubarões mordido,
Vítima
de feras mondas.
643
Ai
quem me dera viver
Cem
ou duzentos mil anos,
Com
saúde, sem sofrer,
Arrelias
ou enganos.
644
Eu
nasci na primavera,
Cheirando
ao quente verão;
Desci
das nuvens, na esfera,
Embrulhado
num roupão!
645
Não
tive madre, nem pai,
Sou
filho duma aventura,
Entre
balanta e tai,
Entre
o mal e amargura.
646
Já
morei na Mouraria,
Na
calçada de Carriche;
Aqui
embarquei um dia
Na
adoração dum fetiche!
647
O
maldito fetichismo
Destruiu
a minha vida;
Atirou-me
prò abismo,
Para
a zona proibida.
648
Caiu
do céu aos trambolhões
Meu
tristíssimo destino;
Vinha
cheio de ilusões,
Para
enganar o menino!
649
Uma
queda é trambolhão
Quando
nos foge equilíbrio;
O
cérebro e coração
Sofreram
forte ludíbrio.
650
Passei
fome, passei sede,
Comi
mil côdeas de pão;
Tal
peixe, em uma rede,
Vi
a morte de antemão!
651
Não
sei que espécie é a nossa,
Que
anseios em si encerra;
Se tem a paz, dela troça,
Só
vive feliz na guerra!
652
A
Confraria do Badalo
Nasceu
no Minho, em Braga;
Ouvi-los
é um regalo,
Sob
o dorso de uma fraga!
653
Morreram
alguns confrades,
Sobretudo
os mais antigos;
Ficaram
doutores e padres,
Pra
elogiar seus amigos.
654
Não
adianta lutar
Contra
o destino e afins;
São
fortes como o mar,
E
frágeis tais serafins.
655
Percorri
o meu passado
Em
busca de uma imagem,
Mostrando
o meu triste fado,
A
minha feroz voragem.
656
Não
me chames “meu amor”,
Isso
é falso, é mentira;
De
ti só me veio dor,
Ódio,
embrulhado em ira!
657
A
nossa espécie é cruel,
É
máquina destruidora;
No
seu corpo só há fel,
A
caixa da vil Pandora!
658
Da
caixa saiu a esp’rança,
Que
nos guia na desgraça;
Dá
ao fraco segurança,
Ao
forte faz-lhe pirraça!
659
Não
sei o que mais desejo:
Se
fugir prò universo,
Se
dar-te na boca um beijo,
Se
transformar-te num verso!
660
O
homem já foi à lua,
A
Saturno e a Marte;
Só
não foi à minha rua,
Ver
lixo por toda a parte!
661
A
Câmara não se interessa
Pelas
ruas da cidade;
Nas
eleições há promessa,
Mas
bem longe da verdade.
662
Os
passeios da cidade
Servem
pra estacionar;
Sejam
novos, com idade,
São
todos pra desprezar.
663
Há
nas ruas cem mil carros
Muito
mal estacionados;
São
venenos, geram sarros,
Nos
habitantes coitados.
664
Percorri
o universo
Em
cavalo de madeira;
Nos
ares fiquei submerso,
Sem
lençol nem travesseira.
665
Tive
o futuro a meus pés,
Pisei-o
com minhas botas;
Vivi
nas ondas, marés,
Comi
tubarões e potas.
// continua...