POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
// continuação de 27/10/2024.
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DISPERSOS
Lisboa, em ti vive a solidão!
Nos becos, nos bairros pobres:
Onde exista miséria, podridão.
Lisboa: de dia és uma flor;
À noite, és a própria dor!
A tua alegria contagiosa
Tornam, no dia-a-dia,
minha vida mais animosa!
És alegre, és franca,
és virtuosa, feliz;
és vida, és esperança,
da minha vida infeliz!
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O teu olhar cristalino…
a tua vivacidade,
o teu sorriso divino,
tua louca mocidade;
o teu coração de oiro,
as pérolas dos teus olhos,
são verdadeiros tesoiros,
que me encantam e fascinam
e meus passos encaminham!
Se te conhecera antes,
quando tu inda eras livre
como as aves viajantes;
se te conhecera antes,
quando o teu pensamento
era vagabundo errante;
se te conhecera antes,
de amores ainda virgem,
antes que sombras surgissem
no teu coração sonhador;
por ti, sei, seria amado,
não desprezado, odiado,
tratado como um intruso!
Agora, sou um recluso,
nesta sombria prisão:
calando meu coração!
A voz oprime-me o peito
e sai dolorosa e rouca!
É vulcão em altas chamas,
são labaredas gigantes,
que irrompem descontroladas!
Filha de um mar nascida:
Dá-me a alma; dá-me a vida!
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FRAGMENTOS
Almas que choram tempos melhores,
corações que imploram lhes suavizem as dores;
triste é a saudade, mais triste é a lembrança
daqueles tempos de criança em que eu tinha
a tua idade. Choram os corações, vertem
lágrimas de sangue; já vão, longínquas,
as paixões. Tudo – enfim – está exangue!
Tempo que passou, passou sem se notar;
outra era se foi: a morte resta aguardar!
Já não vivo, já não sinto, tudo em mim
se extinguiu; com a verdade já eu minto,
este velho castelo ruiu! Nem os muros se
conservaram. Tudo – enfim – desapareceu!
Nem cinzas sequer ficaram, para provar
que ele existiu! Velho tronco, velha árvore,
quem te deu consentimento de te unires ao
mármore, símbolo do esquecimento?
Tu, que eras forte e são, ideias límpidas
e claras, de belo e nobre peito,
com o mundo inteiro tu lutaras!
Deixaste-te assim abater pela força do
destino. Jamais poderei esquecer os velhos
tempos de menino: alegre, despreocupado,
tudo em ti resplandecia; nobre, bem-educado,
tristeza em ti não havia! Amaste certa donzela,
mais bela do que o azul do céu; ias morrendo
de amores por ela, só porque ela te esqueceu!
Não sofras tanto de amor, não penses mais na
donzela; não sejas escravo da dor
- reparte-a com a procela!
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CANSAÇO
Corações adormecidos,
esquecestes os amores?!
Que é dos amores perdidos,
tragados nas velhas dores?
Pobres, pobres corações,
já tão velhos e cansados;
vivendo só de ilusões,
em peitos despedaçados!
Já fostes novos e belos,
outros fizestes sofrer;
Tristão, o Romeu, Otelo,
um Camões a renascer!
Minha alma adormecida
por causa de tanto amor;
minha pele ressequida
não sente sequer a dor!
Eu não quero mais amar,
eu não quero mais sofrer;
eu não quero mais chorar,
eu quero tudo esquecer!
Velha alma, longe, perdida,
por amor tão desigual;
dedicaste-lhe uma vida,
para morrer… afinal!
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Filosofando
Para além de nós ainda existiremos nós!
Existirá a memória de sempre de um haver
perene, mas findável. As ideias, serão outras ideias; as
relações, outras relações; os valores, outros valores! Mas o sangue será sangue,
mesmo que mude de cor! A vida será ela própria, mesmo com outra designação. Os
espaços, apesar de conquistados, não deixarão de ser espaços. Será a morte a
única ameaça?
Perecerá algum dia?
Que será o conceito
ausência? E o medo? Deixará o homem de
ter medo? Quem pilotará a nau Universo?
Que caminhos se irão percorrer?
Que lutas, que martírios, que mistérios?
E o lugar da filosofia e da poesia? Continuar-se-á a admirar
Platão e Aristóteles? Dante, Cervantes, Camões? E os novos… agora? Chamar-se-á
destino a tudo aquilo que ainda se desconheça? E o azar? E a sorte? Será tudo
matematicamente matemático? E as diferenças? Haverá diferenças?
Que seres povoarão o amanhã? Que será aproveitado? Que risos
sarcásticos exibirão ao falar de nós? Falarão?! Seres risíveis! Nós? Eles? Eles
e nós! Que amor? Que sofrimento? Que angústia? Que apego àquilo a que chamamos
bens materiais? O desespero de saber que partimos, ficando; de saber que
ignoramos, sabendo! Que é o ódio, a indiferença, o rancor, comparado com a
imensidão do imenso?
Que é o tempo, o tédio, a fadiga, comparado com o caminhar?
Nada! Signo sem significado,
podendo tudo significar!
10/3/1982
// continua...
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