sábado, 21 de dezembro de 2024

POEMAS DO VENTO

Por Joaquim A. Rocha 



// continuação de 27/10/2024.





86

 

DISPERSOS

 

Lisboa, em ti vive a solidão!

Nos becos, nos bairros pobres:

Onde exista miséria, podridão.

Lisboa: de dia és uma flor;

À noite, és a própria dor!

A tua alegria contagiosa

Tornam, no dia-a-dia,

minha vida mais animosa!

És alegre, és franca,

és virtuosa, feliz;

és vida, és esperança,

da minha vida infeliz!

 

87

 

O teu olhar cristalino…

 

a tua vivacidade,

o teu sorriso divino,

tua louca mocidade;

o teu coração de oiro,

as pérolas dos teus olhos,

são verdadeiros tesoiros,

que me encantam e fascinam

e meus passos encaminham!

Se te conhecera antes,

quando tu inda eras livre

como as aves viajantes;

se te conhecera antes,

quando o teu pensamento

era vagabundo errante;

se te conhecera antes,

de amores ainda virgem, 

antes que sombras surgissem

no teu coração sonhador;

por ti, sei, seria amado,

não desprezado, odiado,

tratado como um intruso!

Agora, sou um recluso,

nesta sombria prisão:

calando meu coração!

A voz oprime-me o peito

e sai dolorosa e rouca!

É vulcão em altas chamas,

são labaredas gigantes,

que irrompem descontroladas!

 

Filha de um mar nascida:

Dá-me a alma; dá-me a vida!

 

88

 

FRAGMENTOS

 

Almas que choram tempos melhores,

corações que imploram lhes suavizem as dores;

triste é a saudade, mais triste é a lembrança

daqueles tempos de criança em que eu tinha

a tua idade. Choram os corações, vertem

lágrimas de sangue; já vão, longínquas,

as paixões. Tudo – enfim – está exangue! 

Tempo que passou, passou sem se notar;

outra era se foi: a morte resta aguardar!

Já não vivo, já não sinto, tudo em mim

se extinguiu; com a verdade já eu minto,

este velho castelo ruiu! Nem os muros se

conservaram. Tudo – enfim – desapareceu!

Nem cinzas sequer ficaram, para provar

que ele existiu! Velho tronco, velha árvore,

quem te deu consentimento de te unires ao

mármore, símbolo do esquecimento?

Tu, que eras forte e são, ideias límpidas

e claras, de belo e nobre peito,

com o mundo inteiro tu lutaras!

Deixaste-te assim abater pela força do

destino. Jamais poderei esquecer os velhos

tempos de menino: alegre, despreocupado,

tudo em ti resplandecia; nobre, bem-educado,

tristeza em ti não havia! Amaste certa donzela,

mais bela do que o azul do céu; ias morrendo

de amores por ela, só porque ela te esqueceu!

Não sofras tanto de amor, não penses mais na

donzela; não sejas escravo da dor

- reparte-a com a procela! 

 

89

 

CANSAÇO

 

Corações adormecidos,

esquecestes os amores?!

Que é dos amores perdidos,

tragados nas velhas dores?

 

Pobres, pobres corações,

já tão velhos e cansados;

vivendo só de ilusões,

em peitos despedaçados!

 

Já fostes novos e belos,

outros fizestes sofrer;

Tristão, o Romeu, Otelo,

um Camões a renascer!

 

Minha alma adormecida

por causa de tanto amor;

minha pele ressequida

não sente sequer a dor!

 

Eu não quero mais amar,

eu não quero mais sofrer;

eu não quero mais chorar,

eu quero tudo esquecer!

 

Velha alma, longe, perdida,

por amor tão desigual;

dedicaste-lhe uma vida,

para morrer… afinal!

 

90

 

Filosofando

 

Para além de nós ainda existiremos nós!

Existirá a memória de sempre de um haver

perene, mas findável. As ideias, serão outras ideias; as relações, outras relações; os valores, outros valores! Mas o sangue será sangue, mesmo que mude de cor! A vida será ela própria, mesmo com outra designação. Os espaços, apesar de conquistados, não deixarão de ser espaços. Será a morte a única ameaça?

 Perecerá algum dia? Que será o conceito

ausência? E o medo? Deixará o homem de

ter medo? Quem pilotará a nau Universo?

Que caminhos se irão percorrer?

Que lutas, que martírios, que mistérios?

E o lugar da filosofia e da poesia? Continuar-se-á a admirar Platão e Aristóteles? Dante, Cervantes, Camões? E os novos… agora? Chamar-se-á destino a tudo aquilo que ainda se desconheça? E o azar? E a sorte? Será tudo matematicamente matemático? E as diferenças? Haverá diferenças?

Que seres povoarão o amanhã? Que será aproveitado? Que risos sarcásticos exibirão ao falar de nós? Falarão?! Seres risíveis! Nós? Eles? Eles e nós! Que amor? Que sofrimento? Que angústia? Que apego àquilo a que chamamos bens materiais? O desespero de saber que partimos, ficando; de saber que ignoramos, sabendo! Que é o ódio, a indiferença, o rancor, comparado com a imensidão do imenso?

Que é o tempo, o tédio, a fadiga, comparado com o caminhar? Nada! Signo sem significado,

podendo tudo significar!

 

 

10/3/1982    


// continua...

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