QUADRAS AO DEUS DARÁ
Por Joaquim A. Rocha
// continuação de 1/09/2024.
551
Sorriste
pra mim, mentindo,
Eu
parti, quase chorando;
Como
pode olhar tão lindo
Ser
cruel e ser tão brando?
552
Senhora
do Velho Minho
Livrai-nos
da pandemia;
Dai-nos
um copo de vinho
Para
que haja alegria.
553
Levai
pra longe a doença,
A
tristeza, o vil fado;
Dai-nos
uma boa tença,
E
remédio prò malvado.
554
Alentejo,
Alentejo,
Do
sobreiro e da esteva,
Da
virtude, do desejo,
Do
bom vinho e do Alqueva.
555
Alentejo
da azeitona,
Do
trigo, do bom azeite,
Da
mocinha brincalhona,
Do
presunto e do leite.
556
Alentejo
do calor,
E
do frio no inverno;
Choras
e ris por amor,
És
paraíso e inferno.
557
Renasces
na primavera
Cantas
canções ao luar;
Ai
se eu em tempos soubera
O
quanto tens para dar.
558
Alentejo
dos cantores,
E
das lindas mondadeiras,
Dos
gados e dos pastores,
Das
cantiguinhas brejeiras.
559
Alentejo
da cortiça,
Do
fumeiro sem igual,
Do
trabalho, da preguiça,
És
português, Portugal.
560
Alentejo
da bolota,
Do
touro e da tourada;
Nas
tabernas a batota,
Nos
pratos linguiça assada.
561
Apesar
de viver longe,
Moras
dentro do meu peito;
Não
és padre nem és monge,
Mas
tens o céu como leito.
562
Gira-gira,
na alta serra,
Gira
bem, destino meu;
Dá-me
alegria na Terra
E
bem-estar lá no Céu.
563
Fiquei
louco, fiquei louco,
Joguei
no euro-milhões;
Enterrei,
pouco a pouco,
O
dinheiro e ilusões.
564
Não
é preciso ser rico
Para
viver na fartura;
Que
o diga o mafarrico,
Escondido
em sua lura.
565
Pedi
dinheiro emprestado
Ao
meu íntimo amigo;
Empurrou-me,
mui zangado,
Tornou-se
meu inimigo.
566
Quando
era rapazote
Adorava
um bom guisado;
Agora
que sou velhote…
Nem
cozido, nem assado.
567
Ó
Roberto guarda a pilha,
Não
a mostres a ninguém,
Olha
que é de barro a bilha,
E
de metal o vintém.
568
Eu
já tive três vinténs,
Uma
ladra os roubou;
Agora
restam améns,
Para
quem os conservou.
569
Trazes
uma flor ao peito,
Talvez
para me agradar;
Deixa
a flor, vem prò leito,
Anda
comigo brincar.
570
Já
fui a Copacabana
Para
ver as mocetonas;
Comi
“bunda” de baiana,
Piripiri
e azeitonas.
571
Deu
o deus toda a beleza
A
essas mocitas novas;
A
mim só deu a tristeza,
Muita
raiva e mil sovas.
572
Já
andei na guerra quente,
Fui
refugiado em Taso;
Tive
frio, calor ardente,
Só
não morri por acaso.
573
Hoje
sou um peregrino
Em
terras desconhecidas;
Sou
um velho, fui menino,
Já
gastei as sete vidas.
574
Eu
deixei a minha terra,
Arrastado
pela rua;
Fui
levado para a guerra,
Roubaram-me
sol e lua.
575
O
azar bateu-me à porta
E
eu deixei-o entrar;
A
sorte já está morta,
Jamais
vai ressuscitar.
576
Políticos
desta terra
Tudo
“dão”, tudo prometem;
Logo
que a campanha encerra
Como
o vento, esmorecem!
577
Dum pária vil sou filho,
E
também duma menina;
Nasci
num campo de milho,
Marcado com a má sina.
578
Andei
na guerra perdido,
Entre o sul e o norte;
Por
uma bala fui ferido,
Conheci
o cheiro à morte.
579
Trilhei
matas da Guiné,
Em
busca de turras feios;
Eram
da cor do café,
Causavam fortes receios.
580
O
destino nunca quis
Dar-me
paz e alegria;
Deu-me
mil tristezas vis,
Coisas
que eu não merecia.
581
Os
santos são calaceiros,
Dormem
de noite e de dia;
Mas
cobram, como os moleiros,
A
sua gorda maquia.
582
Não
fazem grandes milagres,
Apenas
curas banais;
Transformam
vinho em vinagres,
As
festas em bacanais!
583
Apesar
da imperfeição
São
queridos pelo povo;
O
mais é religião,
O
antigo é sempre novo!
584
A
esperança é já crença,
Sonho
renasce das cinzas;
A
vida é vil avença,
Engodo
de belas ninfas.
585
Linda
Senhora de Fátima
Dai
saúde à minha esposa;
Em
troca dá-te uma lágrima,
O
orvalho de uma rosa!
586
Ó
Senhora da Peneda
Fugi
da neve, do frio;
Passeai
pela Alameda,
Pela
praça do Rossio.
587
Já
tive quatro tostões,
Até
uma nota de vinte!
Agora
tenho ilusões,
Sou
miserável pedinte.
588
Ó
minha terra bonita
Onde
estás que não te vejo;
Na
festa do São Batista
Consumias
teu desejo!
589
Namorei
sete mulheres
Entre
bonitas e feias;
Umas
filhas de alferes,
Outras,
sem sangue nas veias.
590
Se
a morte me esquecesse
Eu
agradecer-lhe-ia;
Não
que eu o merecesse,
Mas
a sorte me sorria!
591
A
sorte mais o azar
Namoram
às escondidas;
Nunca
falam em casar,
Têm
almas empedernidas.
592
Contrariei
o destino,
Não
aceitei seu conselho;
Agora
sou um cretino,
Um
olharapo fedelho.
593
Não
vivi a juventude,
Não
gozei a mocidade;
Zanguei-me
com a virtude,
Desperdicei
veleidade.
594
Querer
e o não querer,
Eis
paradoxo do mundo;
Nascendo
para morrer,
Vivo
no sonho profundo.
595
Nasceu
hoje a primavera,
Veio
cinzenta, sombria;
Não
é raiva mas quimera,
Vestida
de fantasia.
596
Namorei
uma morena,
Pele
tenra, mui macia;
Pesava
como galena,
No
colo da cotovia.
597
Namorei
uma francesa,
Numa
noite sem luar;
Cheirava
a framboesa,
Nascera
para me amar.
598
A
sageza foi-se embora,
Correndo
a sete pés;
Anda
agora mundo fora
Em
busca dos mil xexés.
599
A
vida não tem ciência,
Vive-se
bem e à toa;
Uns
têm fraca inteligência,
Mas
navegam numa loa.
600
Finalmente
vou loar,
Já
trabalhei muito e bem;
Vou
dormir, vou descansar,
Muitas
horas, até cem.
601
Raios
parta este sono,
Não
me deixa trabalhar;
Este
corpo está sem dono,
Não
o posso comandar.
602
Eu
nasci na primavera,
Ou
no verão escaldante;
Sou
filho de uma quimera,
Dum
forasteiro errante.
603
Há
pessoas miseráveis,
Que
o são por natureza;
Apesar
de sãos, saudáveis,
Querem
comida na mesa!
604
Ai
quem me dera ser nobre,
Conde,
duque ou marquês;
Porque
nasci fraco, pobre,
Um
rafeiro português?!
605
A
fruta e as mulheres
Colhem-se
verdes, maduras,
Não
são precisas colheres,
Nem
férreas ferraduras.
606
À sombra de uma pereira
Namorei
uma donzela;
Era
bonita, brejeira,
Cheirava
a mel, a canela.
607
Pelas
matas da Guiné
Gastei
toda a energia;
Perdi
a vontade e fé,
Meus
sonhos, a fantasia!
608
Assassina-se
em Kiev,
Massacra-se
em Mariupol,
Caiam
raios, caia neve,
Haja
frio, faça sol.
609
Quando
eu tinha vinte anos
Mandaram-me
para a guerra;
Gente
má, loucos tiranos,
Feras
do céu e da terra!
610
Voltei
d´África cansado,
Dois
anos a guerrear;
Esse
Salazar malvado,
Hei
de sempre odiar!
611
Canta
o melro na cerdeira,
O
canário na gaiola;
Cantam
no Minho e na Beira
O
seu canto nos consola.
612
Deslumbra-me
o pintassilgo
Com
seu cantar mavioso;
Eu
dormindo no pocilgo,
Ele
nos ramos, formoso!
613
Ninguém
me pode acusar
De
escrever feias quadras;
Jamais
poderia ousar
Ser
o Bruno das piadas.
614
Não
há quadras mais sérias
Das
que eu digo a brincar;
No
trabalho, ou nas férias,
Nascem
com sol e luar!
615
Zeca
Afonso, o cantor,
Na
canção não tem igual;
Cantava
com garra, amor,
A
canção de Portugal.
616
Quando
Amália cantava
Todo
o mundo a ouvia;
Até
Severa parava
Nas
ruas da Mouraria.
617
Ninguém
se livra da morte,
Famosos,
desconhecidos;
Só
os deuses têm a sorte,
De
viver, mesmo esquecidos!
618
O
Jesus nasceu bebé,
Como
todos os mortais;
Mas
graças à crença, fé,
Sobressaiu
dos demais.
619
O
Cristo morreu na cruz
Como
um fero criminoso;
Libertando
sangue, pus,
Do
seu peito canceroso.
620
Jesus
foi rei dos judeus,
Teve
coroa de espinhos;
Na
morte foi para os céus,
Depois
da ceia, dos vinhos.
621
Madalena
foi amante
Dum
santo, ou vero deus;
Via
nele um diamante,
Rei
de todos os judeus!
622
Jesus
regressou à Terra
Cem
mil anos após a morte;
Só
viu miséria, a guerra,
A
cara feia de Mavorte.
623
A
lua fugiu de nós,
Foi
pra bem longe, coitada;
Levou
consigo a voz,
Pelo
vate sempre amada.
624
Vem
aí o fim do mundo,
O
fim da humanidade!
Vai-se
Roberto, Edmundo,
A
crença na eternidade.
625
Se
o tempo passara atrás,
Me
trouxesse a juventude,
Os
maus anos de rapaz,
Sem
reparos na virtude!
// continua...

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