segunda-feira, 11 de novembro de 2024

QUADRAS AO DEUS DARÁ

Por Joaquim A. Rocha 





// continuação de 1/09/2024.


551

 

Sorriste pra mim, mentindo,

Eu parti, quase chorando;

Como pode olhar tão lindo

Ser cruel e ser tão brando?

 

552

 

Senhora do Velho Minho

Livrai-nos da pandemia;

Dai-nos um copo de vinho

Para que haja alegria.

 

553

 

Levai pra longe a doença,

A tristeza, o vil fado;

Dai-nos uma boa tença,

E remédio prò malvado.

 

554

 

Alentejo, Alentejo,

Do sobreiro e da esteva,

Da virtude, do desejo,

Do bom vinho e do Alqueva. 

 

555

 

Alentejo da azeitona,

Do trigo, do bom azeite,

Da mocinha brincalhona,

Do presunto e do leite.

 

556

 

Alentejo do calor,

E do frio no inverno;

Choras e ris por amor,

És paraíso e inferno.

 

557

 

Renasces na primavera

Cantas canções ao luar;

Ai se eu em tempos soubera

O quanto tens para dar.

 

558

 

Alentejo dos cantores,

E das lindas mondadeiras,

Dos gados e dos pastores,

Das cantiguinhas brejeiras.

 

559

 

Alentejo da cortiça,

Do fumeiro sem igual,

Do trabalho, da preguiça,

És português, Portugal.

 

560

 

Alentejo da bolota,

Do touro e da tourada;

Nas tabernas a batota,

Nos pratos linguiça assada.

 

561

 

Apesar de viver longe,

Moras dentro do meu peito;

Não és padre nem és monge,

Mas tens o céu como leito.

 

562

 

Gira-gira, na alta serra,

Gira bem, destino meu;

Dá-me alegria na Terra

E bem-estar lá no Céu.

 

563

 

Fiquei louco, fiquei louco,

Joguei no euro-milhões;

Enterrei, pouco a pouco,

O dinheiro e ilusões.

 

564

 

Não é preciso ser rico

Para viver na fartura;

Que o diga o mafarrico,

Escondido em sua lura.

 

565

 

Pedi dinheiro emprestado

Ao meu íntimo amigo;

Empurrou-me, mui zangado,

Tornou-se meu inimigo.

 

566

 

Quando era rapazote

Adorava um bom guisado;

Agora que sou velhote…

Nem cozido, nem assado.

 

567

 

Ó Roberto guarda a pilha,

Não a mostres a ninguém,

Olha que é de barro a bilha,

E de metal o vintém.

 

568

 

Eu já tive três vinténs,

Uma ladra os roubou;

Agora restam améns,

Para quem os conservou.

 

569

 

Trazes uma flor ao peito,

Talvez para me agradar;

Deixa a flor, vem prò leito,

Anda comigo brincar.

 

570

 

Já fui a Copacabana

Para ver as mocetonas;

Comi “bunda” de baiana,

Piripiri e azeitonas.

 

571

 

Deu o deus toda a beleza

A essas mocitas novas;

A mim só deu a tristeza,

Muita raiva e mil sovas.

 

572

 

Já andei na guerra quente,

Fui refugiado em Taso;

Tive frio, calor ardente,

Só não morri por acaso.

 

573

 

Hoje sou um peregrino

Em terras desconhecidas;

Sou um velho, fui menino,

Já gastei as sete vidas.

 

574

 

Eu deixei a minha terra,

Arrastado pela rua;

Fui levado para a guerra,

Roubaram-me sol e lua.

 

575

 

O azar bateu-me à porta

E eu deixei-o entrar;

A sorte já está morta,

Jamais vai ressuscitar.

 

576

  

Políticos desta terra

Tudo “dão”, tudo prometem;

Logo que a campanha encerra

Como o vento, esmorecem!

 

577

 

Dum pária vil sou filho,

E também duma menina;

Nasci num campo de milho,

Marcado com a má sina.

                                                                                    

578

 

Andei na guerra perdido,

Entre o sul e o norte;

Por uma bala fui ferido,

Conheci o cheiro à morte.

 

579

 

Trilhei matas da Guiné,

Em busca de turras feios;

Eram da cor do café,

Causavam fortes receios.

 

580

 

O destino nunca quis

Dar-me paz e alegria;

Deu-me mil tristezas vis,

Coisas que eu não merecia.

 

581

 

Os santos são calaceiros,

Dormem de noite e de dia;

Mas cobram, como os moleiros,

A sua gorda maquia.

 

582

 

Não fazem grandes milagres,

Apenas curas banais;

Transformam vinho em vinagres,

As festas em bacanais!

 

583

 

Apesar da imperfeição

São queridos pelo povo;

O mais é religião,

O antigo é sempre novo!

 

584

 

A esperança é já crença,

Sonho renasce das cinzas;

A vida é vil avença,

Engodo de belas ninfas.

 

585

 

Linda Senhora de Fátima

Dai saúde à minha esposa;

Em troca dá-te uma lágrima,

O orvalho de uma rosa!

 

586

 

Ó Senhora da Peneda

Fugi da neve, do frio;

Passeai pela Alameda,

Pela praça do Rossio.

 

587

 

Já tive quatro tostões,

Até uma nota de vinte!

Agora tenho ilusões,

Sou miserável pedinte.

 

588

 

Ó minha terra bonita

Onde estás que não te vejo;

Na festa do São Batista

Consumias teu desejo!

 

589

 

Namorei sete mulheres

Entre bonitas e feias;

Umas filhas de alferes,

Outras, sem sangue nas veias.

 

590

 

Se a morte me esquecesse

Eu agradecer-lhe-ia;

Não que eu o merecesse,

Mas a sorte me sorria!

 

591

 

A sorte mais o azar

Namoram às escondidas;

Nunca falam em casar,

Têm almas empedernidas.

 

592

 

Contrariei o destino,

Não aceitei seu conselho;

Agora sou um cretino,

Um olharapo fedelho.

 

593

 

Não vivi a juventude,

Não gozei a mocidade;

Zanguei-me com a virtude,

Desperdicei veleidade.

 

594

 

Querer e o não querer,

Eis paradoxo do mundo;

Nascendo para morrer,

Vivo no sonho profundo.

 

595

 

Nasceu hoje a primavera,

Veio cinzenta, sombria;

Não é raiva mas quimera,

Vestida de fantasia.

 

596

 

Namorei uma morena,

Pele tenra, mui macia;

Pesava como galena,

No colo da cotovia.

 

597

 

Namorei uma francesa,

Numa noite sem luar;

Cheirava a framboesa,

Nascera para me amar.

 

598

 

A sageza foi-se embora,

Correndo a sete pés;

Anda agora mundo fora

Em busca dos mil xexés.

 

599

 

A vida não tem ciência,

Vive-se bem e à toa;

Uns têm fraca inteligência,

Mas navegam numa loa.

 

600

 

Finalmente vou loar,

Já trabalhei muito e bem;

Vou dormir, vou descansar,

Muitas horas, até cem.

 

601

 

Raios parta este sono,

Não me deixa trabalhar;

Este corpo está sem dono,

Não o posso comandar.

 

602

 

Eu nasci na primavera,

Ou no verão escaldante;

Sou filho de uma quimera,

Dum forasteiro errante.

 

603

 

Há pessoas miseráveis,

Que o são por natureza;

Apesar de sãos, saudáveis,

Querem comida na mesa!

 

604

 

Ai quem me dera ser nobre,

Conde, duque ou marquês;

Porque nasci fraco, pobre,

Um rafeiro português?!

 

605

 

A fruta e as mulheres

Colhem-se verdes, maduras,

Não são precisas colheres,

Nem férreas ferraduras.

 

606

 

 À sombra de uma pereira

Namorei uma donzela;

Era bonita, brejeira,

Cheirava a mel, a canela.

 

607

 

Pelas matas da Guiné

Gastei toda a energia;

Perdi a vontade e fé,

Meus sonhos, a fantasia!

 

608

 

Assassina-se em Kiev,

Massacra-se em Mariupol,

Caiam raios, caia neve,

Haja frio, faça sol.

 

609

 

Quando eu tinha vinte anos

Mandaram-me para a guerra;

Gente má, loucos tiranos,

Feras do céu e da terra!

 

610

 

Voltei d´África cansado,

Dois anos a guerrear;

Esse Salazar malvado,

Hei de sempre odiar!

 

611

 

Canta o melro na cerdeira,

O canário na gaiola;

Cantam no Minho e na Beira

O seu canto nos consola.

 

612

 

Deslumbra-me o pintassilgo

Com seu cantar mavioso;

Eu dormindo no pocilgo,

Ele nos ramos, formoso!

 

613

 

Ninguém me pode acusar

De escrever feias quadras;

Jamais poderia ousar

Ser o Bruno das piadas.

 

614

 

Não há quadras mais sérias

Das que eu digo a brincar;

No trabalho, ou nas férias,

Nascem com sol e luar!

 

615

 

Zeca Afonso, o cantor,

Na canção não tem igual;

Cantava com garra, amor,

A canção de Portugal.

 

616

 

Quando Amália cantava

Todo o mundo a ouvia;

Até Severa parava

Nas ruas da Mouraria.

 

617

 

Ninguém se livra da morte,

Famosos, desconhecidos;

Só os deuses têm a sorte,

De viver, mesmo esquecidos!

 

618

 

O Jesus nasceu bebé,

Como todos os mortais;

Mas graças à crença, fé,

Sobressaiu dos demais.

 

619

 

O Cristo morreu na cruz

Como um fero criminoso;

Libertando sangue, pus,

Do seu peito canceroso.

 

620

 

Jesus foi rei dos judeus,

Teve coroa de espinhos;

Na morte foi para os céus,

Depois da ceia, dos vinhos.

 

621

 

Madalena foi amante

Dum santo, ou vero deus;

Via nele um diamante,

Rei de todos os judeus!

 

622

 

Jesus regressou à Terra

Cem mil anos após a morte;

Só viu miséria, a guerra,

A cara feia de Mavorte.

 

623

 

A lua fugiu de nós,

Foi pra bem longe, coitada;

Levou consigo a voz,

Pelo vate sempre amada.

 

624

 

Vem aí o fim do mundo,

O fim da humanidade!        

Vai-se Roberto, Edmundo,

A crença na eternidade.

 

625

 

Se o tempo passara atrás,

Me trouxesse a juventude,

Os maus anos de rapaz,

Sem reparos na virtude!


// continua...

 

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